31 dezembro 2016

2017: vamo-nos a ele!

2016 foi um ano péssimo para este que pensávamos ser o nosso mundo, e 2017 não parece nada auspicioso.
De modo que desta vez, ao abrir o novo calendário, desejo muito mais que um bom ano a todos - desejo-nos bom trabalho. Não podemos ficar de braços cruzados a ver como vão sendo destruídas tantas das conquistas de séculos para um mundo melhor.
Bom trabalho, meus amigos. Vamos arregaçar as mangas, e lutar como melhor soubermos para que 2017 marque a viragem urgente.
Bom trabalho, meus amigos. Está nas nossas mãos. E que daqui a um ano possamos olhar para trás e sentir satisfação pelo que conseguimos avançar.

Até já.

23 dezembro 2016

feliz Natal (também para os nossos queridos trolls)

Ouvi este conto há mais de quinze anos, numa altura em que só associava a palavra "troll" a seres como o que aqui se descreve. Entretanto o mundo mudou, e o conto continua um belo apontamento para o Natal.

Era uma vez um troll que vivia escondido na floresta junto a uma aldeia. Fazia a sua vidinha, evitava o contacto com as pessoas e as pessoas evitavam o contacto com ele. Mas um belo dia o troll viu uma rapariga da aldeia, e apaixonou-se por ela. Começou a segui-la de longe, encantado com a sua graça. Com o passar do tempo decidiu aprender os modos dela, convencido de que o seu amor podia ser retribuído. Observava-a atentamente, e tentava imitar. E assim ia a vida, até que chegou o Inverno e ele viu a rapariga a enfeitar a casa com velas e um pinheirinho, e viu como num desses dias gelados vestiu um casaco quente sobre o seu vestido mais bonito e saiu de casa para ir à igreja, tal como todos os seus vizinhos. O troll ficou na orla da floresta a olhar para a igreja iluminada e a porta fechada, cheio de curiosidade. Que estariam a fazer lá dentro? Resolveu espreitar pela janela sobre a porta. Aproximou-se da igreja, subiu ao alpendre, e esticou-se para a janela. A neve sob os seus pés escorregou, e ele caiu no chão com estrondo. O padre correu para a porta, viu o vulto meio enterrado na neve, e perguntou:
- O que está a fazer aí?
O troll tartamudeou:
- Eu... eu... vim aqui porque quero tornar-me um ser humano.
O padre escancarou a porta da igreja, e convidou-o:
- Entre! Entre! Todos os que aqui estão vieram com esse mesmo objectivo.

--

Aos amigos ateus e agnósticos: bem sei que o caminho para a humanidade não passa exclusivamente, ou sequer necessariamente, pela religião, mas isto é só um conto de meia dúzia de linhas para dizer que todos estamos a caminho, e ninguém se pode gabar de já ter chegado.

Que cada um o faça à sua maneira, e que estes dias do Natal sejam felizes e fecundos para todos.


a sinfonia do mar



Como de costume, a minha vida veio ao meu encontro quando eu estava a fazer outra coisa qualquer. A filha de uns amigos perguntou se podia ficar na nossa casa uns dias, enquanto decorriam os ensaios para um concerto que ia ter na Filarmonia. Apareceu-me aqui com o seu sorriso largo, o violoncelo às costas. Vinha para tocar um concerto dedicado aos refugiados.

Eu tinha visto os folhetos, até me tinha interessado, mas acabei por perdê-lo de vista por culpa dos cientistas que ainda não me souberam clonar ou ao menos multiplicar as horas do dia. Mas a miúda ia e vinha, e contava dos ensaios, e foi-me deixando cada vez mais curiosa - de modo que fui.

A Filarmonia estava engraçada, com tanta gente de modos e roupas ligeiramente diferentes do que é habitual naquela casa. Mil pessoas a quem foram oferecidos bilhetes para um concerto muito especial, mais um entre os tantos gestos de acolhimento que a sociedade civil vai fazendo.

A primeira peça foi a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorák, para dar as boas-vindas aos refugiados que agora vivem entre nós. A segunda, que eu não conhecia, era A Sea Symphony, de Vaughan Williams, em memória dos refugiados que morreram no mar a caminho da Europa. Uma peça com momentos muito fortes, e outros de um lirismo comovedor.



Impossível ouvir esta peça neste contexto sem ficar com o coração apertado.

