Esta imagem, onde vemos os trabalhadores que trabalharam na recuperaração da catedral de Notre Dame, lembrou-me o poema de Brecht:
Perguntas para um operário que lê
... sobre o que nos desaquieta
Esta imagem, onde vemos os trabalhadores que trabalharam na recuperaração da catedral de Notre Dame, lembrou-me o poema de Brecht:
Perguntas para um operário que lê
Isto de portugueses e brasileiros pensarem que falam a mesma língua às vezes provoca situações muito estranhas. Como por exemplo no tempo em que os meus filhos eram pequeninos, e eu contava num grupo online cheio de brasileiros que ia levar os miúdos aqui e ia buscar os miúdos ali, e que ia com os miúdos ao parque ou que fora com os miúdos ao teatro, e uma simpática do Rio de Janeiro se perguntava, muito intrigada:
Coisas da minha vida: fui pôr a minha máquina de café Senseo no apartamento que nos emprestaram para alojar os realizadores convidados para o Portuguese Cinema Days in Berlin. Por causa disso, passei a beber apenas um café por dia, que é o matinal, feito pelo Joachim na french press.
A seguir, encomendei uma máquina de café daquelas do Clooney para deixar no apartamento que me emprestaram. Nunca a escolheria, por causa das cápsulas que me parecem lixo em demasia (desculpa, Clooney), mas os donos do apartamento gostam de ser criativos no sabor do café e eu queria agradecer-lhes o empréstimo do apartamento. Portantos, lá teve de ser.
Enquanto esperava pela máquina do Clooney, comprei uma caixa de cápsulas no Lidl, para poder fazer um ou outro cafézito nesta fase em que a minha Senseo está no tal apartamento.
A máquina chegou hoje. Instalei-a, preparei-me para o segundo cafézinho do dia, e...
...as cápsulas que comprei têm o tamanho errado.
Já vos disse que a minha filha me deu um chá muito saboroso de presente de anos? E uma embalagem de Mon Chéri, o meu favorito de todos!
Um chá impecável, lá vou eu fazer mais um litrinho de chá impecável. E comer meia embalagem de Mon Chéri, para esquecer.
A Constituição da Alemanha abre com esta frase: "a dignidade humana é inviolável". Tout court. Não é "a dignidade dos alemães de bem", não é "a dignidade dos nossos refugiadinhos", não é a dignidade daqueles a quem a nossa tribo atribui o valor de humanos.
A dignidade de todos os seres humanos. E não é por acaso: a constituição foi escrita no rescaldo do horror do fascismo nazi, quando se tornou grotescamente óbvio o que acontece quando pessoas que se têm por gente de bem começam a considerar que uns são humanos e outros são gado que se pode abater.
Nie wieder. Nunca mais. Nem para judeus, nem para ciganos, nem para homossexuais, nem para ladrões, nem para opositores políticos, nem para terroristas. Em suma: "nie wieder, nunca mais" vale para todos aqueles que em determinado momento são desumanizados por um determinado grupo, que os classifica como inimigo e alvo a abater. Cuidado com os pézinhos de lã!
Em 1993, numa operação especial da polícia para capturar terroristas da RAF, houve um tiroteio que matou um terrorista e um polícia. Lembro-me bem de na altura terem aberto um inquérito para averiguar a necessidade de cada uma das balas disparadas pelos polícias. Isso mesmo: até perante um terrorista armado, um polícia alemão tem de ser capaz de prestar contas do uso que fez da sua arma. Porque (elementar, meu caro Watson) num Estado de Direito quem aplica a pena é um juíz, e um polícia não pode tomar para si o papel dos tribunais. O caso de contornos muito obscuros da estação de Bad Kleinen evoluiu para um escândalo que levou à demissão ou mudança de posto de mais de dez altos responsáveis da política e da polícia. (Aqui, em alemão.)
Construir um Estado de Direito é tarefa permanente e nunca terminada. E é trabalho de nós todos: desde já combatendo a tendência para "libertar o filho da puta que há em nós" (para usar as palavras do Lutz Brückelmann quando tentava entender o sucesso do Trump). Combater o filho da puta que há em nós é, de facto, a atitude basilar que permite a uma sociedade existir como Estado de Direito - e passa por não pôr no espaço público piadas carregadas de ódio a propósito da morte de um terrorista, e passa por não conceder a um polícia o poder de matar sem ter de prestar contas (para mencionar dois exemplos ocorridos esta semana).
Por tudo isto, e sobretudo porque temos de lutar para que, na nossa sociedade, a dignidade humana seja inviolável, convido todos a assinar a petição "Queixa-crime contra André Ventura e Pedro Pinto", aqui.
Ao longo deste período de 12 meses muito difíceis para
Israel e especialmente tenebrosos em Gaza, no meio da mentira e da propaganda
que nos fazem desconfiar de tudo e de todos, houve um momento de grande clareza: quando soldados israelitas mataram três reféns que tinham conseguido
fugir ao Hamas e corriam para os seus compatriotas, em tronco nu, com uma
bandeira branca, e a pedir ajuda em hebraico. Apesar da crueza
das imagens de cidades destruídas e do pânico das pessoas, há muito quem duvide dos
números de mortos e feridos em Gaza - mas não há como negar isto: um exército
que pressente uma ameaça justamente na pessoa daqueles que vem libertar é um
exército que não está capaz de agir com um mínimo de discernimento. O
assassinato destes três reféns deita por terra a narrativa da autodefesa dentro
dos limites do aceitável - e não sei como definir “aceitável” quando o campo de
batalha é uma região urbana densamente povoada.
Neste 7 de Outubro de 2024, quando Israel já está a repetir no Líbano os ataques
absolutamente desproporcionais contra a população civil de Gaza, e ameaça
retaliar contra o Irão, que retaliou contra um ataque de Israel no Líbano,
insisto na necessidade imperiosa de pôr fim à espiral de violência entre Israel
e os seus inimigos.
Ou, nas palavras mais certeiras do papa Francisco: pôr fim à espiral de
vingança.
A comunidade internacional tem de se unir em função de um único objectivo: a
paz. Tem de ser o adulto na sala, para negociar e/ou impor o fim da guerra a
todos os envolvidos, a imediata libertação dos reféns do Hamas e dos
palestinianos presos em Israel sem julgamento, a criação a muito breve prazo de
um estado palestiniano com as fronteiras de 1967, e o envio de capacetes azuis
para garantir a segurança e a paz na região. Uma região sem exércitos ao
serviço de extremistas, nem de um lado nem do outro.
Virá o dia em que falaremos das razões de cada um - e será um momento
fundamental para alicerçar a paz. Mas a actual berraria que pretende impor a
razão de uns contra a razão dos outros não tem outro efeito que não o de
contribuir para uma tragédia ainda maior.
Insisto: temos de nos unir para impor um sistema que garanta a paz para todos os
habitantes daquela região. A comunidade internacional já o devia ter feito na época
da primeira intifada, ou antes, ou – o mais tardar – há exactamente um ano. Tem
de ser agora.
Em Portugal, logo após aquelas eleições épicas em que um milhão de portugueses escolheu o partido do "falso amigo", ouvi uma senhora a dizer que o nosso país está cada vez mais inseguro, e que "andam por aí bandos de estrangeiros a raptar adolescentes para exigir resgate". Ela disse a nacionalidade das pessoas desses bandos, mas não me lembro - e, de facto, não é importante, porque é mentira (mais uma dessas mentiras que viralizaram nas redes sociais para levar as pessoas a votar no partido anti-imigrantes e pró-securitarismos).
Lembrei-me disso ao ouvir o Trump dizer que há estrangeiros a comer os cães e os gatos dos vizinhos.
A lógica por detrás destes boatos - que pessoas sem qualquer sentido de decência põem a correr - é muito transparente: vamos identificar um inimigo do tipo "os outros", vamos inventar que nos ameaça, e vamos inventar ameaças que nos atinjam directamente e despertem o nosso instinto de protecção: os nossos filhos, os nossos animais domésticos.
Já fizeram isso no Brasil, com excelente resultado: lembram-se quando puseram a correr o boato que o PT queria dar biberons aos bebés com forma de pénis? ("acudam, que o lobby gay que quer perverter os meus filhinhos!") O pessoal acreditou, e votou Bolsonaro.
As pessoas acreditam.
Desde que a terra se tornou plana, o mundo nunca mais foi o mesmo.