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... sobre o que nos desaquieta
Lembra-me o facebook que há 3 anos estava a passar uns dias lindos na viagem entre a Alemanha e Portugal. Copio para aqui esses posts, e até - caso seja útil - alguns comentários. Começou com a Bretanha, na nossa carrocinha. Levá-la a ver o sítio onde o Joachim a sonhou pela primeira vez: "ah, ter um camper e dormir neste promontório junto ao mar, descer a falésia para dar um mergulho em praias quase desertas..." Depois, Toulouse. E é aqui que o facebook tem andado a lembrar-me lugares onde já fui feliz. Esta publicação, por exemplo:
A primeira coisa que disse em Toulouse foi uma interjeição pouco polida. É que estava fresquito e reparei que tinha trazido por engano um casaco azul marinho para um vestido preto. Já vi essa combinação de cores ao Viotti na Gulbenkian, mas eu não sou o Viotti. A segunda coisa que disse foi uma interjeição mais inócua, seguida de um „vou-me desgraçar“. Estava numa loja de BD grande como tudo. Só não me desgracei logo ali porque era no princípio do dia e eu não sou tola a ponto de comprar vários kg de livros antes de ir passar um dia inteiro a passear numa cidade. Mas não perdi pela demora...
(Por sorte a carrocinha é grande)
Só cheguei ao primeiro jogo de Portugal quando já ia a meio. Estava morno, mas mal cheguei os portugueses começaram a jogar a sério.
Não assisti ao da Geórgia, se calhar devia ter assistido. 2-0, os antipáticos! Apesar de tudo, não me pareceu bem que a UE logo no dia seguinte tenha congelado o processo de adesão da Geórgia. (Escusam de responder a sério, que eu bem sei que estou a brincar, OK?) (E foi lindo o Kvaratskhelia ter interrompido a celebração da vitória para dar um abraço ao Ronaldo) (Claro que escrevi o nome do Kvaratskhelia com copy & paste, não pensem)
A seguir, fartei-me de rir com isto:
(Se calhar já revia as minhas prioridades na vida...)
Até que chegou o fatídico jogo Portugal x Eslovénia. Dei comigo a torcer para que o Ronaldo acertasse com o penalti. Nem era para ganharmos, era mesmo só por causa do Ronaldo.
À hora a que escrevo, a Alemanha já foi excluída. Não é por nada, mas parece-me que os espanhóis são gente que não sabe estar. Não é assim que se trata um anfitrião! (Devolvam Olivença, ao menos!)
Brincadeiras à parte, isto, que é muito sério e muito belo: Ronaldo a chorar como um menino, e a equipa a animá-lo, a abraçá-lo, a dar-lhe força. Afinal, parece que um homem pode chorar, e parece que os outros homens não ficam à rasca com isso. Que belo exemplo para mostrar em casa, a todos os rapazes.
O Facebook, sempre ele, lembra-me que há cinco anos partilhei este texto de Frederico Lourenço.
Deixo-o aqui, pela importância do testemunho do sofrimento que provocamos às crianças quando lhes queremos impor certas verdades que são apenas nossas.
Ao ver esta "The Swiftness of Time" de Kaoru Yamada no mural de facebook de uma amiga, ao ver a magia desta luz, lembrei por uns momentos a sensação de espanto e prodígio daquela noite em que fui à cozinha - que era no jardim de inverno do apartamento, tinha imenso vidro - e a encontrei inundada numa luz assim forte, mas branca. A luz do luar intenso no céu sem nuvens, multiplicado pela neve que cobria o mundo, entrava pela minha casa e por mim adentro. Espero que me revisite naquele momento final, quando - segundo dizem - passa o filme da nossa vida. Queria muito voltar a esse luar, e também ao dia em que fiz malabarismos com ovos crus, perante os olhos boquiabertos dos meus filhos, na cozinha transformada por uma luz assim e Chico Buarque a cantar "como se fora a primavera". (Vou repetindo por aqui momentos felizes na esperança de a sua recordação ser depois mais forte que o Alzheimer, ou a senilidade, ou a simples perda de memória.)
O meu terceiro post sobre os "Reflexos e Reflexões", que decorreram na semana passada no âmbito dos Berliner Festspiele, é sobre a peça de teatro "House", que vi no domingo. Ao longo de um quarto de século, o realizador israelita Amos Gitai filmou as pessoas de uma casa centenária em Jerusalém Ocidental, na rua Dor Dor ve Dorshav, que significa algo como "cada geração interpreta à sua maneira". Assim nasceu a sua trilogia Bait (Casa): um filme em 1980, outro em 1998, e o terceiro em 2005.
A companhia de teatro La Colline adaptou agora os três documentários, recriando em palco essa metáfora de uma terra ocupada. No centro, em relativa imobilidade, os operários palestinianos que servem os donos da casa. Por eles passam os moradores de cada época e os seus vizinhos, ao som de música palestiniana e judaica. Cada um fala da sua história e das razões que tem, e todos têm razão, muita razão. Até que no final, numa cena de enorme pungência e dignidade, um dos operários palestinianos se senta à boca do palco, e começa a fazer perguntas ao público. No tom calmo de quem sabe que já lhe roubaram tudo, mas que a verdade não se deixa roubar. É uma peça fortíssima, muito bem feita, com uma beleza própria, feita de inúmeras sobreposições. Os actores vêm da França, do Médio Oriente e do Irão, as personagens falam em árabe, inglês, francês, hebraico, iídiche, arménio e turco. Em Berlim, passou com legendas em inglês e alemão.
*** No final, Amos Gitai falou com o público. Começou por dizer que não podemos esperar da arte que mude a realidade. O máximo que faz é guardar a memória, de uma forma muito própria. Guernica, por exemplo: no final, quem venceu em Guernica?
Na sua metáfora da casa, mostra como as pessoas coexistem num ambiente tóxico. Cada um vê apenas a narrativa do seu lado. Mas já Isaac Rabin dissera, pouco antes de ser assassinado, que não é possível resolver o problema de forma unilateral. Como se viu, aliás, nas guerras mundiais: Hitler resultou da vitória de 1918. É fundamental aprender a entender o ponto de vista do outro, como lembra Mahmoud Darwish no seu belíssimo poema: