25 setembro 2009

anedota de última hora

Vá-se lá saber porquê, ao falar com amigos sobre as eleições de domingo, lembrei-me desta anedota:

Num compartimento de comboio iam dois homens. Um deles, de cada vez que o comboio parava numa estação, dava um grande suspiro. O outro começou a ficar curioso, e perguntou:
- Porque é que o senhor suspira sempre que entramos numa estação?
- É que me dei conta que entrei no comboio que vai na direcção errada.
- E então porque é que não sai deste e entra no que vai em sentido contrário?
- Ai, é que eu neste já sei como é. Se sair, não sei como será o próximo comboio onde vou entrar...

23 setembro 2009

notícia de última hora

...salvo seja!

Notícia da hora mais recente:

Ainda mal comecei a contar as férias passadas, já estou a sair para as seguintes.
Isto é um stress terrível, podem crer.
Acontece que a família me concedeu uma carta de alforria temporária, e vou estar ausente durante uns dez dias - que já me estão a saber a pouco.

Durante este tempo ser-me-á difícil ter acesso à internet (sim, vou para uma pequena aldeia que ainda resiste valorosamente ao inimigo), pelo que peço desde já desculpa pelo tempo que possa demorar a publicar os comentários.

***

Apontamentos da hora mais recente:

- Ao jantar, enquanto falávamos de tudo o que é preciso fazer e das tarefas de cada um, o Matthias comentou: "a vida é muito mais fácil quando estás aqui". Aaaaah. É um rapaz tão perspicaz. Estava a ver que ninguém reparava.

- Já votei. Não custou muito.

22 setembro 2009

Mesa Verde




Ver para crer?
Não, ver não basta: já tínhamos visto muitas fotografias de Mesa Verde, e mesmo assim não estávamos preparados para descer àquele oásis de frescura junto ao penhasco, e deparar com o prodígio das casas arrimadas à rocha.


Um pouco de informação: Mesa Verde é um planalto no Estado do Colorado, cortado por desfiladeiros com vales férteis e, em alguns pontos, monumentais penhascos onde a erosão criou uma espécie de alcovas gigantes.



Foi habitado até fins do séc. XIII da nossa era pelos Anasazi, nome que significa "os antigos" ou até "os antigos inimigos" na língua dos Navajo, o povo que depois deles se estabeleceu naquela região.
Começaram por se instalar no planalto, onde construíam as suas casas semi-enterradas na terra. Por volta de 1200 e durante quase um século, passaram a construir em grande escala no abrigo fornecido pelas paredes côncavas dos penhascos ao longo dos desfiladeiros - as "alcovas".

Viviam da agricultura e da caça, estavam integrados em rotas comerciais que até penas de papagaios provenientes da América do Sul lhes facultavam, faziam belos cestos e recipientes de barro, tinham sistemas de irrigação muito desenvolvidos, e tudo lhes corria de feição.

Até que um dia, no espaço de uma ou duas gerações, sabe-se lá porquê, deixaram tudo - inclusivamente comida e vestuário - e desapareceram.

Em 1888, dois cowboys que andavam à procura de vacas extraviadas descobriram um dos pueblos nos penhascos.
(Bryce também foi encontrado da mesma maneira. Se me deixassem mandar, dava uma medalha de "mérito arqueológico" às vacas daquela região. Ou talvez um doutoramento honoris causa em arqueologia. Merecem.)
Em breve foram descobertos outros pueblos semelhantes, e deu-se início a uma autêntica caça às curiosidades. E que caça: os objectos, abandonados 600 anos antes, jaziam ali à mão de semear. As capas da chuva feitas com penas de peru, os potes de barro cheios de grãos de milho, as sandálias velhas, uma confusão inexplicável.
(Por essas e por outras é que eu faço questão de deixar a casa arrumada antes de ir de férias. Sabe-se lá se nunca mais volto, e se um dia uma vaca se extravia para dentro do meu apartamento e os arqueólogos acabam a descobrir que eu era uma dona de casa daquelas tipo valhamedeus que nem a mesa do pequeno-almoço arruma antes de sair.)
Ainda por cima, tinham o hábito de atirar o lixo pela janela. Uma coisa por demais - louça partida, roupa estragada, cestos rotos, eu sei lá, uma profusão incrível, uns autênticos selvagens. Os arqueólogos viram aquilo, e deitaram as mãos à cabeça. Em vez de deixar aquele puzzle, custava alguma coisa ter feito um pequeno museu da aldeia?

A verdade é que não se sabe quase nada sobre este povo.

Os primeiros habitantes são conhecidos por "cesteiros" porque eram exímios artífices de cestos, nos quais até água transportavam (usavam resina para os tornar impermeáveis - muito eu gostava de saber como é que tiravam depois a resina das mãos sem a ajuda da BASF). Uns séculos mais tarde aprenderam a fazer olaria, e a qualidade dos cestos baixou substancialmente. Finalmente, decidiram entrar pela área da arquitectura e da engenharia, com bastante sucesso.



Tudo isto nos foi contado pelo Park Ranger que fez a visita guiada.
De pé, junto a uma kiva (o nome que os Hopi dão uma sala redonda, praticamente toda escavada no solo, com entrada por uma abertura no telhado arredondado, e que servia para múltiplos usos - desde reuniões familiares ou de clã até simples abrigo), falava-nos das várias hipóteses para explicar a súbita retirada. Talvez o excesso de população, a caça dizimada, o exagerado abate das árvores para lenha (eu bem digo que os EUA estão a mudar: agora até já se imaginam catástrofes ecológicas como causa do desaparecimento de um povo), talvez anos sucessivos de seca que poderão ter estado na origem de guerras para ter acesso a alimentos.

Em todo o caso: os Anasazi desapareceram, as aldeias permaneceram esquecidas durante centenas de anos, até que umas vacas sábias deram um empurrãozinho à história, e logo a seguir entrou em cena Nordenskiold, um membro da Academia de Ciências Sueca, que na realidade andava a tentar curar a tuberculose, mas se apaixonou por aquele lugar e passou largos meses a estudar e descrever minuciosamente o que encontrou. Também teve o cuidado de recolher mais de 600 objectos, que resolveu enviar para a Suécia.
E foi aí que as "tough ladies", como dizia o Ranger, "capazes de pôr um mormon a beber em menos de vinte anos" (não tenho a certeza de ter entendido bem, mas ri-me muito) entraram em cena. Furiosas com o roubo de património que estava a decorrer, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para impedir aquele transporte. O sueco foi preso (num hotel, podia ser pior), mas logo a seguir libertado, porque não havia nenhuma lei de protecção do património. Rapidamente tratou de encaixotar tudo e preparar-se para atravessar o país de comboio, com o seu tesouro, rumo a um barco que o levasse de volta à pátria. As "tough ladies" não se deram imediatamente por vencidas. Informaram-se sobre os horários do comboio, e telegrafaram para todas as cidades do seu percurso, contando a história na versão delas: "às tantas horas do dia x vai passar aí um grande ladrão". Pobre Nordenskiold. Teve honras de primeira página nos jornais, manifestações de protesto em todas as cidades onde o comboio parou, e quando finalmente chegou à costa já há muito era considerado o inimigo público nº1 de toda a América. De regresso a casa, casou com uma finlandesa, morrendo pouco depois vítima da tuberculose (e se calhar também dos nervos, imagino eu). Assim se explica que muitos dos melhores achados de Mesa Verde tenham ido parar a um museu em Helsínquia.
"Mas era tudo legal", dizia o Ranger, "não podemos criticar estas pesoas à luz da mentalidade de hoje". Infelizmente não havia lei nenhuma que o impedisse de fazer aquilo, do mesmo modo que muitos habitantes da região levaram tudo o que quiseram. Mais tarde, dando-se conta do valor dos objectos, "e porque são gente boa", dizia o Ranger, emprestaram-nos ao Chapin Mesa Museum, onde podem ser vistos juntamente com pequenos letreiros onde se lê: "propriedade de Fulano, que por gentileza a cedeu temporariamente para poder ser apreciada por todos".



