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03 maio 2025

agora e na hora da nossa morte

Esta manhã, encontrei por acaso estes dois textos na Enciclopédia Ilustrada. Os escritores José Cardoso Pires e Maria Cecília Correia falam sobre a morte. Partilho-os apenas porque tenho a certeza de que vão acrescentar algo aos leitores deste blogue. (Mas não se preocupem comigo, está tudo bem! :) )


1.


Esta imagem, que partilho apesar da péssima qualidade da fotografia, é um apontamento que José Cardoso Pires escreveu a 2 de #Outubro de 1997. Viria a morrer em finais de Outubro do ano seguinte.
Encontrei-o na estante da sua filha Ana, e fui tocada pela naturalidade com que aceita o seu próprio Outono, e a força da alegria que se revela na última frase.
Enquanto há pargo, há esperança...

"2 Outubro 97
Fui até à varanda e nesta manhã de sol e de verão vejo a grande nespereira do quintal podada corajosamente para ganhar juventude para o ano que vem.
Para o ano que vem já cá não estarei - espero. E sonho com um acabar tranquilo e natural da folha que se desprende da nespereira e se faz estrume.
Entretanto, este outono está a ser admirável e eu continuo a viver por mim mesmo do nada que escrevo, sem ajudas dos ministérios nem dos lobbies dos mundanos da intelligentzia.
Feitas as contas, tudo bem. E amanhã, 6ª feira, espera-me uma boa posta de pargo cozido na Marítima de Xabregas."



2.

“Morrer deveria ser, pelo menos para mim, com este sentimento de ter feito as pazes com a Vida. Com a doçura de minutos serenos e contínuos, com um toque dessa doçura na minha pele interior como espécie de chuva-poeira que só pode ser ternura. Morrer deveria ser sem angústia, sem desespero, numa sequência de este usufruir de uma graça especial e gratuita que nos reveste às vezes sem que saibamos porquê. Não é a exultação, não é a posse plena dos bens que nos toca em certos dias. É isto que atrás disse: estar em paz com a Vida. Ela não magoa, não fere, não interroga (ou não interrogamos). Somos docemente amigas, ombro a ombro, mão a mão, caminhando em completo entendimento, em perfeita união, sem cantar ou antes: cantando baixo a mesma canção. E assim nos deveríamos despedir dela, sem saudade, sem remorsos de não termos sido isto ou aquilo.
E depois… Depois, o que mais desejava era entrar em Deus como entro na água verde de Galapos: liberta, calma, feliz, entregando-me totalmente sem que nada em mim se retraia, num abraço pleno a quem me abraça também.
A fusão consentida, procurada até! “
Maria Cecília Correia – “Presença Viva”, Edição do Secretariado Diocesano da Pastoral das Vocações.
Nota: este texto foi lido no seu velório e, posteriormente, em todos os de quem foi falecendo na família.

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Enquanto escrevo, o youtube vai saltitando de peça em peça. Não sei se é inteligência artificial, ou o algoritmo, ou Deus, ou o universo, mas as suas escolhas aleatórias começaram com o Lamento de Dido e agora vão nos Impromptus de Schubert - a música a que me agarrei para não soçobrar no filme "Amor" de Haneke. Estará tudo ligado?







20 novembro 2024

coisas da minha vida

 

Coisas da minha vida:
Ontem à noite combinei com o meu cinema mais favorito do mundo que lhes tentava arranjar um filme com o respectivo realizador para uma sessão especial na primeira semana de Dezembro.
O director do cinema estava um bocadinho céptico, mas eu acho que a esperança é a última a morrer.
Esta manhã, telefonei para uma das produtoras, na França. Disse ao que ia, e que antes de mais era preciso saber se o realizador estava disponível.
- Bem, não precisamos de falar mais - foi a resposta. - O realizador já tem uma certa idade, e está muito ocupado com outro projecto. Não tem hipótese nenhuma!
- Bem, sendo assim... - disse eu, e desliguei.
Trinta segundos depois voltei a ligar.
- Estive a pensar no caso, e estou a ligar de novo porque se calhar ainda me conseguem fazer um milagre.
Risos do outro lado.
- O importante é não perder nunca a fé! - afirmaram com convicção divertida.
Ri-me com eles.
Daí a nada estavam a dar-me o contacto do realizador.
Liguei ao realizador. Não vou contar o que lhe disse, porque o segredo é a alma do negócio, mas também lhe pedi um milagre, além de lhe pedir para falar mais devagar "porque entendo melhor o meu francês que o seu", e coisas assim. Em todo o caso: desligou o telefone muito bem disposto, e a dizer que vai perguntar à companheira, e que me liga antes da hora do almoço.
Agora estou com um problema grave: hoje chegam duas encomendas do correio e ainda não me fui arranjar, e também não vou porque tenho de ficar sentadinha ao lado do meu telemóvel, à espera de um milagre que me deve chegar de França ainda antes do almoço.

27 junho 2024

ser feliz todos os dias

Esta manhã, o facebook lembrou-me algo que escrevi há uns anos (é o que faz todas as manhãs, na realidade). A vantagem de usar o facebook para fazer apontamentos do que nos corre bem é que depois, todas as manhãs, o facebook nos lembra que faz hoje um ano estava a ser feliz, faz hoje dois anos estava a ser feliz, faz hoje três anos estava a ser feliz...
Há sete anos, estava a ser feliz da maneira que se segue.

Post mete-nojo:

Está uma pessoa ao computador descansadinha da vida, a arrancar os cabelos enquanto luta contra o atraso (esta semana vai ser assim) e recebe uma mensagem a dizer isto:
Hi guys, I hear from my brother that you are planning a visit. Don't forget to include a few days at our coastal apartment. We are looking forward to seeing you both.
O "coastal apartment" é em Santa Cruz, em frente ao Pacífico. Já estou outra vez com stress de tempo livre: eclipse solar em Oregon, Avenue of the Giants, San Francisco, acampar junto à Highway nr. 1, e agora Santa Cruz.

Há que ser forte, e manter o sangue-frio.

05 maio 2023

ando muito caladinha por aqui

 

Peço desculpa aos dois leitores deste blogue pelas minhas reiteradas ausências. Ora por causa disto, ora por causa daquilo, ele é o concerto do meu coro daqui a poucas semanas, ele são os morangos a precisar de estrume, ele são as traduções que também não se fazem sozinhas (agora que falo nisso: se no caso de alguns textos dava jeito, no caso do livro actual quero ser mesmo eu a fazer - é tão bom que é realmente um prazer traduzir cada uma das suas frases). E ele são textos que vou escrevendo para a concorrência.

Por exemplo: a Fluir. Acabou de sair o novo número, de tema "Som". Convidaram-me para participar, imagino que estariam a pensar que eu falaria, sei lá, no som perfeito da Filarmonia de Berlim - mas é só porque não me conhecem. Coitados.

Temo que esta seja, portanto e provavelmente, a minha última contribuição para a Fluir. Que na primeira quem quer cai (Fluir nº 2), na segunda (Fluir nº 11) cai quem quer, mas na terceira - ai, parece que me esqueci da terceira frase desta piadinha...

Brincadeiras à parte: aqui deixo um abraço para o José Pacheco, pela sua imensa paciência.

Também tenho andado a escrever um diário bretão em forma de folhetim na Almanaque. As más-línguas do facebook dizem que já contei aquilo tudo, mas eu e o meu Alzheimer fincamos pé e anunciamos ao mundo que não, não senhores, nem pensar: é tudo tão novo que até parece acabadinho de inventar.

Está, como não podia deixar de ser, na secção "Boa Vida" da Almanaque. Para as secções de cultura, ciência, filosofia, literatura, desporto, política, sociedade e outros assuntos sérios: contrataram quem sabe. E há lá gente que sabe muito! É uma revista que dá gosto.

