2 Dedos de Conversa
... sobre o que nos desaquieta
12 julho 2024
você comprava um carro a este homem?
11 julho 2024
mais uma viagem (3)
mais uma viagem (2)
- Antígua, Antígua!
mais uma viagem (1)
Lembra-me o facebook que há 3 anos estava a passar uns dias lindos na viagem entre a Alemanha e Portugal. Copio para aqui esses posts, e até - caso seja útil - alguns comentários. Começou com a Bretanha, na nossa carrocinha. Levá-la a ver o sítio onde o Joachim a sonhou pela primeira vez: "ah, ter um camper e dormir neste promontório junto ao mar, descer a falésia para dar um mergulho em praias quase desertas..." Depois, Toulouse. E é aqui que o facebook tem andado a lembrar-me lugares onde já fui feliz. Esta publicação, por exemplo:
A primeira coisa que disse em Toulouse foi uma interjeição pouco polida. É que estava fresquito e reparei que tinha trazido por engano um casaco azul marinho para um vestido preto. Já vi essa combinação de cores ao Viotti na Gulbenkian, mas eu não sou o Viotti. A segunda coisa que disse foi uma interjeição mais inócua, seguida de um „vou-me desgraçar“. Estava numa loja de BD grande como tudo. Só não me desgracei logo ali porque era no princípio do dia e eu não sou tola a ponto de comprar vários kg de livros antes de ir passar um dia inteiro a passear numa cidade. Mas não perdi pela demora...
(Por sorte a carrocinha é grande)
08 julho 2024
14 juillet
06 julho 2024
mas isto sou eu
05 julho 2024
relatório à margem do campeonato europeu
Só cheguei ao primeiro jogo de Portugal quando já ia a meio. Estava morno, mas mal cheguei os portugueses começaram a jogar a sério.
Não assisti ao da Geórgia, se calhar devia ter assistido. 2-0, os antipáticos! Apesar de tudo, não me pareceu bem que a UE logo no dia seguinte tenha congelado o processo de adesão da Geórgia. (Escusam de responder a sério, que eu bem sei que estou a brincar, OK?) (E foi lindo o Kvaratskhelia ter interrompido a celebração da vitória para dar um abraço ao Ronaldo) (Claro que escrevi o nome do Kvaratskhelia com copy & paste, não pensem)
A seguir, fartei-me de rir com isto:
Entretanto, os escoceses foram para casa e deixaram muitas saudades na Alemanha. Os holandeses também têm muita graça. E, de um modo geral, comenta-se que o ambiente é muito melhor na Alemanha do que foi no Qatar. Pudera! Aqui não é proibido beber cerveja nem parece mal andar com um grãozinho na asa ao fim do dia.
(Se calhar já revia as minhas prioridades na vida...)
Até que chegou o fatídico jogo Portugal x Eslovénia. Dei comigo a torcer para que o Ronaldo acertasse com o penalti. Nem era para ganharmos, era mesmo só por causa do Ronaldo.
À hora a que escrevo, a Alemanha já foi excluída. Não é por nada, mas parece-me que os espanhóis são gente que não sabe estar. Não é assim que se trata um anfitrião! (Devolvam Olivença, ao menos!)
Brincadeiras à parte, isto, que é muito sério e muito belo: Ronaldo a chorar como um menino, e a equipa a animá-lo, a abraçá-lo, a dar-lhe força. Afinal, parece que um homem pode chorar, e parece que os outros homens não ficam à rasca com isso. Que belo exemplo para mostrar em casa, a todos os rapazes.
04 julho 2024
"queima das fitas"
29 junho 2024
a propósito de Stonewall, por Frederico Lourenço (2)
a propósito de Stonewall, por Frederico Lourenço (1)
O Facebook, sempre ele, lembra-me que há cinco anos partilhei este texto de Frederico Lourenço.
Deixo-o aqui, pela importância do testemunho do sofrimento que provocamos às crianças quando lhes queremos impor certas verdades que são apenas nossas.
Foi a 28 de Junho de 1969. Stonewall. Quem não souber, procure na net. Nesse dia começou algo que, para citar Thomas Mann, «ainda não parou de começar». Nesse dia, começou o início de uma nova consciência sobre pessoas que não só se sentem sexualmente atraídas, mas se apaixonam (até para toda a vida), por alguém que é do seu próprio sexo. Mulheres que amam mulheres. Homens que amam homens. Amor. Sexo, claro (consentido e entre adultos). «What's not to love?»
Nesse mesmo ano, o meu avô materno (a quem reconheço «post mortem» a feitura de fotos que exprimem toda uma época) achou por bem fotografar-me a mim, seu neto, e à minha irmã Catarina, sua neta, da forma que vocês vêem na foto. Azul para o menino. Rosa para a menina. Todo um universo de experiência humana numa fotografia tão simples.