Contou-nos ainda um pormenor curioso: os Navajo que actualmente vivem na região não permitem que os seus filhos participem em visitas escolares àqueles locais. Por causa dos espíritos dos Anasazi, dizem eles.

Acredito, e não me admiro:

O passeio continua. Metemos a cabeça dentro de uma das torres, e vemos pinturas na parede à altura do terceiro ou quarto andar.
Os compartimentos eram diminutos, a passagem de uns para os outros exigia o uso de escadas de mão, o acesso tanto ao vale como ao planalto fazia-se por meio de uma escalada íngreme. A sorte deles é que naquele tempo não havia serviço de protecção de menores, caso contrário aposto que os mandavam ir morar para outro lugar (olha, parece-me que encontrei mais uma explicação para o abandono do local...). Alguma preocupação terão tido, contudo, já que a soleira das portas ficava meio metro acima do chão. Mesmo assim, pergunto-me como seria possível criar crianças numa povoação de características tão pouco seguras. Pobres mães, deviam passar a vida com o credo na boca. Ou, talvez, com as crianças às costas.


No fim da visita, subimos por uma série de escadas de mão encostadas a passagens estreitas na rocha. Na parede havia pequenas cavidades com a marca de dedos : os apoios que os Anasazi usavam para as escaladas.



E o parque de campismo?, perguntarão.
Era quase óptimo. Num bosque onde se passeavam corças, com boa sombra, espraiado para ter espaço suficiente entre as tendas, com duche (ah, o luxo!) e até lavandaria. Só se esqueceram de uma coisa: a pia para lavar a louça. Tínhamos de a lavar numa torneira simples junto à estrada, com um lamaçal incrível sob os nossos pés, mesmo junto ao letreiro onde se pedia para não fazer isso.
Enquanto o Joachim e eu fomos à lavandaria, os miúdos ficaram a lavar os pratos. Um casal que passou por eles comentou: "vocês fazem campismo mesmo a sério, cozinham e tudo! Nós não temos paciência para isso, vamos sempre ao drive-in."
Confesso que a última coisa que me ocorreria combinar com campismo em Mesa Verde seria um drive-in, mas pelos vistos à direcção do parque também não ocorreu que alguns campistas podem eventualmente lembrar-se de cozinhar e usar pratos reutilizáveis.

tosse

A vantagem desta tosse que não me larga há um mês é que a minha voz chegou a um ponto em que estou compatível com a Maria Bethânia.

A desvantagem é que acerto no tom, mas não nas notas.

(Sim, já fui ao médico, obrigada. Já estou a tomar um antibiótico daqueles de ressuscitar elefantes. Já várias pessoas tentaram convencer-me a tentar as medicinas alternativas. Já estou muito tentada a ir - também - por aí. E já prometi ao Joachim que, se sobreviver, começo a fazer desporto regulamente. Não sei se a vida começa aos quarenta - mas mudar, ai isso muda, e muito.)

os tempos que correrão (2)

Ideias extravagantes é connosco. Ofereceram-nos uma casa muito sui generis, um pavilhão fabril da Belle Époque, para lhe inventarmos um uso e aproveitarmos o último andar para o nosso almejado apartamento com terraço sobre Berlim. Fomos ver. Fica num bairro onde há muitos turcos e árabes, e a Christina ficou chocada com o modo como na rua os homens olham e comentam as mulheres que passam - no bairro onde moramos, não há nada disso.
Como ainda não tínhamos desistido de sonhar aquela maluquice , o Joachim tentou uma solução para as resistências da Christina: "quando andares na rua, pões um lenço na cabeça e todos te deixam em paz."
Ao que nós chegámos...

21 setembro 2009

os tempos que correrão

Pergunta do Matthias, completamente perplexo:
"O quê?! Os homossexuais não podem casar?!"
Sublinho: completamente perplexo.

20 setembro 2009

o amor é cego

Na aula de Biologia, a professora pediu à Christina que descrevesse as características físicas de pessoas com síndroma de Down.
A miúda, que não tinha estudado isso, tentou lembrar-se do aspecto dos filhos de alguns amigos nossos. Só lhe ocorreu "queda de cabelo" e "crescimento diminuto".

Não há dúvida, o amor é cego.

Já me tinha dado conta dessa cegueira dela nos EUA, quando tinha seis ou sete anos. Ao tentar explicar-me quem era a Wednesday da turma dela, não lhe ocorreu dizer "aquela menina preta magrinha". Contou que tinha sempre vestidos lindos, que a mãe lhe fazia belos penteados, enfim: o que é importante.

uma vez aqui chegada...

Quero agradecer publicamente ao JJ.Amarante a ajuda que me deu para aprender a publicar as fotos num tamanho mais adequado. Sem ele, só conseguiria pôr aqui fotografias do parquezinho de campismozinho, do delicatezinho archezinho, do etczinho...
Muito obrigada!

18 setembro 2009

Arches

Entrar no Southwest por Arches não é o mais aconselhado. Melhor seria deixar esse parque e Bryce para o fim da viagem. Depois daqueles, que mais nos pode arrancar grandes "ah" e "oh" de espanto?

É difícil descrever a beleza destas paisagens. E é quase impossível escolher, das centenas de fotografias que fizemos, uma meia dúzia delas para mostrar.

Começo com "les bourgeois de Calais", nome inventado por nós para esta formação fascinante:


Segue-se a vista a partir da tenda, num dos mais belos parques de campismo que conheço. Paisagem magnífica, com imenso espaço entre as tendas dos diversos ocupantes. Mas infelizmente sem duches. Para nos lavarmos, enchíamos garrafões de cinco litros, e água vai. Às escuras, porque é um crime: felony.
(muito eu gostava de saber o nome deste crime em alemão ou português - começo a suspeitar que nestes países não existe...)
E desconfio que não foi o único crime que cometemos: à procura do sítio com mais sombra para montar a tenda, fartámo-nos de pisar terreno até aí virgem - ai a pegada ecológica!



Há inúmeras possibilidades de caminhadas naquele parque, e mais de 2.000 arcos naturais para ver. Como vem escrito no guia que nos dão à entrada, em dias de céu azul como os que lá passámos, é difícil imaginar que aquelas formações rochosas são o resultado de violentas forças (água e gelo, temperaturas extremas, movimentos subterrâneos) ao longo de muitos milhões de anos.
Sim, eu metia aqueles arcos todos nas gavetas "milagre" e "provas da existência divina", e ficava o assunto arrumado.

Um outro fenómeno difícil de explicar é haver tantos carros estacionados e vazios, e cruzarmo-nos com tão poucas pessoas nos trilhos.





Ficámos dia e meio neste parque, o que não chega para quase nada. Ainda assim, pudemos fazer uma caminhada inesquecível: ao fim da tarde, até ao Delicate Arch.
Não direi que foi fácil. O trilho consiste numa subida, por vezes bastante acentuada, de 2,5 km. Fazia quase 40º à sombra - mas não havia sombra.

O percurso passa ao lado de um rancho esquecido. Uma cabana minúscula, com um compartimento só, feita de troncos de árvore. Conta-se que foi construída pelo dono do rancho após a visita de uma filha sua, que ficou chocada com as condições em que ele vivia. Bem, se aquela cabana já era um melhoramento substancial em relação àquilo que existia...
Algumas semanas mais tarde, no museu de história americana em Washington DC, lembrámo-nos dessa cabana ao ler que Abraham Lincoln nascera e crescera numa log cabin.

O arco só aparece no fim da caminhada, por trás de uma formação rochosa. À nossa esquerda vê-se este conjunto de rochas monumentais (reparem nos vestígios de uma cascata enorme, do lado direito - este passeio deve ser muito recomendável na Primavera) e logo a seguir...