Como ia dizendo, só para verem o que eu sofro: ainda agora acabei o capítulo mais recente da Boa Vida, e tenho de me despachar para o jardim, para ir tratar das roseiras e dos morangos, regar a quintinha, fazer a mala a correr e partir para o fim-de-semana do coro, etc. Que é como quem diz: depois da Boa Vida, a boa vida. Parece-me que isto não é uma queixa...

Só que, por estas e por outras, acabo a fazer-me mais rara por aqui. É a (boa) vida!


21 abril 2023

uma Páscoa feliz (2)

 





A ilha recebeu-nos com uma lua baixa, enorme, brilhante, magnífica. 
Fotografei do carro, como pude, pensando que faltavam apenas 3 km para chegar e que teria então todo o tempo do mundo para captar aquela magia.

Só que, depois da chegada, foi descarregar o carro, foi jantar, foi conversar com os amigos... e esqueci-me da lua. 

Quando fomos dar a voltinha do Fox, nem me lembrei do telemóvel. 

Sabem o Tântalo? Sou eu: a caminhar ao longo da costa, a ver - encantada! - o caminho dourado daquela lua sobre o mar, o céu cheio de estrelas, tudo perfeito, e eu sem ter como fotografar. 

Mas não me preocupei muito. Disse-me que estas pequenas férias da Páscoa vinham com mais alguns passeios nocturnos do Fox, e que teria sempre comigo o telemóvel e a câmara fotográfica. 

Os passeios nocturnos dos dias seguintes foram todos lindos, excepto... 
... a lua ter faltado ao encontro.  







E no último passeio - essa teve graça! -, apagaram a iluminação pública às onze da noite. Poupanças.
O que me lembrou uma frase que se ouve muito na Alemanha: "quem quiser aprender a poupar, olhe para os ricos". 

Por sorte tinha o telemóvel (o tal que devia fotografar a lua) para me iluminar o regresso. 
E não perder o Fox pelo caminho.  


19 abril 2023

uma Páscoa feliz


Aproveitámos os dois feriados à volta do domingo de Páscoa para visitar amigos num pequeno paraíso ali para os lados do mar Báltico. A Dinamarca: aqui tão perto, mas por vários motivos fora das nossas rotas habituais (a Polónia é outro caso, ainda mais flagrante: começa a 80 km de Berlim, mas nunca lá vamos).

Como ia dizendo: agarrámos no Fox, metemos as tralhas na carripaninha, e abalámos em direcção ao Pólo Norte. Perto de Fredericia, virámos à direita e atravessámos uma ponte que liga o continente à Fiónia. Uns dias depois, teriam a delicadeza de me informar que na Dinamarca não há rios. Ou seja (concluí eu): quando se atravessa uma ponte sobre a água, é provável que se esteja a chegar a uma ilha. No nosso caminho havia duas pontes, o que me fez sentir que saltitámos de ilha em ilha, passe o exagero, até chegar ao destino.   

E que destino!
Começo pelo mais importante para os leitores deste blogue: o Fox adorou. E não era motivo para menos. 
Nós também tivemos dias especiais com aquelas pessoas, aquelas conversas, aquelas paisagens. 

Além disso, milagre dos milagres: na Dinamarca, não é preciso falar dinamarquês. Todos falam português. A sério! Pelo menos os dinamarqueses que lá encontrámos, falavam. Quase todos. 




Tivemos uma Páscoa feita de confiança: na aldeia onde estávamos, os vizinhos expõem junto à rua as coisas que querem vender. Trabalhos de olaria, coroas de Páscoa ou arranjos com comida para pássaros - ali estava tudo, disponível para quem passava. Pronto a levar - e a pagar. 