No início do concerto apresentaram uma iniciativa de oito berlinenses, entre os 19 e os 28 anos, que criaram uma rede de apoio europeia, juntaram o dinheiro suficiente para comprar um barco com capacidade para 100 pessoas, e pagar a uma equipa para salvar refugiados no mar. Começaram em Julho deste ano, e já salvaram mais de 6.500 vidas no Mediterrâneo. A associação chama-se Jugend rettet, "jovens salvam" (deve ser uma brincadeira, citando os concursos Jugend musiziert, para jovens músicos, e Jugend forscht, para jovens cientistas), e nasceu da vontade de ajudar onde os políticos estavam a falhar.


Mais informações sobre esta iniciativa: aqui, em inglês. Tem indicação do site para donativos directos, caso o eco da Sea Symphony sobre as tragédias do Mare Nostrum tenha tocado algum coração.

Dar dinheiro para trazer ainda mais terroristas para a Europa?, perguntarão alguns.
Deixar afogar 6500 pessoas em 6 meses, para não correr o menor risco de ajudar um terrorista a entrar na Europa?, pergunto eu. Isto é o rei Herodes no seu melhor: que morram todos, para que a minha vida permaneça como está.

Este é o tempo em que temos de escolher entre assumir os nossos valores humanitários, mesmo correndo o risco de pagar com a vida, ou sobreviver de costas viradas para os valores e o mundo, alheios ao sofrimento que nos entra pelo continente adentro. É o tempo de nos perguntarmos para que serve a nossa vida. Estes jovens berlinenses souberam encontrar uma resposta. 


22 dezembro 2016

aos terroristas de Berlim



Tradução:
(nota: o Rayk Anders estava furioso, e usou calão a torto e a direito. Eu traduzi o melhor que pude.)

Há menos de 24 horas aqui em Berlim, na Breitscheidplatz atrás de mim, uma pessoa entrou com um camião no mercado de Natal e, até agora - são 19:18 da terça-feira, 20 de Dezembro - contam-se 12 vítimas mortais. Também neste preciso momento o criminoso está a monte, e provavelmente anda armado. Tanto quanto eu percebo, e de acordo com as informações da polícia, esse criminoso, o homem que estava sentado ao volante, tanto pode estar a caminho de um país estrangeiro como pode estar a passar atrás de mim. Ninguém sabe. Ninguém sabe se essa pessoa é alta ou baixa, velha ou nova, se vem do Afeganistão ou do Paquistão ou da merda do Pólo Norte. Ninguém sabe.

Mas, ó pedaço de merda cobarde que estavas sentado ao volante, independentemente de onde vens e de onde estás agora: escolheste mal a cidade. Sorry! Berlim tem duas guerras mundiais nos ossos. Ainda hoje encontras em qualquer lar de terceira idade em Berlim alguém que te vai contar como os cadáveres estavam empilhados, e como esta cidade foi arrasada. A seguir foi dividida e separada por um corredor de morte com uns cabrões de uns atiradores de elite. Em Berlim, não consegues andar mais de 100 metros sem passar por um memorial contra a guerra, a perseguição e a morte. Ou seja: esta cidade sabe o que é o inferno.    
E agora vens tu, com o caralho do teu camião, aqui, a Berlim, assim, e pensas que consegues desestabilizar as pessoas? Os berlinenses?! Posso dizer-te o que se vai passar, posso dizer-to com exactidão: vamos cuidar dos feridos, vamos enterrar os mortos, e não vamos esquecer nunca. E depois vamos continuar. Os mercados de Natal estiveram fechados por um dia. Um dia. E não foi por medo. Foi por respeito. Em memória das vítimas. Os berlinenses são capazes de aguentar isto, e mais: cagam em ti. Em ti, a pessoa que ia ao volante, e nos possíveis cúmplices ou em qualquer outro que possa vir.

E este mercado de Natal aqui: pareceu-te o alvo perfeito, não foi? No coração de Berlim, junto à mundialmente famosa Igreja da Memória do Kaiser Wilhelm. Mas, será que olhaste bem, ó pedaço de merda? Viste que a torre da igreja está quebrada, viste que as paredes estão danificadas? Não é por acaso. Ó génio, foste atacar justamente o mercado de Natal que fica ao lado de um dos mais extraordinários monumentos de apelo à Paz. Não apenas para Berlim, mas para toda a Alemanha. E esta igreja vai estar em todas as imagens que darão a volta ao mundo, lembrando a todos que esta cidade já passou por situações bem piores, já passou por coisas horrorosas, e as pessoas ergueram-se de novo. Já passaram por muito pior, e continuaram a sua vida. É disso que as pessoas se vão lembrar. E é assim que vai ser. Os berlinenses serão livres. Irão rir, irão chorar, irão a festas, irão fazer o seu luto, mas serão livres. Talvez lhes roubes a boa disposição, talvez lhes estragues a leveza da atmosfera natalícia, talvez lhes possas até arrancar uma pessoa boa. Talvez possas fazer isso. Mas nunca lhes roubarás a liberdade.
Berlim é a cidade da liberdade. É o epítome da liberdade. O teu ataque cobarde não a mudou em nada.