...logo a seguir, à nossa frente, o esplendor!



Escolhi esta fotografia por especial atenção a uma leitora deste blogue, que gosta muito de ter pessoas na paisagem para conseguir perceber as dimensões reais.
Nada mais fácil que fazer fotografias do Delicate Arch com pessoas lá perto - de facto, elas insistem em fotografar-se assim. Deve ser para aqueles típicos álbuns de férias "Olha eu feito formiguinha debaixo do Delicate Arch", "Olha eu feito formiguinha junto à Golden Gate Bridge", "Olha eu feito formiguinha ao lado do Big Ben".
Se bem entendi, é a isto que se chama o bug do milénio.

O problema é que estávamos sentados num grande anfiteatro natural ao lado de centenas de fotógrafos amadores e profissionais a tentar fazer a fotografia da vida deles, e basta uma pessoa decidir ir exibir-se para debaixo do arco para estragar o sonho de todos.

Naquele dia, enquanto o sol esteve tapado por nuvens, ninguém protestou demasiado. Mas quando chegou o momento mágico em que o sol, quase ao nível do horizonte, tingiu a paisagem de tons irreais, o pessoal desatou a gritar "buuuuuh! buuuuuh!" a uma formiga que para lá se dirigia. Confesso que tive pena do homem. Deve ter-se sentido assim mais ou menos como no Coliseu de Roma pouco antes de largarem os leões.

E então aconteceu isto:



Num dos momentos de sombra a Christina arriscou-se a fazer uma fotografia sob o arco. Contou-nos depois que é uma sensação incrível, e queria muito que nós fôssemos até lá para experimentar a força que se sente naquele local. Nós é que estávamos com medo dos "buuuh! buuuuuh!" do público em geral, e optámos por ficar sentados e quietos no nosso ponto de observação e encantamento.



A seguir, afoita, resolveu avançar cuidadosamente de gatas ao longo da parede rochosa bastante inclinada, porque queria fotografar o arco à contraluz.
No comments, que é como quem diz: eu não sei como é que os miúdos sobrevivem à própria adolescência, e os pais deles também. Confesso que me ia dando uma coisa má ao vê-la tão longe a fazer algo que me parecia perigosíssimo. E eu ali, a imaginar a minha filha a cair por um escorrega gigante, toda em susto os meus sais, ai! os meus sais! - nem sei o que isso é, mas consta que é o que se deve dizer nestas situações.

Tudo está bem quando acaba bem:


preparativos para a grande aventura, ou: de como muitas coisas mudaram nos EUA, e outras não

Segunda etapa das férias: voar para Salt Lake City, e seguir daí para os parques nacionais.
No aeroporto alugámos um carro, metemos a tralha toda lá dentro, e fomos para um Whole Foods comprar sopas em tetrapack, molhos de tomate biológicos, latas de leite evaporated e tudo o que era necessário para os dez dias de campismo que se seguiriam.
Num Walgreens perdi a cabeça e comprei duas garrafas enormes
(duas, pois, porque a segunda era quase de graça... ainda há-de vir o dia em que aprenderei a não escorregar em qualquer casca de banana marketingueira que me estendam no caminho)
de um produto que agora se usa muito por causa da nova gripe: parece um creme para pôr nas mãos, mas é desinfectante - "kills 99% of all germs", dizem eles, e não sei porquê fico logo a pensar no 1% que resiste.

O Joachim e o Matthias também foram a um REA
(o que eu gosto daquela loja! só por causa dela, até estava capaz de me tornar uma outdoor freak)
(outdoor freak, para mim, é dar um passeio de dois quilómetros nas imediações de uma cidade)
foram a um REA, dizia eu, comprar comida liofilizada para a caminhada no Grand Canyon, e de caminho deixaram-se convencer a comprar dois Camelpak que se vieram a revelar formidáveis.
(Agradeço a quem me disser agora como os devo lavar e conservar. Li alguma coisa sobre enchê-los com uma mistura de água e bicarbonato, mas...)

Tínhamo-nos esquecido que Salt Lake City é terra de mórmones, onde as bebidas alcoólicas estão proibidas. Depois de muito procurar, conseguimos encontrar um Liquor Store, onde comprámos umas zurrapas a preço de Borgonha premier grand cru. Adiante, que tristezas não pagam dívidas.

Algumas centenas de quilómetros a sul demo-nos conta que os EUA mudaram imenso. Não era preciso ter visto na internet, ainda na Alemanha, se havia algum supermercado de produtos biológicos em Salt Lake City. Estes produtos invadiram todos os supermercados! Até no banal Albertson's de Moab foi possível encontrar praticamente tudo o que tínhamos comprado no famoso Whole Foods.
Convém esclarecer que não sou fanática dos organic. Mas nos EUA, onde as listas de ingredientes dos produtos têm vários metros de comprimento, prefiro comprar biológico, para evitar os aditivos químicos.

Carro cheio, fizemo-nos à estrada.

quando a noite cai na praia

Sobre o concerto em Stern Grove não me apetece contar muito.
Basta dizer que é um erro ir do concerto da Filarmónica de Berlim na Waldbühne para um qualquer em Stern Grove. Enfim, desconto a Joan Baez, que esteve lá uma semana antes de nós, e mesmo assim...
Mas para quem não tiver a Waldbühne de Berlim como termo de comparação, esses concertos nos domingos estivais de San Francisco são muito engraçados.
E uma óptima oportunidade para fazer um piquenique com os amigos.

O nosso programa tradicional de domingo: depois de Stern Grove, apanhar lenha no Golden Gate Park e ir para a praia fazer uma fogueira.
No Verão a praia é fria (acho que já falei disso nos posts anteriores), mas depois do pôr-do-sol o vento pára, os ruídos da cidade desaparecem como por magia, e um imenso sossego pousa sobre nós.


(fogueiras na Ocean Beach, ao fundo do Golden Gate Park; vê-se à direita um dos moinhos holandeses que foram construídos para captação da água para regar o parque)





(quem não sabe é como quem... faz pássaros de fogo sobre a praia quando queria fazer as luzes da cidade)



(quem não sabe é como quem... fotografa a tranquilidade quando queria fotografar uma fogueira)

retrato de família


O Zeum é um sítio fantástico para passar umas horas com os filhos. Aliás: a nossa sorte é que eles só nasceram ontem, e ainda não lhes ocorreu dizer "se te portas mal, não te deixo ir comigo ao Zeum!".
E mais não digo, podem-se informar directamente no site.

Passámos lá uma bela manhã a moldar figuras de plasticina para fazer depois um filme. Eu fiz o Joachim (fartei-me de rir quando lhe vesti aquela linda camisa havaiana), ele fez-me a mim (fartou-se de rir quando, vingativo, me deu aquele ar de noiva do incrível Hulk), os miúdos fizeram-se um ao outro.
(O Matthias também estava engraçado, mas já não sei porque é que não compareceu à sessão fotográfica.)

Terminado o filme, e gravado o nosso CD, os miúdos foram preparar sketches de tv. Escolheram o cenário (o gabinete oval da Casa Branca, claro), e escreveram o diálogo, que depois o teleponto lhes apresentava. Depois de tudo preparado, entraram na sala de paredes verdes, onde as câmaras e o teleponto já estavam a postos para a gravação.
E saiu isto: a Tina Fey sentada na secretária do presidente; o Obama entra na sala a dançar e senta-se ao lado dela; ela faz perguntas, mas quase não o deixa abrir a boca para responder; estão nisto quando o Obama se dá conta que há uma mosca a voar na sala; mata-a, e mostra-a à câmara de televisão.