Fez-me pensar que é muito agradável viver num lugar onde as pessoas confiam umas nas outras, e que, para ser assim, é preciso que todas cumpram as regras; mas para ser exactamente o contrário, ou seja, para vivermos num sítio onde todos desconfiam do mundo, basta que meia dúzia de espertalhões abusem da confiança dos outros. 

A fragilidade do paraíso.  




Uma Páscoa feita de alegria: o céu azul, a luz, a festa das cores, os ovos pendurados em arbustos junto às casas, as coroas nas portas. O mar sempre por perto.






Uma Páscoa feita de regressos. E de pessoas a saborear, felizes, o despertar da natureza depois do longo inverno. 




Só uma coisa me deixou perplexa: do livro O Cavaleiro da Dinamarca, da Sophia, só me lembro das florestas cobertas de neve com abetos verdes. Ando há 50 anos a pensar que a Dinamarca é uma imensa floresta. E não é, não foi isso o que vi. Regressei ao livro, para tentar entender onde nascera essa minha impressão, e correu mal: logo no primeiro parágrafo, fala nos rios gelados da Dinamarca. Ooops...

(E agora, senhores editores? Nas próximas edições: omitem as referências aos rios, acrescentam uma errata ou nota de pé de página, ou continuam a enganar as criancinhas?) (Ou então: trocam o nome do livro, fica O Cavaleiro da Suíça, e pronto.) (Ai! O Carmo e a Trindade a virem abaixo em três... dois... um...)


ADENDA: Um leitor atento rebateu a teoria de não haver rios na Dinamarca. Parece que há - e a wikipedia até tem uma lista de rios dinamarqueses. Afinal, a culpa é - como de costume - do tradutor. Na Dinamarca, ninguém chama "rio" aos cursos de água que lá há. "Rio" é palavra que só aplicam para dimensões maiores. Como o rio Reno.  Mas fui ver fotografias do Gudenå - e é bem maior que muitos rios portugueses. 
Em suma: desarrisquem aquela história das pontes, é fake news. E podem deixar o Cavaleiro da Dinamarca como está, que escrito em português está muito bem. Só é preciso ter cuidado com a tradução para dinamarquês.


17 novembro 2022

já cá cantam

 


59 anos a inscrever-me fugazmente na luz da paisagem.





Deito contas à vida: já só faltam cinco para saber como será when I'm sixty four.

Quer-me parecer que com a velhice me vai acontecer como com a meia-idade: avançará sempre ao meu ritmo, sempre cinco ou dez anos à frente de mim. Até ao dia em que, em plena correria desenfreada, um travão dentro de mim me segredará: "não corras assim para o autocarro, porque na tua idade já parece mal. Que dirão os outros?"


[ Gosto tanto destas fotografias que pensei guardá-las para um aniversário redondo. Era só mais um anito, um instante. Mas sabemos lá o que nos espera, sabe-se lá se o PC tem um crash e leva as imagens todas com ele... Em suma: não deixes para amanhã. Cada vez menos. ]


18 agosto 2022

brinquedo novo


 

Pergunto-me para que tenho eu um blogue, se já estou com duas férias em atraso para contar (e é melhor nem falar na série EUA 2009, que parou antes dos fabulosos capítulos de Antelope Canyon, do passeio de raparigas a Las Vegas enquanto os rapazes atravessavam o Grand Canyon a pé, e de Bryce Canyon).

As férias de maio passado foram impecáveis, e as de julho melhor ainda. O problema - será que aos outros também acontece o mesmo? - é que quando volto de férias mergulho numa maratona de trabalho que me deixa exausta e pronta para as férias seguintes, a que por sua vez se segue uma maratona de trabalho que...

Pois bem: no fim-de-semana passado o Joachim conseguiu arrancar-me ao computador por umas horas, para me levar a arejar num dos lagos que há à volta de Berlim. Fizemos stand up paddle (o nosso brinquedo novo), fomos beber uma cervejinha na esplanada da terra, mesmo ao lado do rio Havel (era para ser só uma cervejinha, mas os bolos eram tão bons que vamos a isto, e depois mais a salsicha que não podia faltar, e era tudo delicioso e tudo fazia tanto sentido que até me lembrei daquela vez que, no fim das férias, fui devolver uma balança à IKEA porque só podia estar avariada).

