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20 novembro 2021

um Corão na minha casa

 


Ao arrumar o apartamento airbnb descobri entre os livros de decoração que por lá há uma edição de luxo a explicar o Corão. 

Então que é isto? Terá sido esquecimento, ou intencional?

Inclinei-me para intencional - ninguém mistura os seus próprios livros aos que estão pousados nos móveis a fazer de conta que é shabby chic - e senti-me invadida. Depois comecei a pensar quem terá sido - o egípcio que até trouxe um tapete para rezar? Era muito simpático e delicado, mas se calhar é assim que uma pessoa se engana... Ou terá sido um dos jovens que trabalhou numa start up e tinha um nome "estrangeiro"? Também era muito educado e simpático, mas...

Estava nesta dinâmica de largar os meus preconceitos todos contra algumas das pessoas que por cá passaram nos últimos tempos, e de repente lembrei-me que tenho nesse apartamento alguns livros infantis de que os meus filhos não gostaram muito, e não conseguimos vender numa das nossas garage sale (vá-se lá saber porquê...). Como não tenho onde pôr, deixei ficar por lá. Se alguém roubar, não me incomoda: assim como assim, são livros que não queremos. Entre eles, há vários de temas religiosos. O abecedário da Bíblia em inglês, objectos e histórias da Bíblia, coisas assim. 

E foi então que me caiu a ficha: para um muçulmano fervoroso, pode ser um pouco desconfortável dormir num quarto onde há uma série de lombadas a dizer Bíblia isto e Bíblia aquilo. Bem sei que é a minha casa, mas pode ser sentido como provocação, ou pelo menos vontade de missionar. 

Continua a parecer-me errado terem deixado aqui um Corão. Tanto mais que sinto um certo prurido em espetar com ele no contentor do papel. Mas esse gesto de alguém que por aqui passou, e era simpático e educado, permitiu-me sair da própria pele, e perceber como outros se podem sentir na minha casa. 


18 setembro 2021

histórias do meu airbnb (no tempo em que havia turistas em Berlim)


Histórias que encontrei no baú do facebook: 1.
Coisas do meu airbnb: pessoas que têm um apartamento com cozinha e terraço enorme ao preço de albergue de juventude, e se queixam que eu não lhes dou toalhas lavadas todos os dias (e duas para as senhoras).
Agora estou a pensar se digo que as toalhas custam 2 euros cada, ou se aviso que quem quiser mais de uma toalha durante a estadia tem de a trazer de casa.
Outras coisas do meu airbnb: pessoas que limpam a maquilhagem, os sapatos, as malas, o caraças às toalhas brancas - e eu depois a lavar aquilo a 90º com lixívia para tentar tirar as nódoas.
Quanto mais experiência com airbnb tenho, mais admiro o pessoal dos hotéis. No airbnb, as pessoas ainda tentam fazer boa figura para levarem boa nota na avaliação final. Imagino esta gente nos hotéis, a fazer o que lhes apetece porque não tem nada a perder.
2.
E também houve aqueles hóspedes airbnb que queriam entrar às oito da manhã e sair uns dias depois às seis da tarde. Disse-lhes que não tencionava tirar os hóspedes anteriores da cama às seis da manhã para o apartamento estar pronto para os receber às oito, e eles pagaram uma noite mais, mas de má cara. Também não era possível sair às seis da tarde porque eu pedi aos que vinham a seguir que entrassem às duas (eu própria ia sair da cidade a seguir), e quando souberam que os outros entravam antes da hora
anunciada para fazer o check in, queixaram-se que eu só abria excepções para os outros, fizeram um banzé desgraçado. Impossível explicar-lhes que eu não fiz uma excepção para os outros, antes lhes pedi o favor de virem mais cedo...
(E depois, metade do dinheiro vai para impostos, snif snif snif. Se o Schäuble ao menos me ajudasse a aturar estes malucos, mas nâo. É só meter o dinheirinho ao bolso.)
3. Atão, vá, para não pensarem que isto é só chatices, uma história engraçada do meu airbnb: no dia do jogo do Champions League (espero que tenha sido isso) aqui no Olympia Stadion tive um casal de polícias catalães, que dormiu, foi ao jogo e de lá seguiu para o aeroporto, para apanhar o primeiro avião da madrugada. Quando eles estavam a sair cruzaram-se com os hóspedes seguintes, dois malaios (ou seriam paquistaneses? já me esqueci) que vinham deixar as malas, iam ao jogo, e depois vinham dormir.
Os malaios apareceram duas horas antes do combinado. Disse-lhes que o quarto deles ainda não estava limpo. Entraram para deixar as malas, olharam em volta, e perguntaram: "quer limpar o quê?!"
Olhei também: os catalães tinham deixado o quarto impecável. Gaguejei: beeem, de facto está muito limpo, mas mesmo assim...
Olharam para mim com um ar incrédulo. Insisti: a casa de banho...
- A casa de banho está perfeita, disseram eles.
- OK, então vou buscar outras toalhas e roupa de cama.
- Roupa de cama? Qual é o problema desta aqui?
- Dormiram pessoas nela!
- Uma noite? Isso é lá motivo para mudar a roupa de cama?!
Foi então que resolvi impor-me e mostrar quem manda. Fiz cara de muita determinação, e disse-lhes:
- Ao menos as fronhas!
Cederam.
(Claro que continuei a mudar toda a roupa do apartamento entre uns hóspedes e outros. Mas fiquei a pensar que há outras maneiras de estar na vida, e são mais ecológicas.)