O que seria do imaginário desta geração se não houvesse o youtube?

when I'm sixty-four

Comprámos burritos e limonadas mexicanas no Geary Boulevard, logo a seguir aos quarteirões russos, e fomos almoçar num banco do parque de Point Lobos, com vista para as Seal Rocks.
Depois passeámos ao longo do Camino del Mar. Nestas incursões pela natureza inóspita (!!!) é sempre bom ter um guia experiente, como aquele nosso amigo que, no ano em que me ocorreu nascer, já estava a apanhar boleia de um bacalhoeiro para ir passar dois anos de férias na Europa, com entrada pelos Açores dos anos sessenta. Um homem experiente, portanto.
Pacientemente, explicava como identificar poison ivy, dava nome aos pássaros que víamos, ensinava o caminho para as melhores amoras, o funcho mais tenro.
Numa curva do caminho colheu com delicadeza uma pequena flor laranja, e sugou-lhe a seiva. Depois, de olhos fechados, foi metendo a flor na boca, mastigando devagar. Na paisagem apagada de nevoeiro existia apenas aquele homem, a mancha de cor na sua boca e a evidência do prazer dos sabores.



Os Beatles eram muito novos quando escreveram aquela "when I'm sixty-four". Ah, demasiado novos, coitaditos - não percebiam nada da vida.
Começo a desconfiar que por volta dos 64 anos as pessoas estão suficientemente sábias e livres para um erotismo muito bem decantado.

(Comprei hoje o filme "Wolke 9", mas acho que vou esperar 20 anos para o ver)

17 setembro 2009

"senhor Mutlos", diz o Spiegel online


No Spiegel online foi publicado um artigo demolidor sobre a reeleição do Durão Barroso.
A foto é proveniente do mesmo artigo. Dado que o texto está em alemão, segue-se uma síntese.

Sob o título "O senhor poltrão chegou à meta", traça-se um quadro desanimador: um chefe fraco, reduzido à dimensão de figura tragicómica. Poucos o apreciam, muitos são os que o criticam, e até os próprios aliados se riem dele.

Um erro de casting, inapropriado, inelegível. Falta de coragem e visão. Um camaleão.
Um presidente de formato reduzido, à medida dos interesses de Merkel e Sarkozy, cujo apoio não terá sido propriamente isento.

Cito: Como um professor faria com o aluno em risco de chumbar, Sarkozy deu em público instruções a Barroso para que, durante as férias de Verão, escrevesse um programa de trabalho mais ambicioso, caso queira conservar o lugar. O aluno, obediente, escreveu "ambições para os próximos cinco anos". Uma peça cheia de lugares comuns e banalidades - o que não incomodou Sarkozy. Não era o conteúdo que interessava, mas a demonstração de poder e submissão.

Angela Merkel será um pouco mais refinada. Conta-se um episódio em que, no fim de uma reunião na Chancelaria, alguém lhe terá dito que Barroso telefonou e pediu que ela lhe ligasse; ao que ela respondeu "diga-lhe que não telefone tanto", com um ar de "ai, que homem tão maçador!"

Segundo o mesmo artigo, o modo como Durão Barroso lutou para manter o lugar enervou de tal modo os aliados e os opositores que o seu nome inspira um manancial de anedotas nos circuitos da UE.

Contudo, do ponto de vista dos interesses da União Europeia, não há muito motivo para risos.
Aos "três grandes" (os governos em Paris, Londres e Berlim) convém ter em Bruxelas um homem fraco e apagado, que não lhes faça sombra. O "directório", como entretanto já são chamados por muitos em Bruxelas, está a chamar a si o poder de decisão. Caso seja necessário, podem ainda ir buscar um OK a Roma, Madrid e Varsóvia. Se não sempre, na maior parte das vezes.
E o Parlamento Europeu, que ainda vive na doce ilusão de ter aumentado o seu poder, não se dá conta de estar a aceitar imposições exteriores, tal como Barroso e a Comissão. A maioria dos parlamentares considera que Barroso é a escolha errada para este cargo. Mas, como dizia um experiente deputado da CDU alemã, "ninguém quer arriscar uma crise institucional", ou seja, um conflito com os governos.

Os esforços do Parlamento para evitar esta eleição foram coarctados pelos "boss", nas respectivas pátrias. Os deputados, tanto à direita como à esquerda, receberam ordens para não impedirem a reeleição de Durão Barroso. Tanto mais que os vários grupos da oposição foram incapazes de um entendimento para apresentar um candidato comum.
Em compensação, os governantes das grandes potências europeias foram muito bem capazes de se entender quanto aos próximos lugares a atribuir: o presidente permanente do Parlamento será também um conservador, enquanto o ministro europeu dos negócios estrangeiros será socialista. Postos que, obviamente, não chegarão a existir se o referendo irlandês, em Outubro, for mais uma vez negativo. Mas, nesse caso, ninguém sabe qual será o futuro da Europa.


(Post publicado também aqui)

sol e sombra

Como se pode ver pelas fotografias do post anterior, o Verão é a época menos propícia para visitar San Francisco.
Caso não acreditem, perguntem ao Mark Twain, que gostava de se armar em vítima dos elementos: "the coldest winter I ever saw was the summer I spent in San Francisco."

Se um dia me cruzar com ele, hei-de-lhe explicar que as coisas nunca são exactamente o que parecem. Nos dias de nevoeiro, basta saber em que colinas de San Francisco se pode encontrar o sol. Ou, melhor ainda, atravessa-se a baía e vai-se passar umas horas a Sausalito. Reparem nas últimas fotografias daquele post: uma enseada com água esmeralda, o sol esbadanado sobre a região de Marin County.

Se um dia me cruzar com o Mark Twain, hei-de-lhe dizer: "quem não sabe é como quem não vê..."

Ou talvez não diga nada. É que de repente lembrei-me de como é passear em downtown: vai-se ao longo de uma rua, manga curta. Chega-se ao cruzamento, casaco e cachecol. Atravessa-se a rua. Tira-se o casaco e o cachecol. Vai-se ao longo de uma rua, manga curta. Chega-se ao cruzamento, etc.


16 setembro 2009

um eléctrico chamado...



Um eléctrico chamado cable car com motor.
Melhor dizendo: um cable car que foi tirado dos trilhos e recebeu um motor para passear turistas pela cidade. Há várias companhias, mas nenhuma é tão boa como a Classic Cable Car.
Se isto parece publicidade descarada, é. Mas é por uma boa causa: a vossa.
Quem quiser passear por San Francisco com o melhor guia que conheço, deve contactar aquela empresa e reservar uma viagem com o Chris.

Na altura do dot-com boom, o Chris era impersonator. Ia de evento em evento na sua carrinha, que era um guarda-fatos ambulante. Nas portas de trás tinha à esquerda o Laurel e à direita o Hardy, talqualzinhos, e ambos eram ele a olhar com ar pomposo e brincalhão para o condutor que o seguia. Mas depois veio 2000, o pessoal do dot-com começou a passar mal - alguns deles vieram parar à rua, literalmente: em questão de semanas passaram do apartamento para a pensão barata, daí para o carro e num instante estavam a dormir na rua. De repente, nenhuma empresa estava interessada em contratar um impersonator para animar as festas. Fim da festa, o Chris teve de arranjar outro emprego.
Uma das últimas vezes que o Chris impersonou foi numa garage sale que fizemos, tentando vender a tralha toda antes de regressar à Europa. Combinámos uma festa de despedida com os amigos, no meio dos móveis e tarecos para vender, com bolos, café e vinho. O Chris veio também, era o inspector Columbo, e passou metade da festa a ask just one more question. Depois desistiu, porque estava um calor insuportável, tirou a gabardina e desatou a comer bolos à paisana.
A garage sale, agora que penso nisso, foi um fiasco. Por especial favor compraram-nos um banco stokke por 10 dólares, coisas assim. Em compensação, passámos uma tarde formidável com amigos e conhecidos. Um deles, completamente empanturrado de doçaria portuguesa, rematou: "da próxima vez, devias vender os bolos e oferecer os móveis".

