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23 dezembro 2024

carta ao Pai Natal

 

Em tradução muito rápida, aqui deixo uma "carta ao Pai Natal" de um famoso autor alemão:


Meu caro e bom Pai Natal,
Estás a ver de que me queixo?
Olha bem para o globo
Alguém o tirou do eixo.

Pasmados, todos lamentam,
Com um ar entristecido.
Quem terá sido o culpado?
Ninguém quer ser o bandido.

Passamos mal de verdade.
Vem depressa , e traz contigo
Uma vara e um cajado
Mas que seja bem comprido!

Vai aos senhores da indústria
Mesmo com ar de inocentes
Faz o que tem de ser feito:
Dá-lhes palmadas valentes

E aos senhores da política
dá o castigo merecido.
Se chorarem, manda-os ler
o programa do partido.


Erich Kästner

Esta "carta" foi escrita em 1930. Numa das estrofes seguintes, pede ao Pai Natal que vá a Munique, onde vive um tal de Hitler, dar-lhe uma boa ensaboadela. Pede para nos livrar dessa praga, porque já nenhum humano o consegue. E termina com "isso sim, seria um belo Natal!"



Amig@s, desculpem que revele isto abertamente, mas: o pai Natal não existe.
O nosso mundo precisa de nós, depende de nós para reentrar nos eixos. Que nunca foram muito certos - mas isso não pode ser motivo para deixarmos que tudo descarrile.

Vamos lá, então: bom Natal, e bom trabalho!

---

Lieber guter Weihnachtsmann,
Weißt du nicht, wie's um uns steht?
Schau dir mal den Globus an.
Da hat einer dran gedreht.

Alle stehn herum und klagen.
Alle blicken traurig drein.
Wer es war, ist schwer zu sagen.
keiner will's gewesen sein.

Uns ist gar nicht wohl zumute.
Kommen sollst du, aber bloß
Mit nem Stock und mit ner Rute.
Beide bitte ziemlich groß.

Leg die Herrn der Industrie,
Auch wenn sie sich harmlos stellen,
Kurz entschlossen übers Knie,
Denn das hilft in solchen Fällen.

Ziehe denen, die regieren,
Bitteschön, die Hosen stramm.
Wenn sie heulen und sich zieren,
Zeig auf ihr Parteiprogramm.

parar um pouco

 

A quem aqui passa com tempo para ficar um pouco, deixo as músicas do concerto de Natal do meu coro.
E a todos desejo que passem estes dias com alegria e tranquilidade. 



...and the angels filled the night with music
 sent from te heart of God.

And the stars sang, Joseph M. Martin



...let not your heart be troubled,
neither let it be afraid.

Peace, Martin Åsander



Et ex corde diligamus nos sincero. 

Ubi Caritas, Ola Gjeilo




...quero sentir que vivi a minha vida. 

Gabriella's Song, de Stefan Nilsson (música) e Py Bäckman (texto)
Filme: "Como se fosse o céu", de Kay Pollak.
Música: Stefan Nilsson




Oratorio de Noël, Camille Saint-Saëns 


24 dezembro 2023

ser uma vela na escuridão

 

Para estes dias, deixo o poema do palestiniano Mahmoud Darwish, tornado canção em árabe, hebraico e inglês por Mira Awad e Noa - com votos de feliz Natal para uns, de boas festas para outros, e de paz para todos: nas famílias e no mundo.


18 janeiro 2022

outros Natais

No segundo feriado de Natal (na Alemanha, o 26 de Dezembro também é feriado), visitámos a minha sogra, e celebrámos o Natal à antiga: com a carne assada que ficou a marinar em vinho durante vários dias, com um pinheirinho verdadeiro e com velas, com a leitura que São Lucas nos oferece sobre o nascimento de Jesus, com música feita por nós.

O pinheiro verdadeiro e as velas de cera de abelhas são algo cada vez mais raro nas casas alemãs. As velas estão a ser trocadas por guirlandas eléctricas, e os pinheiros de Natal estão a ser reinventados com muita criatividade. Na casa dos amigos com quem passámos os últimos dias do ano havia um pinheiro de natal feito com ramos devolvidos à terra pelo lago Constança. No ano passado, na nossa casa em Berlim, usámos ramos encontrados no chão da floresta.