04 fevereiro 2020

aqui onde me vêem, desconfio que sou a primeira vítima do Corona em Berlim...

"Hi Helena,
Regret to inform you that Asian Apparel Expo 2020 has been postponed due to Corona Virus syndrome.
Therefore, I would like to cancel my booking at your place.
Thank you."

Esta mensagem de cancelamento da reserva nos meus quartos airbnb, que chegou enquanto eu dormia, abriu-me os olhos para a ameaça que o vírus Corona representa para a economia mundial. 

(Estou a brincar, mas é mesmo um caso muito sério.)

15 outubro 2019

ar fresco

Esta semana tenho no apartamento do rés-do-chão uma família com filhos adolescentes.
Ao contrário da esmagadora maioria dos miúdos desta idade, estes, quando falam comigo, olham-me nos olhos e abrem a cara toda num sorriso genuíno.
O bem que faz! Quase me dá vontade de inventar pretextos para falar com eles, e saborear mais uma vez o milagre daqueles sorrisos.

Há dois anos tive uma família suíça com duas meninas de 7 e 9 anos, que ficaram um mês inteiro a aprender alemão. Sempre que entravam no jardim olhavam para cima, para a janela do meu escritório. Se me viam, e eu a elas, acenavam. Encantadoras.

Temos recebido outras famílias com crianças que também cumprimentam, mas apenas por boa educação. Boa educação já é melhor que nada, claro, mas não é aquela espécie de ar fresco nas relações sociais que torna certas pessoas especiais e inesquecíveis.

Estas diferenças que vou observando no trato das crianças e dos jovens que nos visitam levam-me a olhar para as nossas experiências como família: penso na satisfação do Matthias, aí pelos sete anos, na festa do 70º aniversário de uma vizinha: sentado à mesa, a conversar naturalmente com o bando de irmãos da aniversariante, e a sair da festa muito feliz e orgulhoso por causa da longa troca de ideias que tivera com todos aqueles adultos. Penso na Christina também por essa altura, sempre atenta aos colegas de nível social mais desfavorecido - não para lutar contra a injustiça da marginalização mas por se interessar realmente por eles. E lembro-me de um chefe da UCSF que adorava os nossos filhos porque gostavam muito de conversar com ele. Um dia que um deles queira experimentar a UCSF, encontra lá um aliado conquistado por mérito próprio na altura em que andava na escola primária, ou antes ainda.

Parece-me que a simpatia e a empatia não se ensinam, e não será com certeza falha dos pais se os miúdos adolescentes forem demasiado tímidos para suportar o olhar de estranhos. Mas aqueles que abrem a cara em sorrisos luminosos, aqueles que oferecem um olhar atento à pessoa que está à sua frente - esses terão com certeza um caminho muito mais fácil, porque ainda antes de dizer a primeira palavra já conquistaram o interlocutor.

Todos nós preferimos ar fresco.

--

Sobre os miúdos que nem sequer têm a boa educação de cumprimentar, pergunto apenas: será que os pais têm ideia das portas que se fecham no futuro dos seus filhos pelo simples facto de não terem tido a perseverança e a firmeza de lhes ensinar o básico das relações sociais?

Acredito que as regras de cortesia são a melhor estratégia para fintar a timidez: saber o que é esperado de nós em cada situação livra-nos do embaraço de tentar inventar um comportamento adequado perante estranhos.