Voltando ao cable car: este Verão fomos passear com o Chris pela cidade que tão bem conhecemos, apenas pelo prazer de o ouvir. Vale a pena, acreditem. Além de mostrar os bairros habituais dos turistas, leva-nos ao outro lado da Golden Gate Bridge. E conta piadas. E manda piadas aos turistas que leva. E sabe contar episódios da história da cidade de uma maneira engraçada. E larga o carro por aquelas ruas incrivelmente íngremes, gritando "ai os travões! ai os travões!"





Era Verão, o nevoeiro não nos falhou. As massas inacreditáveis de nevoeiro que avançam do mar para a baía e nem deixam ver a ponte.






Uma última nota: no regresso, a Christina fotografou um candeeiro da rua, perto de South Beach.
Uma das curiosidades de San Francisco é a iluminação das ruas. A forma dos candeeiros muda de bairro para bairro - há-os chineses, japoneses, italianos, mais modernos, mais antigos.

14 setembro 2009

concurso "tenho os vizinhos mais engraçados do mundo"

Recado na porta da entrada:
"Caros vizinhos,
Na noite passada, a minha bicicleta foi roubada aqui mesmo à frente da porta. Estava bem fechada, com um cadeado seguro. Este aviso serve apenas para lembrar que estas coisas acontecem e temos todos de ter muito cuidado."

Dois dias depois, o recado foi substituído por este:
"Caros vizinhos,
a conselho de uma amiga, fui dar uma volta pelo bairro, e encontrei a minha bicicleta muito bem fechada, com o cadeado de sempre, em frente ao supermercado. Esqueçam o aviso anterior.
Oh, Alzheimer mio!"

13 setembro 2009

choque cultural



Não dá para compreender.

(Foto: Spiegel online)

12 setembro 2009

duas parangonas e uma solução

- Sócrates admite que enviou espiões à vigília de solidariedade com Manuela Moura Guedes

- Sócrates acusa: défice de lealdade no Largo do Rato!

Sabendo ouvir atenta e delirantemente nas entrelinhas daquele coiso que dizem ser uma notícia (e encontram o link neste post do Rui Bebiano, mas não é fundamental que vão ver, porque é obsceno fabricar uma notícia a partir de um momento de non sense off record) podem-se inventar escândalos fantásticos.

O que me lembra uma discussão a que assisti há mais de dez anos, entre tradutores: havendo cada vez mais clientes interessados em tradução rápida, barata e de qualidade apenas sofrível, devemos render-nos à lógica de mercado, ou continuar a insistir na qualidade?

Eu sobre o dilema dos tradutores não sei, só conheço um que apesar de ser realmente muito bom consegue ganhar q.b., os outros vão trabalhando para aquecer - o que tem a vantagem de poupar no aquecimento-, mas para aquela espécie de coiso que se fez no Correio da Manhã tenho uma solução muito simples, um autêntico ovo de Colombo: vende-se o jornal a uma empresa espanhola, e depois, assim tipo a três quinze dias de uma data qualquer, os espanhóis vão e resolvem o problema. Pronto.

(o título do post da Abrunho que me levou ao Rui Bebiano já diz tudo: Um poste para guardar na minha série: os media portugueses irritam-me profundamente)

11 setembro 2009

e se?

Na secção de automóveis no Deutsches Museum em Munique, onde se mostram várias experiências de técnicas alternativas para pôr veículos em marcha, damo-nos rapidamente conta desta evidência: o mundo em que vivemos é o resultado de uma infinidade de escolhas sucessivas.
(O Sr. Lapalisse aproveita para mandar cumprimentos a todos e desejar um bom dia)

Como seria hoje o nosso mundo, se em vez dos combustíveis fósseis se tivesse optado por motores a vapor?
Imagino: a Amazónia estaria em adiantadíssimo processo de desertificação, a reinstituída monarquia brasileira teria fortes laços de amizade com os EUA, os terroristas do 11 de Setembro seriam latino-americanos...


(Moral da história: a culpa de o mundo estar como está é dos engenheiros alemães da Belle-Époque. A gente anda e desanda, e acaba sempre a conseguir deitar as culpas para os alemães.)

"mães do bairro"



(foto daqui)


Neukölln é um dos bairros mais complicados de Berlim, devido ao elevado número de residentes estrangeiros que não se conseguem integrar na sociedade alemã. Há escolas onde 90% dos alunos têm outra língua materna, a percentagem de alunos que conseguem aceder ao Gymnasium (a vida de ensino que conduz à universidade) é muito baixa, a taxa de desemprego é altíssima - em suma: um bairro com altos níveis de frustração, desmotivação, indiferença e raiva surda.
Há cerca de cinco anos surgiu aqui um projecto surpreendente: mulheres imigrantes, desempregadas, recebem uma formação de seis ou sete meses, e a tarefa de visitar famílias estrangeiras para conversar com as mães, na sua língua materna, sobre temas como emigração, cursos de alemão, saúde, direito e direitos, educação, chegando mesmo a ajudar na resolução de problemas específicos como a escolha de um infantário e a respectiva inscrição das crianças.
Para 2009/2010, o governo de Berlim disponibilizou 8,4 milhões de euros para este projecto. Li um artigo de jornal onde se relativizava este montante, lembrando o custo anual de um lugar numa casa de correcção juvenil.
Por outro lado, as "mães do bairro", que recebem um salário mensal de cerca de 700 euros, são mulheres que anteriormente recebiam apoios da Segurança Social - o projecto transforma uma dependência na prestação de um serviço importantíssimo, oferecendo às mulheres autonomia, autoconfiança e um novo papel no contexto familiar.

Recentemente tive a sorte de conhecer uma destas "mães do bairro", numa visita guiada a um pequeno oásis em Neukölln, a área à volta da Richardplatz.
Começou por nos apresentar uma mesquita turca, instalada num antigo edifício industrial. Imagine-se um pavilhão de orientação norte/sul, atravessado por linhas diagonais de tapetes na direcção de Meca. A princípio, achei graça à disposição dos tapetes, mas ao fim de alguns minutos deixei-me encantar pela dignidade daquele ambiente, o rendilhado dos azulejos, as cores calmas. Esqueci os tapetes oblíquos, os tectos relativamente baixos, as janelas industriais a norte e a sul, os candeeiros rasos e baratos.
A nossa guia, turca e muçulmana, ia explicando os rituais e as regras, a distribuição dos espaços do complexo, a organização financeira. Estamos no Ramadão, mas ela não faz jejum, nem permite que a sua filha, de sete anos, faça.
- E os outros, não a criticam?, pergunta um de nós.
- Não. O Ramadão é uma oportunidade que nos é dada para nos purificarmos. Eu decido em liberdade se quero aproveitar esta oportunidade ou não.
- Porque é que não permite que a sua filha o faça, se ela quer fazer para ser igual às outras crianças da escola?
- Porque é muito violento: é preciso acordar a criança às quatro da manhã para lhe dar a primeira refeição, e deixá-la dormir de novo até às sete, hora a que se prepara para ir para a escola. E passa o dia inteiro sem comer, até ao pôr-do-sol.
- Quando visita famílias que deixam as crianças fazer jejum, diz alguma coisa?
- Sabe, quem como eu anda pela rua sem cobrir a cabeça não tem muito a dizer na casa de pessoas que dão mais valor a certas regras do Islão...

Começa a contar: sobre as famílias em busca de segurança identitária, refugiando-se em tradições ultrapassadas que nem na própria Turquia se encontram mais; sobre a mulher com quem se encontra às escondidas do marido, uma turca de casamento arranjado que está presa em casa sem a menor ideia dos direitos que tem nesta sociedade; sobre uma mãe que lhe diz "que é que você me quer ensinar sobre educação sexual? você tem dois filhos, eu tenho quatro - acha que sabe mais que eu?" (fosse comigo, respondia-lhe logo: "sei mais, sei: sei como é que se faz para ter apenas dois"); mas também sobre as dificuldade burocráticas: não quererem que ela faça este trabalho porque não recebe apoio da Segurança Social, não deixarem que as "mães do bairro" dêem apoio a jovens famílias alemãs, que afinal também precisam, mas estão sob a alçada de outro serviço público.