Num programa de rádio ouvimos um apontamento sobre as diferenças na celebração do Natal, que variam de país para país. Eu ouvia, à espera do momento em que explicariam que grande parte dessas diferenças se deve à importância maior que em certas regiões ainda se dá à festa da Epifania. Mas não. Limitaram-se a informar que há diferenças. Pode ser de ter vivido quase 40 anos no milénio passado, ou então é mesmo algo que tem acontecido a todas as pessoas que vão envelhecendo, desde o princípio dos tempos: esta perplexidade perante o desaparecimento de saberes que em tempos eram intrínsecos à sociedade.

E também a surpresa perante a novidade. Por exemplo, um amigo nosso que este Natal ofereceu aos filhos o regresso da pegada ecológica de cada um deles à casa de partida. Sim, também fiquei de boca aberta, mas ele explicou: fez as contas à emissão de dióxido de carbono de cada um dos filhos, desde que nasceram até hoje, e pagou a uma ONG o necessário para contrabalançar essas emissões. A ONG de que me falou vai muito além da plantação de árvores. Entre outros projectos, distribui fogões solares em regiões onde ainda é normal cozinhar com fogueiras.

Outra surpresa: os filhos gostaram do presente. O que me lembrou uma festa de Natal há alguns anos, quando, para evitar a habitual avalanche de presentes de todos a todos, combinámos que cada pessoa daria apenas um, e que estes seriam sorteados num jogo de dados. Quem tivesse dois seis escolhia o presente embrulhado, e depois de todos os presentes estarem distribuídos desembrulhava-se e fazia-se nova rodada. Quem tivesse dois seis podia roubar o presente a outrem. Pode criticar-se que este roubalhanço não é muito próprio do espírito de Natal, mas, pensando bem, também aqui podemos tentar alguma diferença. Por exemplo, "roubando" o presente que ninguém quer. Nessa noite, os presentes que ninguém queria foram - surpresa! surpresa! - dois donativos para ONGs que lutam para tornar o mundo melhor. Vá-se lá saber porquê, todos preferiam ter a french press ou o jogo "Azul" (com pedras lindíssimas a imitar azulejos portugueses).

O Azul acabou por ficar para mim (sim: nesse dia o meu espírito natalício não esteve brilhante) mas depois de jogar uma vez dei-o a um dos perdedores. E não foi por altruísmo. Odeio jogos que vivem da maldade do adversário. (Disse maldade, não disse a inteligência ou sorte.) E assim termino esta publicação de extraordinária actualidade: há quem comece a encher as lojas de produtos de Natal logo em Outubro, eu cá escrevo um post de Natal quando o Carnaval já está à porta...









30 dezembro 2020

o oitavo dia do nosso Natal 2020



Fizemos um barbecue no jardim de um casal amigo.
Covid, a quanto obrigas! Comer ao ar livre, de casaco e gorro, no dia 30 de Dezembro. Com 3 graus - mas um sol magnífico. 

Um vizinha viu-nos sentados à mesa do terraço e atirou por cima da sebe, divertida:
- Bom apetite, esquimós!

Ali ficámos até começar a anoitecer (ou seja: não foi muito tempo...) e depois fui comprar ostras para amanhã. Terminaremos o ano com uma homenagem à Bretanha, onde passámos sete meses que fizeram de 2020 - e apesar de tudo! - um ano feliz. 


o sétimo dia do nosso Natal 2020


O folhetim "concurso de Natal" teve um final feliz: ao sétimo dia, a jovem prima vencedora do concurso escreveu à família a dizer que queria partilhar a sua caixa de espumante com todos os que não tinham recebido um único voto. 
(Estes miúdos comovem-me.) 