11 dezembro 2018

ainda faço aqui uma filial da ONU


Diz-me o airbnb que desde 2015 já recebi em minha casa 567 pessoas, provenientes de 36 países diferentes. E parece que a maior parte deles gostou muito, de tal modo que já nem sei há quantos trimestres seguidos continuo a manter o selo de superhost.

E diz-me este mapa que já cá tive alguns japoneses.
Japoneses?! Não me lembro nada. Será que vieram disfarçados de americanos? É que também não me lembro nada de ter tido tantos americanos.

Não desfazendo, o que eu gostava era de ter quase só mães de família do sul da Alemanha. Deixam tudo impecável, até puxam o lustro às torneiras da casa de banho e tudo. Uma delas deu uma volta ao armário da cozinha - e ficou tudo tão bem arrumado que adoptei o método dela. Tenho andado a pensar convidá-la para ficar gratuitamente um mês inteiro, para arrumar os restantes armários da casa.

Também não me importava de ter mais daqueles - ai! esqueci de que país! talvez fosse a Malásia, talvez fosse o Paquistão - dois homens jovens que não me deixaram limpar o quarto nem mudar a roupa da cama. Disseram que estava tudo impecável. Só depois de insistir consegui mudar as fronhas de almofada. Penso que já falei deles aqui, mas repito-me porque continuo muito impressionada com aquele exemplo.

É óbvio que mudo sempre as roupas de cama antes da chegada de novos hóspedes, embora às vezes, quando estou a fazer todas aquelas máquinas de roupa, me pergunte o que os nossos tiques de primeiro mundo andam a fazer ao meio ambiente. Mas depois lembro-me do risco da sarna, da boa educação, da ASAE e coisas assim, e decido poupar o meio ambiente de outras maneiras.

Trinta e seis países, dizem-me. Já devia ter aqui muita matéria para firmar conceitos e preconceitos, mas não: não me tem sido possível fazer uma estatística sobre hábitos, vantagens e desvantagens dos nacionais de cada país. Nestes três anos só me têm acontecido pessoas, em vez de nacionais.


02 outubro 2018

passarinhos

Os pássaros nascem na ponta das árvores, dizia Ruy Belo, mas no meu jardim nascem dentro das flores. Basta largar os olhos nos girassóis ou nas roseiras e lá aparecem eles de restolhada. Volteiam alvoroçados, e depois desaparecem por trás da sebe e mergulham no outono de um jardim vizinho. 

Ontem fui à cozinha do meu airbnb conhecer as novas hóspedes, que chegaram durante a noite, e dar-lhes algo que me tinham pedido. Bati à porta, ouvi uma enorme agitação, disseram-me para entrar. Eram três: pequeninas, franzinas, delicadas. Volteavam alvoroçadas na cozinha, desfaziam-se em sorrisos e "hello" e "thank you".

Esta semana tenho passarinhos no meu airbnb. 



07 agosto 2018

fossem todos os hóspedes airbnb assim!


Esta semana calhou-nos em sorte uma família italiana amorosa. Pai, mamma, dois filhos, assim:

Primeiro dia: entraram-nos em casa com um salame da terra deles (e muitos sorrisos, e: "não ponham no frigorífico!"). Dei-lhes uma garrafa de Casa das Buganvílias fresquinho para o jantar. O salame, não sei que é que tinha, mal o abri começou a mingar de uma forma espantosa. Nunca vi nada disto. Talvez seja por causa do calor (o vinho verde também se lhes evaporou depressa).
Segundo dia: respeitosamente, perguntaram se podiam convidar um amigo para jantar. Claro que sim. Ao fim da tarde precisámos de ajuda para mudar uma mesa de lugar, e eles - que já estavam preparados para começar a jantar no terraço, com o Fox instalado no que entretanto se tornou o seu lugar cativo debaixo da mesa - vieram: o pai, o filho e o amigo. Ofereci-lhes um prato de pêssegos que a mãe de uma vizinha me tinha dado do seu jardim ("vocês são boas pessoas, merecem!", disse ela ao passar-me para as mãos uma caixa cheia de pêssegos, maçãs e peras) (sim, reconheço que vivo numa realidade paralela e que nada disto é normal).
Terceiro dia: a Christina foi conversar com eles, e disseram-lhe que tinha sotaque romano, o que a deixou muito contente. Depois contaram-lhe que tinham ido ao lago dar um mergulho, mas não sabiam que havia lá gente nua, e voltaram para trás. (Ooooops! Esqueci-me de os avisar!)
Quarto dia: a mamma viu-me a passar com tomates e menta da horta e disse-me para voltar daí a 15 minutos. Era para me dar meio empadão de legumes, que estava a sair do forno para o almoço deles. Foi também o nosso almoço. Acrescentei ao deles (e ao nosso) tomates cereja de várias cores que tinha já maduros, prontos a colher.
Quinto dia: fez uns bolinhos de nutella, deu-nos alguns para provar.
Sexto dia: ao pequeno-almoço o Joachim comentou que estes podiam ficar para sempre aqui. Mas não - daí a uma hora já se estavam a despedir. O Fox ficou nas escadas a vê-los chegar à rua e entrar no carro, e quando os perdeu de vista deu meia volta, entrou em casa, e deitou-se na cama dele - que é o que faz quando está realmente triste.
Eu fui preparar os quartos para a família seguinte, pensando que ia ter muito trabalho porque quem cozinha todos os dias primo & secondo & dolce suja bastante mais do que quem nem sequer toma o pequeno-almoço em casa. Mas não: estava tudo impecavelmente arrumado e limpo!