E mostra o bairro. O café turco onde só podem entrar homens (diz com um sorriso: "eles precisam de um lugar a salvo das mulheres"), o café onde só podem entrar mulheres (foto), ao lado de uma oficina de ferreiro histórica onde agora se fazem peças de design. No seu alemão ainda frágil, conta a história do bairro de refugiados protestantes que encontraram asilo em Berlim quando na Boémia o catolicismo voltou a ser a religião oficial. Leva-nos por pátios e parques escondidos atrás das fachadas, conta-nos sobre os projectos de espaços e actividades multiculturais - e são tantos! Mostra-nos o jardim de Comenius, um jardim criado recentemente no espaço deixado livre pela demolição de um velho bloco habitacional. Conta que é um lugar especial, onde até os adolescentes mais agressivos ficam pacíficos. "Milagre", penso eu, mas logo a seguir percebo o truque: a população definiu as regras de utilização do local, e o gestor do jardim está permanentemente presente e atento, quer oferecendo em cestos convidativos a fruta que colhe das árvores, quer exigindo o cumprimento das regras ao primeiro sinal de infracção.

De repente, damos connosco a olhar para as casas, a pensar que gostaríamos de recuperar "aquela" oficina abandonada no pátio cheio de árvores, ou talvez fazer um apartamento com terraço no cocuruto de um dos belíssimos prédios arte nova - e morar ali. Ali, no coração de Neukölln.
Duas horas com uma "mãe do bairro", e os nossos preconceitos vão parar às ruas da amargura.

O passeio terminou onde tinha começado: na Richardplatz. Jantámos num restaurante que usa o pátio de um comerciante de velharias. Entre velhas cadeiras de dentista e trenós de madeira, comemos bruschetta e pizza. Preço: 2 euros por pessoa.
Também podíamos ter ido ao Louis, um restaurante de comida austríaca, mesmo ao lado. Consta que tem a maior Schnitzel de Berlim - um prato (por 12 euros) chega bem para três adultos. Estou mortinha por voltar a Neukölln e verificar com o meu próprio estômago...

10 setembro 2009

o anti-império contra ataca

Aqui está um belo exemplo de como nos EUA de Obama se está a fazer política.

orgulho e proconceito

Quem quiser comprar coisas muito boas, muito bonitas e muito baratas em San Francisco, deve ir passear para o Castro aos sábados.
Não há volta a dar: os gays desse bairro têm as melhores garage sales da cidade inteira.
É lá que se encontram, por preços bem módicos, móveis de design escandinavo (não, não estou a falar da IKEA), antiguidades, velharias de bom gosto, e muito mais.
Mesmo que não andem à procura de mesas dinamarquesas ou antigos baús das viagens de navio, vale a pena passear por essa regiao: numa encosta virada para a magnífica paisagem da baía, cheia de ruas sossegadas, com belos jardins e casas de madeira muito bem cuidadas, esculturas ou mobiles engraçados e nunca pirosos às janelas, aqui e ali uma bandeira do arco-íris levemente animada pela brisa - todo o bairro respira um ambiente de suave bem-estar, alegria, abertura e criatividade. Um ambiente bastante burguês, mas sem espartilhos.

E mais não digo, para não me acusarem de ser "proconceituosa" em relação aos gays.

***

No Castro moram sobretudo casais de homens. Não conheço a região de Oakland, de rendas bastante mais acessíveis, ondem moram casais de mulheres.
É fatal como a aritmética: se um homem ganha mais que uma mulher, dois homens ganham muito mais que duas mulheres.

lembrar

"O miúdo de seis anos

Há muito que ele me pedinchava que o pusesse a mexer no computador e que lhe explicasse essa coisa fantástica das pesquisas na Internet. No Natal, enchi-me de brios, escondi a forretice e ofereci-lhe um portátil e um kit sapo wireless. Ficou radiante. Por razões atinentes à incompetência de alguns meninos que nos atendem na linha directa da Sapo e a minha reconhecida inépcia em matéria informática, só neste domingo, ao ser atendida por um verdadeiro profissional – um Luís qualquer coisa super, hiper atencioso e cuidadoso! - consegui finalmente aceder à Internet. Ganha essa batalha, chamei-o e sentei-o ao pé de mim. E lá fui colocando a minha mão em cima da dele para lhe ensinar a movimentar com eficácia o rato. Depois entrámos na explicação de como aceder à Internet e ele, contente, ia-me dizendo que era tudo muito intuitivo. Perguntei-lhe então o que lhe apetecia pesquisar: Barack Obama, respondeu-me e maravilhou-se com os caminhos abertos pelo google. Depois de cansados, que não esgotados, do Mr. yes we can, voltei a fazer-lhe a pergunta: outra coisa que queiras saber? Ah, qual o dia exacto em que o Salazar caiu da cadeira! E lá fomos descobrir que foi no dia 3 de Agosto de 1968. Ficou maravilhado com a rapidez da coisa. E mais? Vamos procurar coisas sobre o Imperador Adriano … E assim estivemos das 19h até às 21h, entre o regresso da visita à minha mãe e a ida para o concerto dos nouvelle vague, a treinar duplos cliques, movimentos suaves com o rato e a brincar às pesquisas. Senti-o de olhos brilhantes e curiosos e achei-lhe graça quando, no telefonema semanal para o meu irmão, lhe explicou que se sentia um miúdo de 6 anos. Aproveitei e contei-lhe que tenho um blogue. Sorriu e perguntou-me o nome. Ao ouvir, gargalhou. Nem o meu próprio pai me leva a sério."

Io: um grande abraço.

"tem cuidado com os carros!"

Ultimamente as bicicletas dos meus filhos começaram a desenvolver uma certa apetência por Mercedes estacionados.
Está o Mercedes descansadinho da vida encostado ao passeio, e vai a bicicleta e - zumbas! - leva-lhe o retrovisor, ou faz-lhe uma amolgadela na porta, ou algo assim.

De modo que a frase com que os despeço de manhã, quando saem nas suas bicicletas para a escola, essa exausta "tem cuidado com os carros!", tendo-se mantido literalmente a mesma, ganhou um significado completamente outro.

***

No fim de semana passada, foi o Matthias.
Tinha estado a jogar pingue-pongue, deu uma queda aparatosa, e vinha para casa cheio de dores no braço, quando se lhe atravessou no caminho um Mercedes estacionado. Dos mais caros.
Não se conseguiu desviar a tempo, zumbas!
Tocou à campainha da casa em frente, num instante descobriu a dona da vítima, juntou-se ali um grupo de adultos à volta do rapazinho. Enquanto esperavam a chegada do Joachim, foi-os entretendo com small talk. Ficaram muito impressionados quando contou que já ia atrasado para fazer o jantar.
É deixarem-nos por aqui mais uns anitos, e esta cidade nunca mais vai ser a mesma.
(especialmente os Mercedes)

09 setembro 2009

como é bom estar viva!

Dois andares abaixo do meu, no apartamento onde estão a fazer obras, uma máquina pegou fogo depois da saída dos operários.
Passei pelas escadas e pensei "que estranho, quem estará a fazer um churrasco a esta hora?"
Por sorte há uma vizinha que sabe distinguir melhor estes cheiros (poderei invocar em minha desculpa uma infecção das vias respiratórias que me anda a atacar há uma semana?) e chamou o encarregado do prédio.
Arrombaram a porta, conseguiram apagar logo o incêndio, e era mais fumo que fogo.
Logo a seguir chegaram os bombeiros: quatro carros, que raramente fazem a coisa por menos.
De momento o fumo enche as escadas e envolve a casa.

