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03 abril 2014

breviário para a quaresma (14)


Reza a lenda que Tamerlão invadiu uma região da Arménia e deu ordens para escravizar o seu povo. O bispo fez um acordo com ele: deixava entrar os arménios na igreja até esta encher, e podia escravizar todos os outros. Tamerlão anuiu.
As pessoas começaram a entrar na igreja. Um após outro, dezenas, centenas, milhares.
Tamerlão estava estupefacto: como era possível numa igreja tão pequena caberem tantos?
Olhou para cima, e viu muitas pombas que saíam do telhado.
Eram os arménios.


02 abril 2014

breviário para a quaresma (13)


* Cena do filme "Ravished Armenia", feito em 1919, a partir do relato de uma sobrevivente:




Se quisesse resumir o horror do genocídio arménio numa imagem, era esta.
Será que os turcos que se lembraram de crucificar jovens mulheres arménias imaginaram o poder simbólico desta cena?

Disseram-lhe, pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele disse-lhes: Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei. João 20:25




* Alguns dos arménios crucificados por turcos foram ajudados por beduínos que passavam, os salvavam daquela tortura e os levavam na sua caravana. Como tantas vezes, os gestos de maior humanidade vêm dos que não estão instalados.

Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram'. Eles também responderão: 'Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou enfermo ou preso, e não te ajudamos?' (Mateus, 25:36-46)


Aconteceu há 99 anos. Continua a acontecer - com outros motivos, outras religiões, outros ódios e outras formas de crueldade.


E nós, que fazemos?


31 março 2014

breviário para a quaresma (12)

Um sistema que só funciona com crescimento...

...e entra em crise sempre que o crescimento pára, não é estável nem do ponto de vista social nem do económico. De momento, há a tendência para reduzir a política ecológica à tecnologia e ao "crescimento verde" - o que é compreensível, mas também é errado.

Os avanços tecnológicos são muito necessários. Tão necessários quanto inovações sociais e uma mudança cultural que nos leve para lá da obrigação do "eterno mais" e (re)cultive valores imateriais: de uma formação alargada até novos sistemas de troca alheios à economia monetária, passando pela participação cívica.

Actualmente, e por todo o mundo, as metrópoles são espaços privilegiados de experiências, e laboratórios sociais para inovações culturais. Fenómenos como "Transition Towns" (cidades em mudança), "Commoning" (utilização, manutenção e desenvolvimento comunitário de bens públicos), ou "Social Banking" (regresso do sector financeiro à sua função de apoio ao desenvolvimento sustentado da sociedade e da economia real) deviam ser cuidadosamente observados e entendidos pela Política. Caso contrário, ela ficará à margem destas mudanças e continuará a perder legitimidade.


Reinhard Loske, "A técnica verde não basta! Por uma verdadeira mudança cultural."

(aqui, März 31)

(e aqui, todos os dias)


14 março 2014

breviário para a quaresma (9)



Encontrado há dias no facebook:

Lá fora passa um carro de som com uma voz esganiçada a mobilizar as gentes destas aldeias para um carnaval em plena Quaresma já que o S. Pedro tramou o original.
Eu, a ateia, fico indignada: mas será que já nada é sagrado?!

E volto à página 17 do livro que acabei de ler e cujo efeito na minha vida ainda não sei bem como avaliar.
Chama-se Eating Animals e o autor Jonathan Safran Foer.
Estava na estante há uns anos e calhou lê-lo agora. Se quisermos ser muito simplistas poderemos dizer que é um livro sobre a crueldade sobre os animais (os que comemos) e sobre a possibilidades do vegetarianismo. É muito mais do que isso. Como suspeitarão se tiverem paciência de ler este excerto.
É que há coisas que têm de ser sagradas.