O Harald Martenstein, que tem lugar cativo numa das primeiras páginas da revista do semanário Die Zeit, escreveu uma crónica onde falava dos seus dois melhores momentos de 2020, que foram estes: 
- o minuto em que um esquilo parou do lado de fora da janela, mesmo junto à mesa onde ele estava a escrever, e ficou calmamente a roer uma noz que segurava entre as patinhas;
- o dia em que foi ao centro da cidade trocar a pilha do relógio, e ia maldisposto e preparado para filas sem fim, confusão e frieza generalizada, e afinal não havia ninguém à frente dele e o senhor que o atendeu era muito simpático, elogiou a beleza do relógio, disse "por favor, espere um momentinho, isto resolve-se já" e no fim desejou-lhe um bom ano. 
Fiquei a pensar como será a vida do Harald Martenstein, para estes serem os dois melhores momentos do seu ano. E também a pensar que - se houver muitos como ele - é facílimo melhorar o índice de felicidade nacional: um pequeno elogio, algumas palavras delicadas, alguma atenção à pessoa que temos à nossa frente. 
(Isso, ou enfiar um fato de esquilo e pôr-se em frente às janelas a roer nozes)


Fomos dar uma grande volta a pé até ao lago de Grunewald. Encontrámos uma garça-real parada à espera que o almoço lhe passasse à frente. Lembrou-me os clientes dos restaurantes de sushi com sistema de barquinhos ou tapetes rolantes que transportam composições diferentes: sentados ao balcão, ficam parados a mirar atentamente, e de repente atacam com um golpe certeiro o peixe que lhes interessa.
(Se um dia abrir um restaurante de barquinhos de sushi, vou-lhe chamar "Garça-Real" em homenagem a esses clientes.)



De manhã esteve um sol lindíssimo, mas o dia escureceu mal pusemos o pé na rua. De modo que demos uma voltinha de 6 km em direcção à penumbra. Ao regressar a casa, a minha janela favorita já estava iluminada. E logo a seguir caiu a noite.
(Ainda nem eram cinco da tarde.) 




28 dezembro 2020

o sexto dia do nosso Natal 2020



Ainda não é público que fomos nós quem ganhou o concurso de decoração de Natal. Aliás, se querem saber tudo: quem vai à frente na votação é a miúda que decidiu ter um pinheiro muito colorido para passar para 2021 com cara alegre e bom humor. 

Suspeito que a culpa seja minha: votei na minha própria realização, e depois, por ter uma pontinha de má consciência, fui ao grupo WhatsApp elogiar a árvore - e sobretudo - a atitude daquela prima. Mas onde os outros deviam ter visto abnegação e fair play, viram apenas a publicidade, e foram todos votar nela. Da próxima vez que me vierem fazer a apologia das boas acções, previno já: não se cansem!

Entretanto - e agora vou falar a sério - de facto já ganhámos o melhor prémio. Porque a minha sogra enviou as imagens do nosso presépio (e da filial "lar de terceira idade") a uma amiga que está num lar, e se sente muito deprimida devido à solidão imposta pelo maldito vírus, e esta fartou-se de rir e terminou o telefonema com uma voz bem mais animada que quando atendeu. 
É quanto basta. 

Esta manhã, e por ser tempo de Natal e assim, pus um vestido novo, um camiseiro mesmo especial de Jil Sander. Com um cinto que só aperta a parte da frente do vestido, e deixa as costas em largas pregas soltas. O Joachim gostou imenso, e até pediu que um dia que eu deixe de usar este vestido lho dê, para ser a sua bata de pintura.
Francamente! Só não levou um pré-aviso de despedimento porque estamos no Natal. 

Depois do almoço aproveitámos o sol para ir dar uma voltinha de 6 km pelos lagos aqui em volta, e tentar abater às rabanadas que se nos estão a colar às ancas. 
(Bem, se fosse mesmo para abater ao que temos comido, melhor seria uma voltinha de 20 km...)




Notícia de última hora: apesar de só terem votado 75% dos eleitores, o primeiro prémio foi para a árvore muito colorida. E há um prémio especial, de criatividade, que foi para o presépio vazio da Christina, que disse que estavam todos de quarentena.

Vou já para o twitter fazer banzé! Isto não pode ficar assim. Humpf!