E nós estamos agoniados de alívio. O que poderia estar a acontecer neste preciso momento...

veículos bi-híbridos




Os veículos híbridos, movidos a gasolina e electricidade, cujo exemplo mais famoso é o Prius (o automóvel das estrelas de cinema, podem crer, senão perguntem à Cameron Diaz e ao Leonardo DiCaprio), ainda agora se começaram a instalar no mercado e já estão ultrapassados.
Sim, o veículo do futuro terá de ser bi-híbrido: movido a gasolina e electricidade, capaz de andar na terra e na água.

(Caso algum leitor deste blogue perceba alguma coisa de registo de patentes, aqui vai uma perguntinha inocente: pode-se registar uma ideia, ou é necessário apresentar os pormenores de engenharia?)

(A tecnologia dos híbridos foi inventada por engenheiros alemães, há quase meio século. Os projectos foram arrumados numa gaveta qualquer porque se entendeu que o mercado não se interessaria por isso. Vinte anos depois, os japoneses recuperaram a ideia, com o sucesso que se vê. Para que conste que os marketingueiros também se enganam.)

(Parece que em São Paulo está a chover de tal maneira que o dilúvio, o original, o bíblico, ainda vai acabar com complexos de inferioridade.)

novos nichos de mercado

Este blogue inaugura hoje mais um serviço público: a secção "novos nichos de mercado", onde se oferecem ideias quase geniais e, porque a nossa ignorância assim o entende, inovadoras.

08 setembro 2009

academy of sciences




Quando morávamos em San Francisco, a California Academy of Sciences era-nos um destino frequente.
Por volta dos cinco anos dos nossos filhos desenvolvemos uma sensibilidade especial para entender a imponência de um dinossauro à entrada de um museu, o fascínio de um diorama africano, e a solenidade de um mago no planetário, com a sua gravata cheia de planetas, o chapéu cónico e o misterioso manto a esvoaçar sobre o público.
O mago do planetário, que saudades. Contava sempre a mesma história, começando por pedir às crianças que pegassem numa moeda de quarter e obrigando-nos a repetir em coro que a distância da terra à lua é um quarto da distância de não sei onde a não sei quê, e depois ia fazendo variações sobre os planetas, as estrelas, o universo e nós. Num dia em que estava especialmente inspirado, contou a história de um amigo seu, um cientista cujo maior sonho era viajar no espaço, e chegou mesmo a conseguir ser escolhido para uma missão, mas na hora H ficou doente e teve de ceder o lugar a outro. Inconsolável. Bem, conhecem a história do Maomé que não vai à montanha e da montanha que vem a Maomé? Uns anos mais tarde, aquele cientista morreu no mais inacreditável acidente: foi esmagado por um meteorito. Os amigos deixaram na lua sinais dele.
Não sei se é verdadeira, mas é uma óptima história.

Afectado por vários terramotos, tal como o de Young Museum, o edifício foi fechado em 2002 e reconstruído de raiz segundo um projecto de Renzo Piano.
Em termos de arquitectura, genial.
Em termos de museu, fraquinho. Parece ser mais restaurante que museu, e é decididamente caro demais para o que oferece. A torre de quatro andares onde se faz a experiência de um mundo tropical tem uma fila interminável e, vista de fora, não parece ser melhor que a secção correspondente no oceanário de Lisboa; o diorama africano, agora que os meus filhos cresceram, parece um pouco triste.
Em compensação, o aquário é formidável, embora demasiado cheio. E na secção dos pântanos tem o que parece ser uma grande pirosice, um crocodilo branco feito de plástico ou talvez cerâmica, e que é afinal um raríssimo aligátor albino. Se não tivesse visto com estes que a terra etc., não acreditava. Ali estava ele imóvel, e nós tambem, tentando adivinhar de que material seria feito, e eis que de repente o bicho abre a bocarra e começa a espreguiçar as patas. Cuidado com um aligátor albino quando começa a esticar as patas roliças: lembra tanto um bebé, que uma pessoa até se esquece e sente o ímpeto de lhe fazer uma festinha.




O melhor de tudo é o telhado verde do edifício - a cidade rejubila com o telhado-jardim da sua Academy of Sciences, e tanto que eu não tive coragem de lhes contar que não foi o Renzo Piano quem inventou aquele tipo de cobertura para fazer ali pela primeira vez. Que se pode dizer a alguém que apareça feliz por ter inventado a roda?
Concedo: podem não ter inventado a roda, mas em termos de telhado verde inventaram algo para lá das jantes de alumínio.
Só por isso, e pela magnífica cúpula envidraçada do restaurante, vale a pena visitar a Academy of Sciences.

E se um dia lá forem, digam-me depois se no planetário ainda existe aquele mago que contava histórias deste mundo e dos outros.




07 setembro 2009

árvores

Uma pessoa deleita-se a ler blogues como o Sintra, acerca de ou o Dias com Árvores, e transforma-se.
Dá-se conta disso depois, um dia, do outro lado do mundo, porque vê uma árvore e pensa: tenho de contar.

Tenho de contar que, no Golden Gate Park em San Francisco, entre a Academy of Sciences e a estátua de Goethe e Schiller cujo original se encontra em Weimar (já alguém reparou que isto anda tudo em círculos?), há um caminho que leva directamente a uma raríssima prima das famosas redwood californiana e sequóia. Há apenas meio século descobriram nos confins da China (não me perguntem onde porque, para mim, tudo o que está para lá do aeroporto de Pequim já é confins) um pequeno bosque onde crescem estas árvores. Ao contrário das primas, esta tem folha caduca. Deram-lhe o nome de dawn redwood, há-de ter sido um biólogo com veia de poeta. Esta espécie, que existira em abundância no hemisfério norte, considerava-se extinta há eternidades. Mas não: resiste ao tempo num pequeno bosque, algures na China - e começou a invadir parques e jardins como árvore ornamental.
Aqui estão algumas fotos daquele exemplar, para poderem comparar com as árvores no jardim do vizinho.



E por falar em árvores ornamentais dos vizinhos: quando eu tinha um jardim em Weimar recebia imensos catálogos de plantas. As fotografias, na impressão barata, não eram grande coisa; os textos, em compensação, uma delícia: "deixe os seus vizinhos cheios de inveja da abundância e vivacidade dos tons das flores desta sebe"; "ninguém vai ficar indiferente à quantidade incrível de borboletas que a flor deste arbusto atrai"; "transforme o jardim da frente na maior atracção da sua rua"; etc.
Desconfio que os outros habitantes de Weimar também recebiam os catálogos e liam os textos atentamente porque, quando chegava a Primavera, os jardins explodiam num excesso de flores, aromas e cores. Uma licenciosidade biológica pela cidade inteira, um incrível bacanal ao longo das ruas.
Mas não concluam, só por eu estar a falar assim, que aquela história da inveja funciona mesmo...

Voltando a San Francisco: no Golden Gate Park haverá mais uma ou duas árvores dignas de referência, mas só me falaram desta.
(é bem verdade que é mais difícil apanhar um coxo que um ignorante botânico a armar-se que sabe fazer posts sobre árvores.)
Contudo, mesmo para os mais ignorantes, este parque merece bem um dia inteiro da estadia em San Francisco. Não apenas pela sua área mais famosa, o núcleo do de Young Museum, da Academy of Sciences e do Conservatory of Flowers. O Jardim Japonês, ali perto, é um lugar mágico. Dizem que a cerimónia do chá que fazem regularmente no pavilhão é algo muito especial - mas isso não sei. É que a frase foi dita em americano, e eu tenho alguns problemas com os adjectivos americanos.
Logo a seguir vem o Stow Lake
(nem se nota que é artificial)
(aliás: todo o parque é artificial, os lagos, a cascata, tudo; há pouco mais de 100 anos não passava de um descampado arenoso)
(de onde se tira uma conclusão: para ter um parque bonito na cidade, basta fazê-lo e esperar 100 anos, muito simples),
mais à frente encontra-se outro oásis, um moinho holandês verdadeiro rodeado por tulipas mesmo em frente ao mar.
Já fora do parque, perto do jardim japonês e do AIDS Memorial Grove, existe ainda um lugar incontornável para quem gosta disto: o Strybing Harboretum.
Bem, o melhor é planear dois dias para passear por aqui. Ou dois anos de férias.
(É que, quanto mais tempo tiverem, maior é a probabilidade de poderem assistir a uma festa no parque, ou a uma palestra num larguinho do harboretum, por exemplo uma índia a explicar como é que os seus antepassados usavam as plantas da Bay Area)


Para terminar, mais uma árvore. Esta encontra-se na encosta sul do Golden Gate.
(Para quem não sabe: Golden Gate é o estreito entre o mar e a baía, e chama-se "golden" porque era essa a entrada para a região do ouro naquela febre que lhes deu a partir de 1848)
(Outro dia conto o azar do John Sutter, em cuja terra apareceu o ouro, e que por causa disso ficou pobre)

Esta árvore foi descoberta pela Christina, que a fotografou. Assim vergastada pelo vento, na encosta por onde entram massas imponentes de nevoeiro, lembra-me o espelho de Alice.