A ideia inicial do airbnb era esta: partilhar a habitação e a vida. E às vezes, como na semana que acabou ontem, é uma óptima ideia. 

03 janeiro 2018

os meus hóspedes airbnb são melhores que os vossos


Os dois jovens casais gregos que estiveram cá uns dias, em Novembro, mandaram-me de presente de Natal dois postais (sim, cada casal escreveu o seu próprio) e guloseimas para mim e para o Fox.
E renovaram o convite: quando eu quiser ir à Grécia, fico nas casas deles. De graça.

(Estava na dúvida sobre o que fazer aos brincos que esqueceram aqui, e agora não tenho hipótese: vou ter mesmo de os devolver. A generosidade natalícia tem o seu quê de pedagógico, é só o que vos digo.)


09 outubro 2017

oportunidade

Estou aqui a pensar se aproveito esta semana para dar um arranjo aos parafusos.

(Há um congresso de psiquiatria em Berlim, tenho psiquiatras nos dois quartos airbnb.)


24 fevereiro 2017

se este rapaz não fosse já meu filho, tratava de o adoptar

No fim de semana em que saí com o meu coro houve mudança de turno cá em casa: saíram uns hóspedes do airbnb, e veio uma pequena família para o quarto maior, e amigos portugueses para o quarto mais pequeno. Combinei com os amigos portugueses que lhes deixava roupa de cama lavada para eles trocarem, mas tinham de ser eles a limpar o que fosse preciso. O Matthias, que está em exames, fez-me o favor de limpar o quarto e a cozinha para os do airbnb, e de abrir a porta a todos.

A meio da cantoria, recebi este sms:

"Correu tudo bem. Também limpei o quarto pequeno porque estava nojíssimo."



(Pequeno elogio ao trabalho infantil: este era o rapazinho que aos quatro anos preparava o pequeno-almoço da família. Quando nos levantávamos, já estava a mesa impecavelmente posta.)

("nojíssimo", hehehehe)



26 novembro 2015

a airbnb/Berlim e os refugiados

Ontem estive num encontro organizado pela airbnb de Berlim: uma conversa entre pessoas do UNHCR e quem tem quartos disponíveis para alojar refugiados.
Contaram que, ultimamente, todos os dias entram na Alemanha entre 6.000 e 10.000 refugiados. Há uma enorme onda de boa-vontade para os acolher, mas estes números são tão absurdos que ninguém consegue juntar as pontas: de um lado há quartos disponíveis e gratuitos para eles, do outro lado há pessoas a dormir em tendas. E também há a desconfiança: muitos refugiados têm medo de ir com alguém que lhes diz (numa língua desconhecida) que a paróquia x tem quartos para os alojar naquela noite.
O pessoal da airbnb perguntou-nos o que é que a empresa pode fazer para ajudar. Ando cá a pensar umas coisas, mas preciso de as amadurecer. De facto, o que é desesperadamente necessário é haver quem seja capaz de juntar as pontas.
Entretanto, a airbnb faz uma coisa muito útil nos países do corredor de refugiados: oferece alojamento gratuito aos voluntários que vão para essa região prestar apoio.

(Isto não é um post de publicidade paga, mas achei curioso esta empresa desviar as pessoas que lhes garantem o ganha-pão para uma causa que lhes vai custar dinheiro - ou, explicando melhor: se eu optar por arrendar os meus quartos a refugiados, a airbnb vai deixar de ganhar comigo. Ontem explicaram a quem nos devemos dirigir e quanto é que podemos receber do Estado alemão para um arrendamento de dois meses a refugiados. E o chefe ainda perguntou: "como é que a airbnb pode ajudar?")