(Dois comentários finais: (1) rimos imenso com esta história, e isso é o mais importante; (2) ao ver o resultado da votação, tive mesmo pena de alguns pinheiros que não tiveram voto nenhum. A ver se no próximo ano arranjo de todos poderem fazer escolha múltipla. Assim, cada um vota em todos aqueles de que gostar. E para ser Natal, mesmo-mesmo Natal, era só preciso todos os pinheirinhos terem o mesmo número de votos.)
(E a minha sogra mandar uma caixinha de espumante para cada um dos participantes...)


o quinto dia do nosso Natal 2020



Isto está mais complicado que as eleições nos EUA: ainda não se decidiu que somos nós os vencedores do concurso "decoração de Natal". Estou a pensar abrir uma conta de twitter, @real_winner_of_Christmas, para começar a agitar as redes sociais a meu favor. 

Parece que vão repetir as eleições. Da próxima vez convidem o Lukaschenko para presidir à comissão eleitoral, caramba! 
(Ai, eu não disse isto) 

O melhor presente de Natal que recebi este ano foi uma caixa de papel dourado com um punhado de batatinhas azuis, muito bem apresentadas e embrulhadas com uma fita de veludo. Veio da - digamos assim, para simplificar - sogra do Matthias, que decidiu passar o resto da vida numa quinta comunitária na Floresta Negra. Em vez de se deixar ir andando, ou de começar a pensar num lar de terceira idade, juntou-se a um grupo de pessoas que têm o projecto de envelhecer juntas numa quinta comunitária o mais possível auto-suficiente, e com alguma mistura geracional. As batatas são da produção deles. 

Este projecto é muito interessante, mas, pensando bem, não tem nada de realmente novo. De facto, estas pessoas regressaram ao mundo dos meus avós. Há cinquenta anos, ainda era assim que as pessoas envelheciam: em comunidade rural multigeracional e com redes de auto-suficiência, cooperação e solidariedade. 


E por falar em avós: uma amiga partilhou no facebook uma gracinha sobre como pôr a mesa hoje em dia, e - à parte a máscara e o desinfectante - era tal e qual como na casa da minha avó paterna, quando iam buscar a louça e os copos de cristal do baptizado do meu pai, e os pousavam sobre a toalha de linho tecida por uma antepassada cem anos antes. Na nossa mesa havia mais copos - o nº14 da imagem eram dois: o cálice de Porto e um outro, lindíssimo de tão pequenino, para o licor. E mais os talheres de prata, e mais a sopa que vinha na terrina dos trezentos anos (pelo menos era o nome que lhe davam) e etc. etc. etc.

No final do jantar, ia tudo para a cozinha, e a Bina e a Ana lavavam aquelas preciosidades todas numa gamela de madeira pousada sobre a dala de granito irregular, com água que traziam do poço em cântaros de barro e aqueciam no pote de ferro sempre a postos à lareira. 

Entre o luxo da sala de jantar e o rústico da cozinha havia apenas uma porta. Uma porta dupla, mas mesmo assim uma simples porta a separar mundos tão opostos. 

(E nem vou mencionar a parte de não podermos ler na cama à noite, porque a electricidade era muito cara.)


27 dezembro 2020

o quarto dia do nosso Natal 2020



De manhã nevou furiosamente. Fui logo fazer algumas fotografias, porque já sei como é desde há 3 ou 4 anos em Berlim: neva bastante durante dez minutos, e logo a seguir a neve derrete e fica tudo como antes, como se tivéssemos tido alucinações. 



Votámos. Votei em nós, claro está, mas com alguma pena de não poder votar duas vezes, para escolher também o pinheirinho de uma das miúdas da família, que mais parecia um anúncio da Benetton, e vinha com a legenda: "Este ano escolhemos um estilo colorido e um pouco bizarro. Queremos terminar o ano em festa, e com bom humor".

A seguir ao almoço preparámos lenha e o nosso famoso tambor da máquina de lavar a roupa, e fomos até ao Wannsee assistir ao pôr-do-sol com vinho quente, chá e quiche. O céu estava cheio de nuvens, mas havia uma nesga de céu junto ao horizonte, o que dá sempre saídas de cena épicas. 