E não me ocorrem mais parênteses.

03 setembro 2009

"hilstória"

A palavra vem neste post do blog "nosso clube do livro", onde se conta como nasceu a parceria entre Hilda Hilst e Zeca Baleiro que deu origem à "Ode descontínua e remota para flauta e oboé" - e onde se explica que "não é música para ambiente, e muito menos para rádio. É música para ler."

Andei pelo youtube à procura (vão, que encontram), e dei também com isto:



De repente, ocorre-me Sophia:

Gosto de ouvir o português do Brasil
Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como frutos nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra em suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal
Quando Helena Lanari dizia o “coqueiro”
O coqueiro ficava muito mais vegetal

o "segunda língua" voltou de férias...

...ainda melhor do que partiu.
Enfim, é uma maneira de dizer. Haverá superlativo para "sublime por default"?
Aqui: kartoffelsalat.

Maria N.: bem-vinda! se tiveres tempo, vai ler isto: Caderno de Palermo.
Acho que vais gostar.
(Descobri na Snowgaze, que descobriu na Origem das Espécies, que descobriu na Pastoral Portuguesa)
(Os blogues parecem aquela canção do Chico: Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo ...)

“lembra-te de que és pó e para o pó voltarás”

Estou desde segunda-feira completamente KO por causa de um vírus.
Uma das desvantagens de envelhecer (enfim, de ir ficando mais velha) é que estas coisas demoram cada vez mais tempo a passar. Que saudades da minha juventude, quando a gripe durava um dia!

Por causa das coisas, o Joachim perguntou-me onde quero ser sepultada. Porque nunca se sabe (oinc oinc, e assim).

Sim, boa pergunta: o que farão com o que sobrar de mim?
Não é que isso me preocupe muito - quem vier atrás que feche a porta. A única coisa que não me dava jeito era transformarem as minhas cinzas num diamante, já estou a imaginar os lamentos dos descendentes, "eu que tanto queria herdar a avó!" e "ai que desgraça, assaltaram a nossa casa e roubaram a avó!"

Dantes, quando as famílias ficavam num lugar por séculos e séculos, era fácil. Mas a minha família não fica em lugar algum nem sequer por meia década, quanto mais por séculos. Em que continente é que os meus filhos irão viver? Que ligação a Portugal lhes sobrará quando eu não estiver mais aqui? Admito que o Matthias continuará a fazer pastéis de nata nem que viva na Austrália, mas será que irá a Portugal? Em que cidade da Alemanha lançarão raízes?

Quanto mais penso nisso, mais me parece que - atenção, estou aqui a desvendar um nicho de mercado! - o ideal seria criar cemitérios globais em lugares de peregrinação. Fátima, Taizé.
Ou a Eurodisney, pronto.

No meu caso, estou indecisa. Se é para escolher um lugar ao qual a minha família regressa periodicamente e onde pode ancorar a memória, digamos assim, então hesito entre Taizé e algures na proximidade da autêntica fábrica de pastéis de Belém.

02 setembro 2009

apontamentos de viagem: interacting

No Golden Gate Park há uma pista de patinagem que assistiu à mais vertiginosa carreira de inline skater de que há memória: a minha. Ascensão e queda em 3 exactos segundos, que foi o intervalo de tempo entre pôr os patins e começar a gritar TIREM-ME ISTO DOS PÉS!!!
Mas isso são histórias de outra época. Hoje nem me dava ao trabalho de experimentar os patins.

Passámos por lá. Havia música, e um par a dançar. Não eram propriamente profissionais, mas era bonito de ver o prazer e a alegria com que experimentavam novos movimentos.

O amigo americano com quem estávamos comentou:
- Quando eu era criança, isto bastaria para aquele homem ser linchado.
- Isto, o quê?
- Um preto a interagir com uma branca.

apontamentos de viagem - de Young Memorial Museum (San Francisco)




O novo museu de Young é fascinante. Construído em 2004 para substituir o edifício anterior, que foi muito abalado pelo terramoto de Loma Prieta, é uma bela surpresa no meio do Golden Gate Park. Enquanto passeava pelo parque e pelo telhado da Academy of Sciences, mesmo em frente, não conseguia deixar de admirar os perfis diversos da torre em rotação sobre si própria, o ritmo das perfurações na fachada, ou o processo de mudança das cores no cobre - que confunde cada vez melhor o edifício com o seu parque.

Numa das entradas, um pormenor desconcertante: uma obra de arte de Andy Goldsworthy, a quem pediram algo que relacionasse o edifício com a cidade. Com quem eles se foram meter... O artista agarrou numa serra eléctrica, e avançou pelo pátio novinho em folha, abrindo uma fractura em ziguezague nas belas placas de pedra do chão, continuando pelos blocos enormes ali dispostos. A cidade deitou as mãos à cabeça, "ai o nosso rico museu!" - mas que outra coisa poderia a San Francisco dos terramotos esperar deste especialista do efémero?

Não é preciso pagar bilhete para subir à torre, de onde se tem uma magnífica vista da cidade, ou para passear nos jardins cheios de esculturas. Também se pode entrar livremente no café e restaurante, e apreciar a sua famosa oferta gastronómica.
Atenção, que esta informação é muito importante para os turistas de San Francisco: no restaurante do museu de Young encontram a melhor relação qualidade/preço de toda a cidade. E não é só a comida, delicioso resultado de muita criatividade e inovação no campo culinário - é também a preocupação ecológica na escolha dos ingredientes: produtos sazonais, de produção biológica, da região. Recomendo vivamente.

A exposição de Tutankamon no de Young deixou-nos muito desapontados. Logo à entrada, juntam os visitantes numa sala escurecida, em frente a uma imitação das portas grosseiras que em 1922 protegiam o túmulo. Música, suspense, suspense. Um vídeo sugere que vamos entrar num sítio especial (como se eu não soubesse, caramba! como se eu já me tivesse esquecido do preço dos bilhetes...). Mais uns efeitos de luzes, e as portas começam a abrir lentamente. Por momentos imaginei que me teria enganado no lugar: em vez de um museu, a Disneylândia.
Os objectos expostos eram interessantes e belíssimos, mas algo me diz que no Cairo ninguém sentiu a falta de alguma peça trazida para esta exposição. Contava com muito mais. As crianças que andavam pela exposição também contavam com mais, fartavam-se de perguntar pelas múmias. Ora então, à atenção de quem queira organizar exposições sobre túmulos egípcios: não se esqueçam de incluir uma múmia qualquer, nem que seja de um gato. Os pais agradecem.
Apesar de tudo, aprendi algo muito interessante: os egípcios retiravam os orgãos aos cadáveres, guardavam alguns deles em caixas separadas do corpo, e deitavam fora o cérebro.
Prefiro não tirar conclusões.