O problema é que ao azul estava a ser adscrita uma mensagem que nada tinha a ver comigo. Eu era rapaz. Devia ter comportamentos de rapaz. Mas não tinha. Já escrevi sobre isso noutro texto («Terrorismo de Género», que foi o único texto que escrevi no Facebook que chegou aos 20.000 likes).
Quando o meu avô tirou esta fotografia, eu não sabia que era homossexual. Não sabia que existia homossexualidade. Mas sentia-me diferente dos outros meninos, que já sabiam, muito antes de eu próprio ter descoberto, que eu era gay. Chamavam-me maricas e paneleiro. Uma vez perguntei «o que é paneleiro?». Os meninos disseram-me que «é quem leva no cu». Isso não me fez sentido. «Leva o quê no cu?» Eu passei toda a minha infância num estado de inocência total em relação à sexualidade, mas fui permanentemente vítima de bullying por meninos e meninas (sim...) que sabiam «a missa toda» e que já tinham adivinhado, antes de eu próprio saber, a minha sexualidade.
Ter sido maltratado e insultado durante todo o meu percurso escolar teve um efeito em mim que durou para toda a vida. Fez-me permanentemente desconfiado em relação às pessoas. Cortou-me os mecanismos necessários para fazer amigos. Inculcou na minha cabeça a ideia paranóica que toda a gente «lá fora» me odeia - ideia com que luto ainda hoje, aos 56 anos, embora saiba racionalmente que não é verdade. Ser insultado e rejeitado na infância pela sexualidade que eu ainda não sabia que era a minha ocasionou também um dano de longo alcance: a dificuldade colossal que eu tenho de viver no presente. Estou sempre a fantasiar uma realidade alternativa à que é a real; e tenho de me obrigar a olhar à minha volta para aquilo que a realidade realmente é. A minha infância e adolescência deram-me a noção de que o Presente não é um espaço seguro; tenho de fugir dele, tenho de me defender dele. É difícil explicar os efeitos nocivos que isso teve em mim. Mas foram muito maus.
As pessoas dizem (de forma irresponsável) que ninguém tem de celebrar Orgulho Gay nenhum; e que ninguém tem de sair do armário; e que gays, lésbicas, bissexuais, etc. já cansam com a permanente chamada de atenção para a realidade que vivem.
Mas é óbvio para mim que o dia 28 de Junho tem de ser festejado e celebrado. Há países no mundo em que a homossexualidade ainda é punida com pena de morte (Irão, Arábia Saudita e por aí fora). Há países no mundo em que as pessoas pensam que a melhor coisa que os pais podem fazer com o seu filho homossexual é matá-lo (trata-se de países islâmicos, não vale a pena esconder esse facto; mas os países de religião cristã Ortodoxa russa e grega não andam lá tão longe). Os ataques a casais gays que demonstram afecto em público continuam em todos os países ditos «civilizados». O Brasil, com o seu presidente e com a sua ideologia boi/bala/Bíblia, é o que é.
Não venham dizer que não é fundamental celebrar o Orgulho Gay. É fundamental, sim.
Em 1969, no ano de Stonewall, puseram-me um balão azul nas mãos. A cor do balão implicava expectativas em relação a mim que eu não pude cumprir. Sofri por isso. Mas tudo bem. Muita coisa mudou para melhor desde aí. Pude ser quem sou. Pude casar com o André. Obrigado às mulheres e aos homens de Stonewall. Tenho o maior orgulho em ser gay.
(Texto de Frederico Lourenço, publicado, juntamente com a foto, na sua página de Facebook em 28.6.2019.)
27 junho 2024
ser feliz todos os dias
26 junho 2024
start up
25 junho 2024
luz
Ao ver esta "The Swiftness of Time" de Kaoru Yamada no mural de facebook de uma amiga, ao ver a magia desta luz, lembrei por uns momentos a sensação de espanto e prodígio daquela noite em que fui à cozinha - que era no jardim de inverno do apartamento, tinha imenso vidro - e a encontrei inundada numa luz assim forte, mas branca. A luz do luar intenso no céu sem nuvens, multiplicado pela neve que cobria o mundo, entrava pela minha casa e por mim adentro. Espero que me revisite naquele momento final, quando - segundo dizem - passa o filme da nossa vida. Queria muito voltar a esse luar, e também ao dia em que fiz malabarismos com ovos crus, perante os olhos boquiabertos dos meus filhos, na cozinha transformada por uma luz assim e Chico Buarque a cantar "como se fora a primavera". (Vou repetindo por aqui momentos felizes na esperança de a sua recordação ser depois mais forte que o Alzheimer, ou a senilidade, ou a simples perda de memória.)