O Matthias revelou que a Christina lhe prometeu uma garrafa de espumante se ele a ajudasse a ganhar. Não sei se me zangue, se fique orgulhosa por descobrir que os nossos filhos estão tão bem preparados para vencer na vida. 

E depois confessou que votou no pinheirinho colorido da prima, porque achava giro ser ela a receber o espumante. 
(É para isto que uma mãe cria um filho, é?!)
(É.)







o terceiro dia do nosso Natal 2020

Fiz centenas de fotografias do nosso presépio covidoso (com marcações no chão para garantir a distância de segurança, com setas para indicar às pessoas em que direcção devem circular, e com os velhinhos todos em confinamento por trás do gramofone) e do nosso "pinheirinho de Natal" sustentável (feito com um ramo que apanhámos no chão da floresta, para evitar cortar um pinheiro e deitar fora algumas semanas mais tarde). Mandámos algumas imagens para o grupo WhatsApp da família, sabendo de antemão que somos nós quem vai ganhar o primeiro prémio (a tal caixinha de 6 garrafas de espumante alemão). 

A Christina concorreu com um presépio vazio, dizendo que o São José e o burro foram apanhados numa covid-party, e a polícia mandou toda a gente para casa fazer quarentena. 

Telefonámos à minha sogra a perguntar se já tinha decidido dar-nos o primeiro prémio a nós, mas ela disse que primeiro era preciso decidir democraticamente por votação universal. Também contou que a Christina estava a telefonar a toda a gente a desejar boas festas, e aproveitava para pedir que votassem nela. Ficamos chocadíssimos com aquele trabalho de lobbyismo. Já não há justiça neste mundo?

Vamos ganhar, claro. Nem sei porque é que os outros concorreram.  

Gastei metade do dia a apagar algumas centenas das centenas de fotos que fiz. 

(O primeiro a chegar ao presépio foi o vendedor de uvas, vá-se lá saber porquê. O segundo, foi uma cigana com um bebé ao colo. Sei bem porque é uma das primeiras da fila: o presépio é o lugar dos excluídos. Geralmente temos ainda uma indígena hopi na linha da frente, mas desta vez teve de ficar no lar de terceira idade, que este ano também é - tristemente - o lugar dos excluídos.)







24 dezembro 2020

o segundo dia do nosso Natal 2020






Fui ao supermercardo comprar uma coisa que esqueceu ontem, e estava vazio. Fui à padaria, e estava vazia. Fui ao correio, e estava vazio. Adoro a previdência dos alemães: na manhã de 24 de Dezembro já não anda ninguém na rua a comprar coisas (excepto esta vossa artista, claro).

No regresso a casa, parei numa ponte entre dois lagos, para observar uma garça muito atenta, quase imóvel. Passado algum tempo, a superfície da água começou a agitar-se como se houvesse alguma espécie de fogo-de-artifício subaquático, e eu a filmar. Senti-me o David Attenborough, só com a diferença que ele sabe o que está a fazer e eu não. 

Do outro lado da ponte também havia uma garça, que observava menos e comia mais. 

Quando a primeira garça foi ter com a segunda e partiram ambas na direcção de outro lago, eu continuei o meu caminho para casa. Ao chegar à nossa rua cruzei-me com a vizinha que é médica e acudiu ao Joachim quando ele teve o acidente de bicicleta. Contou-me que todos os seus doentes nascidos por volta dos anos 30 e 40 do século passado lhe dizem que já passaram por coisas bem piores que esta crise, e que se sobreviveram às outras também serão capazes de fazer uma desfeita a esta. Depois contou que não há vacinas suficientes para todos, e que o processo vai ser mais moroso do que se estava a prever. Combinámos que um dia destes bebemos um vinho quente no jardim, a uma boa distância de segurança, e a seguir fui continuar a aviar a minha lista de to-dos de hoje:

- comprar o que falta + correio                                     - check
- fazer as decorações de Natal                                       -
- arranjar a casa                                                             -
- lavar a roupa (*)                                                          -
- pôr a mesa                                                                   -
- fazer um teste de covid                                               - check (negativo)
- fazer o jantar                                                               -
- escolher a missa do galo online                                  -
- preparar as leituras e as músicas para a festa             -
- saborear a magia do momento                                   - check (**) 


 (*) Na Alemanha diz-se que dá azar lavar a roupa entre o Natal e o Ano Novo. Normalmente não ligo, mas este ano...

