Começo com "les bourgeois de Calais", nome inventado por nós para esta formação fascinante:
Segue-se a vista a partir da tenda, num dos mais belos parques de campismo que conheço. Paisagem magnífica, com imenso espaço entre as tendas dos diversos ocupantes. Mas infelizmente sem duches. Para nos lavarmos, enchíamos garrafões de cinco litros, e água vai. Às escuras, porque é um crime: felony.
(muito eu gostava de saber o nome deste crime em alemão ou português - começo a suspeitar que nestes países não existe...)
E desconfio que não foi o único crime que cometemos: à procura do sítio com mais sombra para montar a tenda, fartámo-nos de pisar terreno até aí virgem - ai a pegada ecológica!
Há inúmeras possibilidades de caminhadas naquele parque, e mais de 2.000 arcos naturais para ver. Como vem escrito no guia que nos dão à entrada, em dias de céu azul como os que lá passámos, é difícil imaginar que aquelas formações rochosas são o resultado de violentas forças (água e gelo, temperaturas extremas, movimentos subterrâneos) ao longo de muitos milhões de anos.
Sim, eu metia aqueles arcos todos nas gavetas "milagre" e "provas da existência divina", e ficava o assunto arrumado.
Um outro fenómeno difícil de explicar é haver tantos carros estacionados e vazios, e cruzarmo-nos com tão poucas pessoas nos trilhos.
Ficámos dia e meio neste parque, o que não chega para quase nada. Ainda assim, pudemos fazer uma caminhada inesquecível: ao fim da tarde, até ao Delicate Arch.
Não direi que foi fácil. O trilho consiste numa subida, por vezes bastante acentuada, de 2,5 km. Fazia quase 40º à sombra - mas não havia sombra.
O percurso passa ao lado de um rancho esquecido. Uma cabana minúscula, com um compartimento só, feita de troncos de árvore. Conta-se que foi construída pelo dono do rancho após a visita de uma filha sua, que ficou chocada com as condições em que ele vivia. Bem, se aquela cabana já era um melhoramento substancial em relação àquilo que existia...
Algumas semanas mais tarde, no museu de história americana em Washington DC, lembrámo-nos dessa cabana ao ler que Abraham Lincoln nascera e crescera numa log cabin.
O arco só aparece no fim da caminhada, por trás de uma formação rochosa. À nossa esquerda vê-se este conjunto de rochas monumentais (reparem nos vestígios de uma cascata enorme, do lado direito - este passeio deve ser muito recomendável na Primavera) e logo a seguir...
...logo a seguir, à nossa frente, o esplendor!
Escolhi esta fotografia por especial atenção a uma leitora deste blogue, que gosta muito de ter pessoas na paisagem para conseguir perceber as dimensões reais.
Nada mais fácil que fazer fotografias do Delicate Arch com pessoas lá perto - de facto, elas insistem em fotografar-se assim. Deve ser para aqueles típicos álbuns de férias "Olha eu feito formiguinha debaixo do Delicate Arch", "Olha eu feito formiguinha junto à Golden Gate Bridge", "Olha eu feito formiguinha ao lado do Big Ben".
Se bem entendi, é a isto que se chama o bug do milénio.
Naquele dia, enquanto o sol esteve tapado por nuvens, ninguém protestou demasiado. Mas quando chegou o momento mágico em que o sol, quase ao nível do horizonte, tingiu a paisagem de tons irreais, o pessoal desatou a gritar "buuuuuh! buuuuuh!" a uma formiga que para lá se dirigia. Confesso que tive pena do homem. Deve ter-se sentido assim mais ou menos como no Coliseu de Roma pouco antes de largarem os leões.
E então aconteceu isto:
Num dos momentos de sombra a Christina arriscou-se a fazer uma fotografia sob o arco. Contou-nos depois que é uma sensação incrível, e queria muito que nós fôssemos até lá para experimentar a força que se sente naquele local. Nós é que estávamos com medo dos "buuuh! buuuuuh!" do público em geral, e optámos por ficar sentados e quietos no nosso ponto de observação e encantamento.
A seguir, afoita, resolveu avançar cuidadosamente de gatas ao longo da parede rochosa bastante inclinada, porque queria fotografar o arco à contraluz.
No comments, que é como quem diz: eu não sei como é que os miúdos sobrevivem à própria adolescência, e os pais deles também. Confesso que me ia dando uma coisa má ao vê-la tão longe a fazer algo que me parecia perigosíssimo. E eu ali, a imaginar a minha filha a cair por um escorrega gigante, toda em susto os meus sais, ai! os meus sais! - nem sei o que isso é, mas consta que é o que se deve dizer nestas situações.
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