Mostrar mensagens com a etiqueta politicamente correcto. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta politicamente correcto. Mostrar todas as mensagens

19 dezembro 2024

linguagem woke

 

O Fox veio visitar-nos por uns dias.
Portanto: voltei ao lago.

No caminho, vi que estavam lá duas garças, e tentei fotografá-las só para vos provar que fui mesmo passear o Fox. Mas as malandras punham-se a andar (a voar) (*) sempre que me aproximava. Provavelmente resmungariam entre dentes (entre bico) (*) “esta chata não nos deixa tomar o pequeno-almoço em sossego!”

Depois vi que havia um tipo a nadar (hão-de ser praí uns zero graus negativos) (não me venham com histórias: com este frio, zero já conta como negativo!) e tentei tirar uma fotografia da roupa dele pendurada na sebe, só para vos provar que ele estava mesmo na água. Mas entretanto chegou uma cadelinha ao parque, e o Fox ficou muito interessado, e eu tive de me concentrar naquele novo assunto, de modo que não há fotografias para ninguém.


(*) Maldita linguagem woke! O trabalho que me dá mudar os meus hábitos linguísticos para os adaptar à realidade concreta dos outros, ai!, que maçada!..

11 julho 2019

cocó! (hihihihi)

Há tempos li um artigo de opinião no Spiegel online (infelizmente esqueci o nome do autor) onde se comparava o politicamente correcto à condução cuidadosa numa zona urbana com muitas pessoas.  A ideia era muito simples: se sei que há muitos peões nesta zona, se sei que há crianças a brincar, se sei que qualquer descuido meu pode provocar um acidente, naquela zona conduzo com redobrados cuidados. E nem por isso me vou queixar de que a minha mobilidade está em risco.

Traduzido o discurso dos opositores do politicamente correcto para os termos desta imagem, fica:

- Quero lá saber se há crianças e velhinhos a atravessar a rua! Tenho um bólide novinho em folha, estou numa rua para carros, tenho direitos. Saiam da frente, aqui vou eu!

A imagem também se aplica maravilhosamente à lamúria "sou um desgraçadinho, diga o que disser, há sempre alguém que se sente ofendido...":

- Tenho direitos! Estou a cumprir a velocidade legal dentro das localidades! Não tenho culpa que a rua seja estreita, sem passeios e cheia de peões. A cada metro, pumba!, mais um que se queixa que foi atropelado! Não me deixam conduzir como me apetece! Sou um desgraçadinho.

Num outro artigo de opinião na mesma revista, Ferda Ataman compara estas pessoas que querem  falar como lhes apetece, e sem se sujeitaram às peias da boa educação e da inteligência, a um miúdo de três anos que grita para o meio da sala "cocó!" e depois fica na expectativa, a ver como é que os adultos vão reagir. Como explicava a Françoise Dolto já há muitos anos: uma criança que diz "cocó!" para uma audiência de adultos sente-se muito poderosa.

Enfim, criancices.

Mas isto dá-me uma ideia. Para conseguirmos uma plataforma de entendimento entre os adeptos e os opositores do politicamente correcto, e lembrando ainda aquela piada da família que numerou as anedotas para as contar mais depressa ("37!" "hahahaha" "51!" "hehehehe, muito boa!" "15!" "oh, essa não se conta à mesa!"), quem quiser dizer o que lhe apetece sobre uma minoria podia anunciar simplesmente:

- Estou a dizer um cocó sobre os ciganos/africanos/judeus/mulheres/gays/desempregados/deficientes/idosos/etc. !

Dizia "cocó!", ficava aliviado, até podia entrar para as estatísticas ("em Julho aumentou exponencialmente o número de cocós xenófobos nas redes sociais") e o grupo alvo não se sentia espezinhado como nos casos em que alguém diz por extenso o que lhe vai nas tripas.


03 dezembro 2017

pequena achega para o debate sobre o politicamente correcto

 
O Centro da Comunidade Judaica, na Fasanenstraße, em Berlim, foi construído no local onde havia uma sinagoga, que foi destruída no ataque que o III Reich conduziu contra os judeus a 9 de Novembro de 1938. O edifício é um projecto muito simples dos anos 50, com a excepção de um elemento na fachada destinado a realçar um pórtico recuperado da antiga sinagoga.

A inauguração foi em 1959, e o telegrama enviado pelo presidente da República, Heinrich Lübke, mostrava claramente o muito caminho que, 14 anos depois da guerra, ainda faltava andar no trabalho de confronto dos alemães com o horror do Holocausto. Escreveu ele (sublinhado meu):



"Felicito a comunidade judaica em Berlim pela inauguração de seu centro comunitário, que foi reconstruído na Fasanenstraße. O meu antecessor no cargo, o nosso respeitado Professor Dr. Theodor Heuss, afirmou na carta que escreveu a esta comunidade que o desgraçado 9 de Novembro de 1938 foi um dia de crime e violação da legalidade. A reconstrução deste centro é um sinal encorajador da consolidação crescente das novas comunidades de nossos cidadãos judeus. Associo ao retorno da comunidade judaica à Fasanenstraße a esperança de que a nossa convivência volte a ser tão natural como aquela proximidade entre alemães e judeus de que Berlim era justamente um símbolo, antes de ambos os povos terem sido atingidos por um período bárbaro da História.

1. "ambos os povos" - como se os judeus alemães não fossem alemães;
2. "um período bárbaro da História" - o III Reich como uma espécie de catástrofe natural, algo exterior aos alemães;
3. "ambos terem sido atingidos" - por inacreditável que pareça, em 1959 o presidente da República Federal Alemã punha criminosos e vítimas no mesmo plano.

O politicamente correcto, hoje em dia tão criticado, nasceu da necessidade de olhar atentamente para as palavras, especialmente para a sua carga iníqua e ideológica. Aquela frase do presidente seria impensável na Alemanha actual. A quem se queixa da ditadura do politicamente correcto, porque "há sempre alguém que se ofende com o que foi dito", pergunto se preferia que continuássemos no tempo em que se falava do nazismo como um período bárbaro da História que atingiu tanto o povo alemão como o judeu.

É só um exemplo.