(**) Ou queriam algo ainda melhor que a paz de duas garças num lago de inverno, e conversar com uma vizinha na rua, e rir com as pessoas do correio, e desejar bom Natal a toda a gente?




23 dezembro 2020

algumas ideias para este Natal tão diferente do habitual



A minha sogra, que nos seus oitenta e tal anos está uma grande especialista em criar dinâmicas de família no WhatsApp, abriu o concurso "decoração de Natal". O vencedor (nomeado por um júri isento, diz ela - mas eu cá, que sou nora, desconfio) receberá uma caixa de sekt Singer-Fischer, que em termos de sekt é o nosso favorito. Dissemos que também participamos, e agora vamo-nos esmerar a decorar o melhor possível o galho quebrado que no domingo passado trouxemos da floresta para ser o nosso pinheirinho de Natal. Algo me diz que decorar o hibisco, como fizemos no ano passado, não nos vai trazer a vitória. Anunciam-se alguns momentos de óptima disposição para esta família espalhada pela Alemanha e os Países Baixos. O pior vai ser depois, quando o júri isento anunciar o vencedor...
(Por respeito pelo planeta, deixámos de comprar pinheirinhos para o Natal. Também deixei de comprar flores, que - especialmente no Inverno - são produzidas sabe-se lá em que condições de trabalho, e trazidas de avião para a Europa. A ver vamos se os ramos feitos com cedro roubado à sebe do vizinho, hastes de hera e bagas de rosa-canina nos dão pontos suplementares.)
(Enquanto for só a decoração de Natal, bem vamos. Se alguém se lembrar de pedir que cada grupo da família siga o exemplo dos primos de Biberach, que passam a vida a mostrar novas coreografias no tiktok, aí...) (adeus, minha rica caixinha de sekt!)

A agência de marketing dos transportes de Berlim também nos deu uma boa ideia: deixar os pastores, os restantes visitantes e mais tarde os reis a mais de 1,5 m de distância do menino Jesus (em termos relativos, claro). Estava a pensar fazer uma fila como a desta manhã no supermercado, mas não tenho um móvel tão comprido...

Na rádio também deram sugestões como, por exemplo, fazer jogos com os familiares na internet. Aquele jogo de fazer um desenho (sobre um ditado popular, por exemplo), para os outros tentarem adivinhar, funciona lindamente. Ou fazer o que o meu coro fez: cada um vai buscar uma fotografia antiga, mostra aos outros e conta porque é especial. Ou fazer perguntas que evoquem momentos bons do ano (um passeio/uma conversa/um filme/um livro/algo bonito que nos disseram ou que nós dissemos a alguém). A única coisa realmente importante é estar atento para que todos sejam ouvidos. 

Por ocasião do Thanksgiving o New York Times publicou um conjunto de sugestões para as famílias poderem estar juntas apesar do distanciamento que a pandemia impõe. Partilho-as aqui, para o caso de serem úteis a alguém.

Antes de mais: escolher a plataforma. Google Meet no Gmail, Zoom, Jitsi, etc.
Depois:

1. Encontro online na cozinha: chamada de grupo na internet, todos seguem a mesma receita (ou, pensando bem, outra qualquer), e vão conversando online enquanto cozinham.

2. Encontro online ao jantar, ou durante a sobremesa.

3. Conversar online a seguir ao jantar, por exemplo mostrando fotografias previamente escolhidas. Pode-se usar a função de partilhar o ecrã, ou então mostrar a fotografia de papel em frente à câmara. 