De bem com a vida, voltámos para a água e ali ficámos enquanto o dia se entregava serenamente à noite. Mas depois começou a chover, a chover a sério, e fizemos como os três porquinhos: fomos abrigar-nos numa casa sólida, porque nunca se sabe. Voltámos para Berlim, em vez de dormir ali, entre o Havel e o lago Grabow, debaixo das árvores altíssimas.

Depois regressei à minha maratona. E só agora partilho aqui as fotografias. Tinha um filme fantástico, eu autêntica Vitória da Samotrácia, pelo menos, a deslizar com garbo pela paisagem, mas o problema é que descobri recentemente que tenho de aumentar 12 cm para o meu IMC bater certo. Como ainda não descobri um app que me aumente 12 cm nos filmes, pois bem, meus amigos, ficamos assim.








As duas fotos que se seguem eram do tipo "à sua esquerda vêem... e agora, se olharem para a direita..." - com a particularidade de nenhum de nós ter caído à água enquanto eu fazia estas acrobacias.



Finalmente: o repouso do guerreiro. Depois de ter nadado 2 km, dado umas voltinhas sozinho na prancha, e mais dois 2 km a fazer de gondoliere para esta vossa servidora fotografar no meio do lago.




17 novembro 2021

58

 

Esta manhã acordei e pensei:
"58 anos. Se calhar já começavas a ganhar juízo..."
E logo a seguir:
"Naaa... não saberia ser de outra forma, portanto continua como está, que é como sei ser."
Atão vá. Cá vamos nós.

É bom andar por aqui.


03 junho 2021

e o vosso dia: também começou assim bem?


Esta manhã, dia de letra J na Enciclopédia Ilustrada, descobri que a palavra "jacarandá" ainda não foi um tema proposto.
Jacarandá! Já ganhei o dia.

A seguir recebi uma mensagem da Filarmonia, a dizer que tinham decidido abrir uma excepção para mim, e trocar a data de uns bilhetes que tinha comprado há dias, para descobrir pouco depois que afinal nessa data não posso ir (os bilhetes agora são nominais, não há como os passar a algum amigo). Bem sei que esta decisão pode ter algo a ver com a minha espertalhice de fazer o pedido como resposta a um email antigo, onde desistia de ser reembolsada do preço dos bilhetes de concertos cancelados, mas essas questões do Karma com telecomando não interessam agora.

Espero que o vosso dia também tenha começado igualmente bem.


31 março 2021

a cidade a bem-querer



1.
Entrei no autocarro, descobri que não tinha bilhetes e fui comprar um ao condutor.
- Minha senhora, há mais de um ano que não vendemos bilhetes no autocarro.
- Ai! Então deixa-me ir sem bilhete até à próxima paragem com automático?
- Com certeza.
Saí na tal paragem. O ecrã da máquina apanhava o sol em cheio, não dava para ver nada. Comecei a tentar fazer sombra com a mão para escolher o bilhete que queria, e às tantas ouvi uma voz:
- Se eu me puser assim aqui, tem a sombra de que precisa?
Era uma senhora que viu a minha atrapalhação e veio logo ajudar.
Depois não se admirem por eu andar de cara alegre nesta minha vida.

2.
Mais adiante, o autocarro que me interessava passou por mim, mas a paragem era demasiado longe para tentar apanhá-lo. Contudo, o autocarro ficou tanto tempo parado que ganhei ousadia e apressei-me ligeiramente nos últimos dez metros. Quando estava a chegar à porta de trás, ele arrancou. Não me chateei. Afinal de contas, já estava parado há demasiado tempo.
Logo a seguir o autocarro parou porque o semáforo estava vermelho, e o condutor abriu a porta para eu entrar.
(Será que tenho algo escrito na testa?)