LISTEN TO ME
“We weren’t rich, but we always had enough. Thursday we baked bread, and challah and rolls, and they lasted the whole week. Friday we had pancakes. Shabbat we always had a chicken, and soup with noodles. You would go to the butcher and ask for a little more fat. The fattiest piece was the best piece. It wasn’t like now. We didn’t have refrigerators, but we had milk and cheese. We didn’t have every kind of vegetable, but we had enough. The things that you have here and take for granted. . . . But we were happy. We didn’t know any better. And we took what we had for granted, too.
“Then it all changed. During the war it was hell on earth, and I had nothing. I left my family, you know. I was always running, day and night, because the Germans were always right behind me. If you stopped, you died. There was never enough food. I became sicker and sicker from not eating, and I’m not just talking about being skin and bones. I had sores all over my body. It became difficult to move. I wasn’t too good to eat from a garbage can. I ate the parts others wouldn’t eat. If you helped yourself, you could survive. I took whatever I could find. I ate things I wouldn’t tell you about.
“Even at the worst times, there were good people, too. Someone taught me to tie the ends of my pants so I could fill the legs with any potatoes I was able to steal. I walked miles and miles like that, because you never knew when you would be lucky again. Someone gave me a little rice, once, and I traveled two days to a market and traded it for some soap, and then traveled to another market and traded the soap for some beans. You had to have luck and intuition.
“The worst it got was near the end. A lot of people died right at the end, and I didn’t know if I could make it another day. A farmer, a Russian, God bless him, he saw my condition, and he went into his house and came out with a piece of meat for me.”
“He saved your life.”
“I didn’t eat it.”
“You didn’t eat it?”
“It was pork. I wouldn’t eat pork.”
“Why?”
“What do you mean why?”
“What, because it wasn’t kosher?”
“Of course.”
“But not even to save your life?”
“If nothing matters, there’s nothing to save.”



08 março 2014

breviário para a quaresma (8)

(continuo a numeração do ano passado)




As pessoas procuram raízes - nem que seja de rabanete ou beterraba. No meio da cidade, entre contentores de reciclagem de vidro e caixas de esgoto, começam a cavar, a regar, a arrancar ervas daninhas - desligam o telefone e trabalham a realidade com a enxada. Aqui, o homem deixa de ser o utilizador de Pods e Pads, deixa de ser o objecto de interesses exteriores. É ele próprio quem cava e quem colhe, dá-se conta do seu ser com todos os sentidos, especialmente quando é atacado pelas urtigas. Durante muito tempo a cidade foi considerada o lugar cujos habitantes se sentiam felizes por estarem finalmente livres dos trabalhos do campo e independentes das intempéries. Parece que este processo de emancipação está a tomar um novo sentido: livre é aquele que tira cenouras da terra. O Urban Gardening está a tornar-se algo muito mais importante que um mero sonho de Verão dos filhos da sociedade de bem-estar. Nas hortas urbanas cresce, ao lado dos legumes, uma mudança cultural.

Hanno Rauterberg

(aqui, März 8)


a Arte de SobreViver

Do Breviário para a Quaresma de 2014, preparado pela Misereor:

Estar a salvo da fome é um direito humano básico. Inclui o direito a alimentação saudável e adequada, que se cumpre quando "todos os homens, mulheres e crianças, sozinhos ou em conjunto com os outros, têm a qualquer momento acesso físico e económico a alimentação adequada, ou meios para sua aquisição."
A realidade é outra: actualmente há 840 milhões de pessoas vítimas de fome ou subalimentação - facto que deve ser considerado como uma das maiores violações maciças dos direitos humanos do nosso tempo. O número de pessoas cronicamente subnutridas ou a passar fome não tem baixado ao longo das últimas décadas, e ultimamente tem até tendência para crescer. 

Para a Misereor isto é motivo suficiente para, como já tem feito tantas vezes, pôr o dedo nas feridas destas violações de direitos humanos. Apontando o exemplo do Uganda, e sob o lema "a coragem é dar quando todos os outros tiram", procura-se identificar as causas evitáveis da fome e provocar as mudanças necessárias a nível nacional e internacional na política agrícola, nas empresas agro-industriais e no comportamento dos consumidores, procurando até uma autêntica mudança de cultura. 

São estes também os objectivos deste breviário para a quaresma de 2014. O título "a Arte de SobreViver" refere-se tanto ao esforço de sobrevivência de muitas pessoas, como à arte de viver que, perante a fome que grassa no mundo, nos confronta com a nossa responsabilidade. "Arte de viver" significa viver de modo a que todos possam ter uma vida digna, significa justiça social e sobretudo solidariedade para com aqueles que lutam pela sua sobrevivência.

***

Durante a quaresma, a Misereor envia todos os dias por e-mail um pequeno texto (eu recebo em alemão, inscrevi-me aqui). Em vez de nos propor as habituais privações voluntárias desta época litúrgica (não beber álcool, tornar-se vegan por umas semanas, não comer doces, ou outros do género), sugere que usemos uns minutos do nosso dia para pensar num futuro diferente, e no nosso papel na sua construção.


14 março 2013

Francisco

Do site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura:

Apontamentos para um perfil:

(...) Asceta e austero, o novo arcebispo ignora a pomposa residência episcopal da capital argentina para viver sozinho num pequeno apartamento perto da catedral e recusa carro com condutor em detrimento do autocarro e do metro.
Apesar da saúde frágil – extraíram-lhe parte do pulmão direito aos 20 anos – leva uma vida ascética e levanta-se às 4h30 da manhã para um dia de trabalho que começa sempre pela demorada leitura de uma imprensa a quem não deu mais que uma entrevista. O novo papa é conhecido por falar pouco mas ouvir muito.
Grande leitor, sobretudo de romances russos, com Dostoievsky à cabeça, e o seu compatriota Borges, aprecia também ópera e é um fervoroso adepto do San Lorenzo, um dos grandes clubes da capital argentina, fundado em 1908 por um padre.
Dos seus anos de pároco em Buenos Aires e na montanha guardou um forte sentido pastoral. Não desdenha confessar regularmente na sua catedral e faz tudo para estar próximo dos seus padres, para quem abriu uma linha telefónica direta. Não é raro vê-lo tomar uma sandes ao pequeno-almoço num restaurante com um dos seus sacerdotes.
Em 2009 não hesitou ir morar num bairro de barracas, em casa de um dos seus padres, então ameaçado de morte pelos traficantes de droga.
Em 2001 foi criado cardeal por João Paulo II. No mesmo ano a sua humildade impressionou os participantes no sínodo sobre o papel do bispo, em que foi relator adjunto, em substituição do cardeal Egan, arcebispo de Nova Iorque, chamado à cidade por causa dos atentados de 11 de setembro.
Tendo feito da pobreza um dos seus combates, este crítico aceso do neoliberalismo e da globalização tornou-se uma autoridade moral incontestável na Argentina e no exterior. Ao ponto de ser hoje, num país onde a oposição política é quase inexistente, a única verdadeira força a opor-se ao regime de Kirchner, de que não cessa de denunciar o autoritarismo.
Em 2005 a imprensa aliada de Kirchner acusou o padre Bergoglio, provincial dos Jesuítas durante a ditadura, de ter denunciado dois dos seus religiosos, que foram presos e torturados. Outros testemunhos, pelo contrário, lembram as energias que despendeu para conseguir a sua libertação.



Mensagem quaresmal do cardeal Jorge Mario Bergoglio (papa Francisco)
Buenos Aires, 13.2.2013, Quarta-feira de Cinzas


«Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes,
convertei-vos ao Senhor, vosso Deus,
porque Ele é clemente e compassivo,
paciente e rico em misericórdia» (Joel 2, 13)

Pouco a pouco acostumámo-nos a ouvir e ver, através dos meios de comunicação, a crónica negra da sociedade contemporânea, apresentada quase com perverso regozijo, e também nos acostumámos a tocá-la e a senti-la em torno de nós e na nossa própria carne.
O drama está na rua, no bairro, na nossa casa e, por que não, no nosso coração. Convivemos com a violência que mata, que destrói famílias, aviva guerras e conflitos em muitos países do mundo. Convivemos com a inveja, o ódio, a calúnia, o mundanismo no nosso coração. 
O sofrimento de inocentes e pacíficos não deixa de nos esbofetear; o desprezo pelos direitos das pessoas e dos povos frágeis não nos são tão distantes; o império do dinheiro com os seus efeitos demoníacos como a droga, a corrupção, o tráfico humano - incluindo crianças – a par da miséria material e moral são moeda corrente.
 A destruição do trabalho digno, a emigrações dolorosas e a falta de futuro unem-se também a esta sinfonia. Os nossos erros e pecados como Igreja também não ficam fora deste panorama.
Os egoísmos mais pessoais justificados, e não por causa disso menores, a falta de valores éticos dentro de uma sociedade que faz metástases nas famílias, na convivência dos bairros, vilas e cidades, falam-nos da nossa limitação, da nossa debilidade, e da nossa incapacidade de transformar esta lista inumerável de realidades destrutivas.
A armadilha da impotência leva-nos a pensar: Será que faz sentido tentar mudar tudo isto?  Podemos fazer algo diante desta situação? Vale a pena tentá-lo se o mundo continua a sua dança carnavalesca disfarçando tudo por um tempo? No entanto, quando a máscara cai, aparece a verdade e, embora para muitos soe anacrónico dizê-lo, reaparece o pecado, que fere a nossa carne com toda a sua força destrutiva, desfigurando os destinos do mundo e da história.
A Quaresma apresenta-se-nos como grito de verdade e de esperança certa que nos responde que sim, que é possível não nos maquilharmos e esboçarmos sorrisos de plástico como se nada se passasse.
Sim, é possível que tudo seja novo e diferente porque Deus continua a ser «rico em bondade e misericórdia, sempre disposto a perdoar», e encoraja-nos a começar uma e outra vez.
Hoje, novamente, somos convidados a empreender um caminho pascal até à Vida, caminho que inclui a cruz e a renúncia; que será incómodo mas não estéril. Somos convidados a reconhecer que algo não está bem em nós mesmos, na sociedade ou na Igreja, a mudar, a fazer uma viragem, a convertermo-nos.
Neste dia, são fortes e desafiadoras as palavras do profeta Joel: «Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao Senhor, vosso Deus». São um convite a todo o povo, ninguém está excluído.
Rasguem o coração e não as roupas de uma penitência artificial sem garantias de futuro.
Rasguem o coração e não as roupas de um jejum formal e de cumprimento que nos continua a manter satisfeitos.
Rasguem o coração e não as roupas de uma oração superficial e egoísta que não chega às entranhas da própria vida para a deixar tocar por Deus.
Rasguem os corações para dizer com o salmista : «pecámos». «A ferida da alma é o pecado: Oh pobre ferido, reconhece o teu Médico! Mostra-lhe as chagas das tuas culpas. E uma vez que ele não são ocultos os nossos pensamentos, faz-lhe sentir o gemido do teu coração. Leva-o à compaixão com as tuas lágrimas, com a tua insistência, importuna-o! Que ouça os teus suspiros, que a tua dor chegue até Ele, de modo que, no fim, possa dizer-te: “O Senhor perdoou o teu pecado”»" (S. Gregório Magno).
Esta é a realidade da nossa condição humana. Esta é a verdade que pode se aproximarmo-nos da autêntica reconciliação… com Deus e com os homens. Não se trata de desacreditar a autoestima mas de penetrar no mais fundo do nosso coração e cuidar do mistério do sofrimento e da dor que nos liga desde há séculos, milhares de anos... desde sempre.
Rasguem os corações para que por essa fenda possamos olharmo-nos de verdade.
Rasguem os corações, abram os vossos corações, porque só num coração rasgado e aberto pode entrar o amor misericordioso do Pai que nos ama e nos cura.
Rasguem os corações diz o profeta, e Paulo pede-nos quase de joelhos "deixai-vos reconciliar com Deus". Mudar o modo de vida é o sinal e fruto deste coração reconciliado por um amor que nos ultrapassa.
Este é o convite, frente a tantas feridas que nos magoam e que nos podem levar à tentação de endurecermos: Rasgai os corações para experimentar na oração silenciosa e serena a suavidade da ternura de Deus.
Rasguem os corações para sentir o eco de tantas vidas rasgadas e que a indiferença não nos deixe inertes.
Rasguem os corações para poder amar com o amor com que somos amados, consolar com o consolo que somos consolados e partilhar o que recebemos.
Este tempo litúrgico que inicia hoje a Igreja não é só para nós mas também para a transformação da nossa família, da nossa comunidade, da nossa Igreja, da nossa pátria, do mundo inteiro.
São 40 dias para que nos convertamos à santidade mesma de Deus; nos convertamos em colaboradores que recebemos a graça e a possibilidade de reconstruir a vida humana para que todo o homem experimente a salvação que Cristo nos ganhou com sua a morte e ressurreição.
Juntamente com a oração e a penitência, como sinal da nossa fé na força da Páscoa que tudo transforma, também nos dispomos a começar como nos outros anos o nosso "Gesto quaresmal solidário”.
Como Igreja em Buenos Aires que marcha rumo à Páscoa e que crê que o Reino de Deus é possível necessitamos que, dos nossos corações rasgados pelo desejo de conversão e pelo amor, brote a graça e o gesto eficaz que alivie a dor de tantos irmãos que caminham ao nosso lado. 
«Nenhum ato de virtude pode ser grande se dele não resulta proveito para os outros… Assim pois, por mais que passes o dia em jejuns, por mais que durmas sobre o chão duro, e comas cinza, e suspires continuamente, se não fazes bem a outros, não fazes nada grande». (São João Crisóstomo)
Este ano da fé que percorremos é também a oportunidade que Deus nos dá para crescer e amadurecer no encontro com o Senhor que se faz visível no rosto sofredor de tantas crianças sem futuro, nas mãos trementes dos idosos esquecidos e nos joelhos vacilantes de tantas famílias que continuam a dar o peito à vida sem encontrar ninguém que as sustenha.
Desejo-vos uma santa Quaresma, penitencial e fecunda Quaresma e, por favor, peço-vos que rezem por mim. Que Jesus vos abençoe e a Virgem Santa vos proteja.