4. Pedir ao miúdo da família que toque a sua peça de piano para todos ouvirem, pedir ao avô que conte como era a vida antes da vacina da poliomielite. Ter alguns temas (ou algumas perguntas) preparados, para fazer fluir a conversa. 
(Bem, esta de preparar os temas não deve ser para aplicar em Portugal. Aí era melhor pensar numa maneira de acabar a conversa antes do fim do ano...) (em compensação, algo que o NYT não sugere, mas em Portugal se calhar dava jeito: desligar o micro a todos, excepto àquele que está a falar...)

5. Para quem gosta: jogos de grupo online. Plataformas que sugerem: 
https://www.trickstercards.com/
https://houseparty.com/

6. Ver um filme ao mesmo tempo. 
(O que me lembra que há alguns anos assisti com alguns amigos do facebook a um concerto online, e foi uma noite memorável. Enquanto ouvíamos o concerto, íamos comentando no facebook. Mais de 600 comentários, e muito riso.) 


o primeiro dia do nosso Natal 2020



Na Alemanha, as lojas vão fechar amanhã à tarde, e só reabrem na segunda-feira. Não é covid, é mesmo só Natal para todos, inclusivamente para as pessoas que trabalham nos supermercados. E como merecem! Este ano ainda mais do que nos outros.

De modo que esta manhã, bem cedo, fomos comprar toda a comida de que precisamos até à próxima segunda-feira. Queríamos evitar a hora de ponta, mas infelizmente meia Berlim teve a mesma ideia. Havia fila na rua, e depois fila para o peixe. A fila na rua, passei-a bem no facebook, enquanto o Joachim aviava alguns telefonemas importantes. E a fila dentro do supermercado de delikatessen também não foi má , a olhar para as prateleiras à esquerda e à direita como quem está num museu - tudo muito bonito, mas não é para pôr a mão e muito menos para levar para casa. 

Depois fomos visitar uma amiga que hoje faz oitenta e três anos. Ela e a irmã (cuja festa do 80º aniversário teve de ser cancelada por causa da covid) já estavam à nossa espera, com uma mesa no jardim para servir o sekt e as bolachinhas de Natal. Cantámos os parabéns em alemão, a uns dez metros de distância dela. Depois dos brindes entoámos em conjunto algumas canções de Advento - longe uns dos outros, e virados todos na mesma direcção.



Quando chegámos ao fim do nosso programa, elas pediram uma canção de que gostam especialmente.
"É o anúncio de São João Baptista no deserto", disse a mais nova, e começou a trautear para nos avivar a memória. Enquanto cantávamos, eu pensava na infância destas duas irmãs, que no fim da guerra vieram, com os pais e o irmão, dos confins a leste do antigo Reich para uma aldeia na Alemanha Ocidental. Crianças refugiadas, filhas de uma das tantas famílias que perderam todos os haveres e que tiveram de recomeçar a vida como pobres em terra estranha. Não admira que gostem tanto deste cântico.  

Anunciem a quem passa dificuldades:
tomem coragem e tenham fé.
Em breve o nosso Deus virá
gloriosamente O vereis.
- A salvação de Deus virá para todos.  

Deus aproxima-se com bondade renovada, 
para que possamos voltar-nos para Ele.
Ele redimirá os nossos erros
e a paz perdurará para sempre.
- A salvação de Deus virá para todos.  

Da pedra e da areia do deserto
brotará água doce;
A terra árida será regada pela nascente,
abundantes sementes germinarão da terra.
- A salvação de Deus virá para todos.  

O cego erguerá os olhos para a luz,
o mudo entoará hinos,
os ouvidos do surdo se abrirão
E o coxo saltará como o cervo.
- A salvação de Deus virá para todos.  

Deus afastará os problemas e a tristeza.
e dará conforto aos fiéis.
Os resgatados do Senhor
irão ao banquete das Bem-Aventuranças.
- A salvação de Deus virá para todos. 

"O refrão é muito actual", comentaram as irmãs. 
Concordámos - e fiquei a pensar quantas vezes este texto terá sido actual desde que o livro de Isaías foi escrito, e a quantas pessoas atormentadas pelo sofrimento terá oferecido consolo ao longo dos séculos. 