3. Cheguei ao Consulado à hora a que estava quase a fechar. Toquei à campainha, e o funcionário avisou-me logo que não sabia se me ia poder atender. Daí a bocado veio buscar a senhora que estava antes de mim, e avisou de novo: "está a ficar tarde". A que entretanto tinha saído deu-me uma piscadela de olho, "não se preocupe, ele vai atendê-la". Atendeu. Voltei para casa com o meu CC novinho em folha (e a fotografia ficou muito melhor que a de há 10 anos - é uma sorte o CC não ser vitalício, não queria nada andar com a foto de há 10 anos agarrada a mim até que a morte nos separe).

4. Quase a chegar a casa, e por já estar com a mão na massa (quer dizer: com os sapatos da rua calçados) resolvi fazer um desvio pelo lago. Estava cheio de nudistas a gozar o belo dia de sol que se pôs hoje. Passaredo, isso é que quase nenhum. Dois cisnes, um galeirão. Mas no tronco onde habitualmente há uma garça encontrei três tartarugas (há quantos anos não as via neste lago!) a aproveitar o sol como os nudistas. Perto de mim, duas crianças esperavam que a sua acompanhante acabasse o telefonema. Disse-lhes: "viram ali as tartarugas?" O rapazinho respondeu: "vimos. E tu hoje escolheste uma roupa muito bonita!" (garanto que não, mas pronto)

Conclusão. Um dia que precisem de sentir que toda a cidade vos quer bem, apanhem o autocarro e vão ao consulado de Portugal. Eu, para falar verdade, não precisava. Mas foi muito bom na mesma.
🙂


25 fevereiro 2021

não há condições

 


Ontem fui passear na floresta outra vez. Mas estava com uma amiga que não me deixava tirar muitas fotografias. Foram apenas 320...

Bem queria desbastar os vários milhares de imagens que Fevereiro me tem dado, mas quase todos os dias o sol me chama para sair de novo com a máquina fotográfica.

Hoje, por exemplo: agarrem-me, que...









02 junho 2020

um ano de dias bons

Há muito, muito tempo comprei na Gulbenkian uma bela agenda que tinha um bloco com várias linhas para cada dia do ano, mas não explicitava nem o ano nem os dias da semana. Não sei porque a fizeram assim, mas deu-me imenso jeito: sempre que tinha um dia bom, apontava. Por exemplo: no dia 30 de Março, o primeiro sorriso que o meu sobrinho Guilherme me ofereceu. Ou no dia 2 de Fevereiro - os gritos de alegria da Christina, com dois anos, a deslizar comigo sobre um trenó na encosta pequenina junto ao jardim infantil dela.
Se tivesse perseverado a apontar momentos destes, ao fim de alguns anos teria um livro com um ano inteiro de dias bons. Mas - infelizmente! - em algum momento descontinuei o projecto. 

A minha sorte é que existe o facebook, que todos os dias me mostra o que publiquei nesse dia nos anos anteriores. E que belas colecções lá tenho! Ao contrário da agenda, tem menos momentos pessoais dignos de nota, mas é uma alegria ainda maior voltar a esses momentos: sinais de um mundo rico e variado, cheio de seres humanos bons e de bons amigos. 