09 março 2013

Quaresma - sábado da terceira semana


«Uma igreja. Um pároco. Uma empresa de mudanças. A igreja já não é utilizada, sendo esvaziada de todas as decorações sacras, incluindo o grande crucifixo sobre o altar. Restam apenas os bancos num espaço vazio. O velho padre parece não conseguir resignar-se a este destino e o sacristão apercebe-se disso.
Mas, em pouco tempo, um grande grupo de clandestinos à procura de refúgio entra na igreja e, com os bancos e com cartões, instala aí uma pequena aldeia. O sacerdote vê a sua igreja ganhar de novo vida mas, de fora, os homens da Lei tornam-se ameaçadores.» 
(da sinopse)

"Aldeia de Cartão" é um olhar profundo sobre um pároco que redescobre o sentido do mistério e, em particular, as virtudes da caridade.

27 março 2012

breviário para a quaresma (7)

ZEIT: A Europa só pode resolver os seus problemas actuais se acabar com o sistema capitalista? Não há uma maneira mais fácil?

Arundhati Roy:  Quem dera. Mas nos nossos oceanos já quase não há peixes. No mundo inteiro o nível dos lençóis freáticos está a baixar. A floresta tropical está a ser destruída para criar vacas. Tudo isso mostra como a definição europeia ocidental de Liberdade e Igualdade tem sido míope e teimosa. Foi sempre à custa dos outros. 

(aqui)

23 março 2012

música para a quaresma

Assistir a um ensaio de música coral com um maestro de um lado e uma cantora lírica do outro é uma experiência inesquecível:

Voz de um lado: A acústica desta igreja é maravilhosamente redonda...
Voz do outro lado: Não sei o que é que esta igreja tem, que falta profundidade à acústica!
Voz de um lado: É um coro excepcional.
Voz do outro lado: Não consigo entender bem algumas frases.
Eu: Mas o programa tem as letras, não tem?
Voz do outro lado: Sim, sempre ajuda um pouco.
Voz de um lado: Esta peça moderna é demasiado romântica para o meu gosto.

E por aí fora.
Pior que isto, só mesmo cair nas mãos de uma junta médica.

Mas nem as avaliações profissionais me impediram o ignorante prazer de fechar os olhos e me deixar levar pelas ondas que percorriam a igreja. O Heinrich Schütz, com os cantores espalhados por vários pontos da sala, ficava perfeito e envolvente. E os Fragmenta Passionis, do Rihm, surpreenderam-me em especial com os seus momentos quase fotográficos dos sons do mob. Muito bom.




 


A quem interessar possa: 

Sábado, 24 de março 2012, 16:00

Sophienkirche Berlim

Wolfgang Rihm
Fragmenta passionis
Heinrich Schütz
Musikalische Exequien op. 7
Wolfgang Rihm
Sieben Passions-Texte für sechs Stimmen
Raphael Alpermann, Cembalo/Orgel
Wieland Bachmann, Kontrabass
Aleke Alpermann, Violoncello
Solisten des RIAS Kammerchores, Sänger
RIAS Kammerchor
Hans-Christoph Rademann, Dirigent

17 março 2012

breviário para a quaresma (6)

Como até agora, mas mais! Olhamos para o presente como se fosse uma mera passagem para um mundo que nos oferece cada vez mais, e baseia a gestão de problemas futuros em estratégias expansionistas.

Portanto: se o petróleo está a desaparecer, escava-se mais fundo; se a água falta, tira-se o sal aos oceanos; se os peixes começam a faltar, os navios vão procurar mais longe. Olhemos para a automobilização crescente, o ritmo de crescimento das viagens aéreas, a contínua intensificação dos fluxos internacionais de mercadorias - por todos os lados se vê o mesmo: aumento do uso dos recursos, aumento da mobilidade, destruição da natureza, aumento das emissões. E não temos um plano B.

"A categoria finidade é tão inquietante para a nossa cultura como a ideia da sua própria morte para o indivíduo."