24 junho 2024
"seleuma"
22 junho 2024
adeus, relva
20 junho 2024
House, de Amos Gitai
O meu terceiro post sobre os "Reflexos e Reflexões", que decorreram na semana passada no âmbito dos Berliner Festspiele, é sobre a peça de teatro "House", que vi no domingo. Ao longo de um quarto de século, o realizador israelita Amos Gitai filmou as pessoas de uma casa centenária em Jerusalém Ocidental, na rua Dor Dor ve Dorshav, que significa algo como "cada geração interpreta à sua maneira". Assim nasceu a sua trilogia Bait (Casa): um filme em 1980, outro em 1998, e o terceiro em 2005.
A companhia de teatro La Colline adaptou agora os três documentários, recriando em palco essa metáfora de uma terra ocupada. No centro, em relativa imobilidade, os operários palestinianos que servem os donos da casa. Por eles passam os moradores de cada época e os seus vizinhos, ao som de música palestiniana e judaica. Cada um fala da sua história e das razões que tem, e todos têm razão, muita razão. Até que no final, numa cena de enorme pungência e dignidade, um dos operários palestinianos se senta à boca do palco, e começa a fazer perguntas ao público. No tom calmo de quem sabe que já lhe roubaram tudo, mas que a verdade não se deixa roubar. É uma peça fortíssima, muito bem feita, com uma beleza própria, feita de inúmeras sobreposições. Os actores vêm da França, do Médio Oriente e do Irão, as personagens falam em árabe, inglês, francês, hebraico, iídiche, arménio e turco. Em Berlim, passou com legendas em inglês e alemão.
*** No final, Amos Gitai falou com o público. Começou por dizer que não podemos esperar da arte que mude a realidade. O máximo que faz é guardar a memória, de uma forma muito própria. Guernica, por exemplo: no final, quem venceu em Guernica?
Na sua metáfora da casa, mostra como as pessoas coexistem num ambiente tóxico. Cada um vê apenas a narrativa do seu lado. Mas já Isaac Rabin dissera, pouco antes de ser assassinado, que não é possível resolver o problema de forma unilateral. Como se viu, aliás, nas guerras mundiais: Hitler resultou da vitória de 1918. É fundamental aprender a entender o ponto de vista do outro, como lembra Mahmoud Darwish no seu belíssimo poema:
Alguns momentos do debate:
- Foi um longo processo. Gosto de coisas híbridas. Passámos de uma narrativa cronológica para uma justaposição de fragmentos.
- Quando fiz o filme, há 40 anos, o nível de negação dos meus compatriotas era muitíssimo mais alto que hoje em dia. Provavelmente pensava-se que, se ninguém falasse sobre os palestinianos, estes iriam acabar por se evaporar. Agora, depois de tantos episódios terríveis de violência, ambos os lados perceberam que nenhum deles vai desaparecer. Mas em 1980 incompatibilizei-me com a televisão israelita, porque me recusei a tirar do filme as partes dos palestinianos que trabalhavam na casa e a referência aos primeiros proprietários. E fui alvo de muita hostilidade por levar o filme à Berlinale.
Contudo, ao menos há finalmente a consciência de estarmos perante um conflito existencial ao qual não podemos fugir.
Mesmo os políticos de esquerda: alguns deles pensaram que era possível fazer acordos com outros países, sem considerar os palestinianos. Agora já perceberam que é impossível.
E os judeus deviam saber isso. Porque a sua própria experiência lhes mostra que não se consegue vencer um povo pela violência.
Neste momento, estamos numa encruzilhada. E não sabemos por onde vamos seguir.
- A música que ouvimos ao longo da peça é palestiniana, feita por músicos palestinianos. Foi muito importante para mim fazermos isto juntos. A solução só pode passar por olhar nos olhos o ser humano que tenho à minha frente.
Sobre a esperança: em Nablus, fiz exactamente a mesma pergunta a um líder palestiniano, acusado de terrorismo. Respondeu-me: "Ser pessimista é um luxo que não nos podemos conceder."
- O actual governo israelita não quer saber de vocês, não se interessa. Vocês são pessoas de esquerda. Mas penso que todos os israelitas, mais tarde ou mais cedo, terão de se confrontar com a questão que os palestinianos levantam: "porque não podemos ser donos da nossa casa?"
O que mostra que, em plena tsunami de ódio, há quem tenha uma atitude de abertura e vontade de dialogar.
- Está a ficar cada vez mais normal dizer mal do Estado por tudo e por nada, haja ou não razão para isso. Esse hábito é perverso e perigoso. Certamente não ignora que estes quatro dias da iniciativa "Reflexos e Reflexões" foram largamente financiados pelo Estado alemão.
Pousou o microfone, foi-se embora.