Como tantas crises antes desta, também estes tempos difíceis serão um dia apenas mais um capítulo da História. É o capítulo que nos calhou viver.

Desejo a todos os que aqui passam que tenham o melhor Natal que for possível em 2020. 
E - como disseram as nossas amigas, quando nos despedimos:

"Pensa positivo, mantém-te negativo."


16 dezembro 2020

uma festa de Natal muito zoomarenta

 



Ao pequeno-almoço o dia anunciou-se especial, e previ o que se seguiria. 
(sim, que isto são já vários anos de espectáculo deslumbrante durante cerca de meia hora ao pequeno-almoço) 






O café ficou frio, mas não importa. E ainda não foi hoje que fiquei doente por estar na varanda a fotografar descalça e em camisa de dormir no Dezembro berlinense. 

Depois fui trabalhar muito, e muito depressa, e daí a nada já estava assim outra vez:


Continuei a trabalhar o mais depressa que podia, porque não queria chegar atrasada à festa de Natal do meu coro.

Foi no zoom, e foi a melhor festa de Natal de um grupo grande em que alguma vez participei. Por mim, passávamos a fazer todas as festas de grupos de empresa ou tempos livres assim, por um motivo muito simples: o zoom permite que todos ouçam o que cada um está a dizer. Ao passo que nas festas de grupos grandes o pessoal rapidamente se divide em pequenos grupos.

Caso precisem de algumas ideias para uma festa de Natal daquelas de chegarmos ao fim com pena de ter acabado, a nossa foi assim:

Alguns dias antes enviaram um questionário para nós respondermos sem pensar muito: 
1. O que foi o melhor e o pior deste ano?
2. Se o nosso coro fosse um animal, que animal seria?
3. Se pudesses dar livre curso à tua fantasia, qual seria o teu desejo para o próximo ano?

Também pediram que enviássemos algumas fotos tiradas nos eventos do coro, e preparássemos uma história engraçada de Natal que quiséssemos contar a todos. 

Por causa do trabalho perdi a parte das fotos e das histórias. Cheguei no momento em que nos deram uma lista de coisas que tínhamos de juntar em menos de 3 minutos. Enquanto o nosso pianista tocava uma peça de 3 minutos, nós desatámos a correr pela casa em busca de:
- uma fotografia com mais de 10 anos
- um sapato de ir a concertos (esse foi fácil: uma pantufa, porque ultimamente só vou aos concertos no digital concert hall)
- algo feito à mão por nós próprios
- algo de desporto
- o meu livro favorito
- um postal com uma paisagem

Quando o piano se calou voltámos aos nossos lugares, e cada um mostrou as suas coisas e contou as respectivas histórias. Para mim, este foi o momento alto da festa de Natal: nunca estive tão próxima dos meus colegas de coro como neste momento em que mostravam uma fotografia do casamento, ou de algum filho, ou de uma palermice qualquer, ou o leque de tai-chi, ou o colchão de yoga, etc.

Depois estivemos a apreciar os adereços de Natal que alguns tinham posto em si próprios (o meu favorito foi a nossa solista, que meteu a cabeça dentro de embrulhos de Natal, com luzinhas a piscar à volta).

Outro dos momentos altos da festa foi a leitura das nossas respostas, arranjadas num texto muito bem composto que nos fez sorrir e soltar uma ou outra lágrima: ouvindo o que alguns têm encontrado de bom neste estranho tempo, sorrindo com os desejos mais divertidos, rindo com os animais malucos que inventaram. 

No fim cantámos da mesma maneira que temos ensaiado ao longo de todos estes meses: o pianista a tocar a peça, e nós a cantar com ele, cada um em sua casa. Entoámos uma canção de Natal da RDA que eu não conhecia, e é muito bonitinha:


As pessoas foram saindo a pouco e pouco, até que ficou apenas um pequeno grupo a saborear até ao último momento o copo de vinho e a presença dos outros. 

Nunca pensei que uma festa de Natal no zoom me pudesse deixar com o coração tão cheio. 
E já combinámos que na próxima festa - que será com certeza ao vivo! - vamos repetir o jogo dos objectos.