Harald Welzer


(daqui)

16 março 2012

breviário para a quaresma (5)

Sabendo que neste desumano país só podemos preservar a nossa dignidade se escolhermos o caminho da resistência, estar na prisão é apenas uma parte imprescindível da nossa dignidade... devido ao teu poema "massacre" estiveste preso durante quatro anos. Penso que valeu a pena.

Liu Xiaobo ao seu amigo, o poeta Liao Yiwu

(daqui)

15 março 2012

breviário para a quaresma (4)

Se há na Política um "instrumento milagroso" para o bem-estar, o amortecimento de desigualdades sociais, a redução do desemprego..., esse instrumento é o "Crescimento". Mas:

A nossa economia pode realmente crescer sem fim? O nosso mundo consumista tem futuro? O crescimento económico pode ser um objectivo legítimo dos países industrializados, numa altura em que a economia mundial já atingiu os seus limites ecológicos e mais de mil milhões de pessoas sofrem fome? Vamos poder continuar este caminho?

**

O crescimento como desejo e ideia central não domina apenas as multinacionais, as bolsas e os ministérios, mas também as nossas cabeças.

A procura de algo novo, de consumo e de crescimento está ancorada no mundo interior dos nossos desejos, esperanças e valores. Tornar-se alguém! Tornar-se sempre melhor, ir mais longe, fazer mais. Cada dia é dia de julgamento e prestação de contas, inspeccionado pelo rendimento, ordenado por lucro e prejuízo. Nenhum momento deve ser perdido, nenhuma acção deve resultar improdutiva. Alcançar em si próprio tanto mundo quanto possível (Wilhelm von Humboldt)!

Harald Welzer

(daqui)

06 março 2012

breviário para a quaresma (3)

Na Alemanha, há cada vez mais menores a viver em situação de pobreza. Uma vez que, nestes tempos, o grupo etário atingido em maior número e com mais forte impacto é o das crianças e dos jovens, começou-se a falar numa "infantilização da pobreza". 
Em números absolutos, há neste país 2,8 milhões de crianças e jovens com menos de 15 anos que sofrem devido a baixos rendimentos.
Este problema pode ter consequências psicossociais para as crianças, e impedir-lhes o acesso a muitas áreas sociais e culturais, ferindo de forma duradoura a igualdade de oportunidades.

(aqui, em alemão)

***

Curioso que um calendário preparado já há meses envie hoje este texto - hoje, quando por toda a Alemanha há greves no sector público para exigir aumentos salariais de 6,5 % (e pelo menos 200 euros para os grupos de rendimentos mais baixos) para compensar a estagnação do salário real que ocorreu nos últimos dez anos (o gráfico mostra a evolução do salário líquido - parte da barra em azul escuro - e a do salário real - a curva horizontal -, bem como o aumento dos impostos sobre o rendimento e das contribuições sociais - estas aumentaram imenso, particularmente na região da antiga RDA).


(fonte)

03 março 2012

breviário para a quaresma (2)

Penso que a China se encontra num momento muito interessante. O poder e o centro, tal como são comummente entendidos, desapareceram repentinamente devido à internet, à política mundial e à economia. A tecnologia da internet tornou possível libertar as pessoas dos antigos valores e sistemas – algo que nunca antes foi possível.
Estou inteiramente convencido que a técnica criou um mundo novo... Vivemos um tempo realmente fantástico.


Ai Weiwei







(de um calendário de quaresma, do Misereor)

01 março 2012

breviário para a quaresma (1)

Muitas vezes gostaria de não ser uma rapariga africana, mas uma libra inglesa...
Uma moeda tem a liberdade de viajar para um país seguro, e nós temos a liberdade de a ver partir. É isto o triunfo dos homens, a que se chama globalização. Uma rapariga como eu é controlada à chegada, mas uma libra pode saltar por cima da cancela e escapar aos homens em uniforme com boné, para entrar num táxi que já está à espera.
- Para onde quer ir, Madam?
- Para a civilização ocidental, e depressinha.

Little Bee

***

Nesta quaresma, a Misereor envia todos os dias por e-mail um pequeno texto (eu recebo em alemão, inscrevi-me aqui) subordinado ao tema "Viver com dignidade. Dar às crianças um futuro". Em vez de nos propor as habituais privações voluntárias desta época litúrgica (não beber álcool, tornar-se vegan por umas semanas, não comer doces, ou outros do género), propõe que tiremos uns minutos por dia para pensar num futuro diferente: construído pela atenção aos outros, a disponibilidade para agir, a procura da justiça, a abertura para mudar de vida, a resistência.