11 novembro 2015

Paris!

Se bem me lembro, já não ia a Paris há mais de dez anos. Da última vez foi no fim de um Verão. O Joachim regressou à Alemanha mais cedo, mas os miúdos e eu ficámos em Portugal até ao fim das férias escolares. Quando não dava para adiar mais, enchemos o carro de malas, livros, e milhentos suportes da saudade. Uma vez cheio até não poder mais, ainda despejámos para as dobras daquela tralha toda um saco de batatas que a vizinha tinha tirado do campo, e cebolas, e limões, e mais alguns livros, e zarpámos a caminho da Alemanha. Uma viagem memorável! Tínhamos três CDs - o do filme Chicago, um de Taizé e um do Augusto Canário (o Matthias tinha-o visto ao vivo nas festas da terra, e ficara muito impressionado; eu comprei logo um CD, porque sei que todos os caminhos vão dar a Roma, desde que falem português, e o rapaz até então tinha-se recusado a falar a língua da sua mãe). Lá íamos nós a intercalar as obscenidades à Irene de Gaia com "praise the Lord, my soul" e "he ran into my knife ten times", seguido de gargalhada velhaca, quando começámos a ver placas de Paris. "Por favor, mãe, nunca fomos a Paris!", pediram eles, e eu entrei na cidade com o carro enorme, o retrovisor atafulhado de tralha e batatas, e sem mapa. Demos várias voltas ao arco do triunfo porque eu pura e simplesmente não conseguia escapar da rotunda, entramos na praça Madeleine e eles aproveitaram o engarrafamento para sair e estudar a montra da Fauchon ("isto também é cultura!", disse-lhes), depois metemos pelo Louvre para ver a pirâmide, parámos em frente à Notre-Dame, saíram do carro para espreitar a torre Eiffel enquanto eu fiquei de guarda às batatas e às multas. Vimos o Eliseu uma boa porção de vezes, porque passava a vida a meter-se no nosso caminho, até que, finalmente, descobri como é que se fazia para regressar à auto-estrada para a Alemanha.

Paris está sempre ali, e muda pouco, penso eu - não é como Berlim, que se uma pessoa sai por um fim-de-semana, quando volta já reinventaram a cidade outra vez. De modo que nunca é o momento certo e inadiável para ir até à cidade das luzes, e assim vai a vida: em indecisão. Por sorte a airbnb veio em meu auxílio: ofereceu-me um bilhete para o Open de Paris, desbloqueou-me a incógnita da data certa.

Falei com a minha amiga, que dantes era parisiense e agora se ganhou para o mundo inteiro. Fizemos planos. "Queres um concerto de rock punk, ou uma esplanada no Marais?" Sempre que falo com ela é verão, até me esqueço que estamos em novembro e atiro: Marais! Num concerto de rock punk é difícil ouvir as milhentas histórias que quero saber dela.

E aqui estou eu, de novo sem mapa em Paris. Convencida que, depois destes dias, Paris nunca mais vai ser a mesma. Para mim, pelo menos.

--

Escrevi este texto no avião, e enquanto esperava a Carla. Depois disso tudo desatou a acontecer muito depressa e muito bem. Para já, estou ocupadíssima a tomar muito a peito cada momento nesta cidade. Depois, um dia destes, venho cá contar. Adianto apenas isto:

1.  A Filarmonia é prodigiosa (se aparecerem por aí imagens de uma senhora de vermelho e cara de embasbacada e de "dêem-me um beliscão porque suspeito que estou a sonhar", sou eu.

2. No café Shakespeare and Company, o meu olhar distraído fixou-se numa parisiense mesmo muito gira, que estava a trabalhar com um parisiense também jeitoso - estavam a discutir uns textos.
"Viste que a Nathalie Portman está aqui?", disse a Carla. Era a minha parisiense gira, e estava a preparar o próximo filme.
E é mesmo muito gira, esta minha parisiense.

3. Paris!
(Muito gostava eu de saber porque é que andei tantos anos a adiar esta visita.)


22 agosto 2015

sabem aquelas piadas do corrector automático?

Acabei de receber um sms de um homem que vai ficar uns dias no nosso quarto airbnb, e diz mais ou menos isto:

"Olá Helena,
segunda-feira é o dia. Chegaremos a Berlim a meio da tarde. Como é que costumas fazer para enfiar?"

Einstecken. Aposto que queriam dizen Einchecken (de "check-in").