Hoje, por exemplo, estava assim:

1. 2 de Junho de 2019
Humans of New York 
“Usually people only keep the job for one year. Either it’s a calling or you quit. The pay is not good. Less than $1000 a month. And it’s very physical. I’m supposed to dress, shower, and feed twelve seniors in 2.5 hours. The schedule is so tight because it’s a business. It can seem like the residents are boxes to be moved around. But they’re not boxes. They’re people. I don’t think their families think about them. They put them in a home and assume they’re safe, and well fed, and taken care of. But they’re all sad. They’re numb. Every day is the same thing. When I first started working there, they wouldn’t really cooperate. They just let me grab them without any participation. But I’d always talk to them. Ask them questions. Joke with them. Then one morning I had a fight at home, and was in a bad mood, so I worked in silence. And all the seniors who had been so quiet-- began to ask me what was wrong. That’s when I first realized how much they valued the attention I was giving them. It’s been fifteen years now. I have a lot of friends there. But I’m forty-three already. Recently I had surgery. I’m not sure how many more years I’ll be able to do it. But I try not to think about what will happen when I leave.” 
(Madrid, Spain) 


2. 2 de Junho de 2018
Uma foto com a legenda "o país real", oferecida a mim e a outra amiga com quem volta e meia troco cromos de estendais da roupa. Este era um daqueles momentos que cabiam bem na minha agenda da Gulbenkian: sentir, neste gesto da amiga que tira a foto e a publica com dedicatória, que sou "olhada amada e conhecida". 



3. 2 de Junho de 2018
Um anúncio para a comunidade portuguesa em Berlim: "A grande sardinhada do 10 de Junho em Berlim esta ano vai ser no 18 de Junho. Um pouco mais tarde: para dar tempo às sardinhas de ficarem mais gordas."


4. 2 de Junho de 2017 - com um apontamento meu: "estou dividida entre querer adoptar esta miúda, ou querer que ela me adopte a mim."

Humans of New York 
“I don’t think I’m going to miss eighth grade. It’s been a tough year. A lot of my friends are struggling with depression and self-harm, and it’s hard for me to watch. I just care about them so much. Growing up is so hard for some people. It’s such a big thing. It’s your foundation, I guess. You’re becoming you. It’s such a big thing and we’re going through it right now. Some of my friends are struggling with loving themselves and loving life. I think they forget that we’re still learning. They think that they’re already who they’re going to be. They think they know the future. And it’s going to be horrible. And they’ll never be able to fix it. But that’s not true because we’re still changing. And we’ll always be changing. Even when we’re old, we’ll be changing.”


5. 2 de Junho de 2013



6. 2 de Junho de 2013


"Todos somos génios. Mas se avalias um peixe em função da sua capacidade para subir a uma árvore, vai passar toda a vida a pensar que é estúpido." Albert Einstein



7. 2 de Junho de 2012




Inventem-se novas regras do jogo...


8. Um momento de outra data, mas vinha na colecção de hoje, e ficaria mesmo bem na minha agenda:  
31 de Maio de 2016
Este domingo os meus filhos mudaram de casa: o Matthias saiu, a Christina regressou. 
Aos 19 e 21 anos, ninguém precisa dos pais para quase nada. Trataram sozinhos de tudo, inclusivamente de alugar uma carrinha de mudanças. Eu fiz uma salada de cuscuz suficiente para um regimento inteiro e o bolo de aniversário para a Christina, que fez anos ontem, e fui levar umas coisas do Matthias à casa dele. No caminho cruzámo-nos com a carrinha das mudanças, abrimos as janelas, olá! olá! até já! Quando regressámos, uma hora mais tarde, a carrinha já estava vazia, os móveis espalhados pelos lugares que lhes competiam, e o pessoal estendido no terraço a comer cuscuz e restos do frigorífico, e a beber cerveja. Depois arrumaram tudo, agarraram nas coisas deles, disseram onde estava o que o pai tinha de levar no carro, e foram para aquela sauna louca no centro da cidade grelhar salsichas e festejar até entrarem no aniversário da Christina. Eu fui para a recepção na Embaixada. 

Nunca vi nada disto: duas mudanças no mesmo dia, sem o menor alarde, sem qualquer nervosismo. Tudo pronto a horas, com toda a calma. Não sei como é que os meus filhos conseguem. Das duas, uma: ou são os genes alemães, ou então passaram a infância toda a observar-me atentamente e a decidir como não querem ser.