[ADENDA: para quem fala alemão, recomendo muito a visita aos comentários deste vídeo. Muito informativo. Para quem não fala alemão: organizem aí um crowdfunding, e eu traduzo. :) ]


21 dezembro 2016

máxima imperturbabilidade



"O medo é uma cena que não me assiste", mas desde ontem comecei a olhar para a gaveta das cuecas com outros olhos: de manhã, escolho as que não sejam embaraçosas se tiver de ir de urgência para um hospital. Sinto-me cansada e sem energia, estou desconcentrada. Ontem, quase a chegar a casa, ao fotografar uma bicicleta na rua dei-me conta de que me tinha esquecido da minha na outra estação da S-Bahn. Hoje fui passear com o Fox para o lago - a luz rasa do sol de Inverno tornava-o lindíssimo, mas não me apeteceu tirar fotografias - e ao regressar, a fome lembrou-me que tinha saído de casa para ir à padaria e não ao lago.

Os meios de comunicação social falam de uma população berlinense que não se deixa impressionar. "Máxima imperturbabilidade" é um título do Spiegel. Sinto que é um pouco diferente: as pessoas estão mais próximas, mais atentas umas às outras, mais pacientes. Notei ao atravessar a cidade de carro (não havia as típicas buzinadelas "sai da frente!"), e também no metro. É certo que quase todos estavam como habitualmente entregues aos seus sms, jogos de telemóvel, jornais ou livros, mas quando entrou um grupo de músicos pedintes com a artilharia toda (gravação, trompete e melódica) e se puseram a interpretar "Hit the road, Jack" muito alto e muito mal, eu fiz uma careta bem-humorada e todas as pessoas à minha volta se começaram a rir. Geralmente consigo a cumplicidade de uma - ou duas, no máximo.

Tenho espreitado a página do Bild, porque costuma dar informações antes dos outros e com mais detalhes, mas vou começar a evitá-la de novo. O tom, os pontos de exclamação, a barulheira visual e as restantes notícias que aparecem na página põem-me doente.

Volto ao Spiegel online, onde tantas vezes encontro palavras ponderadas e sábias, e noto mais uma vez a importância de meios de comunicação social sérios para reforçar o comportamento maduro de uma sociedade.


1.
Roland Nelles fala da descoberta da nossa vulnerabilidade, e apela para que permaneçamos razoáveis.
Razoável é: Não propagar ainda mais o ódio, a desconfiança entre alemães, estrangeiros, muçulmanos, o Ocidente ou o Sul, o Leste. Histeria, xenofobia, e desatar a bater em tudo o que mexe não resolve nenhum problema e não ajuda ninguém.
Razoável é: Não iludir e não silenciar. O suspeito parece ter entrado no país como refugiado. O que constitui um problema. Por isso é preciso falar nas falhas de segurança na entrada dos refugiados, e reduzi-las. É preciso corrigir o que está a correr mal, e essa é uma tarefa dos governos, dos parlamentos e dos órgãos de segurança.
Razoável é: Reconhecer a nossa força: a Alemanha é um alvo dos terroristas. Mas também é uma Democracia forte. As instituições do Estado funcionam. Há muito que se temia a ocorrência de um atentado como este. Não há segurança absoluta contra o terror. Mas os órgãos de segurança já conseguiram evitar muitos outros atentados. Os terroristas e os seus apoiantes no país e no estrangeiro podem ser e serão perseguidos sem contemplações. Temos, entre outros, o §129 do Código de Direito Penal [sobre formação de associações criminosas], temos o Sistema de Informações, os melhores Procuradores da República, as melhores unidades especiais da Polícia.
Razoável é: Bloquear o caminho dos semeadores de ódio: quem se aproveita da situação, como os cínicos da AfD, para virar as pessoas umas contra as outras, está a fazer o jogo dos terroristas. Eles querem dividir-nos, pôr-nos inseguros e criar um conflito de culturas. O seu ódio deve sempre dar origem a novo ódio. Este é o caminho que leva à perdição, e não o devemos fazer com eles.  


2.
Algumas reacções nos jornais alemães:


Frankfurter Rundschau: Os terroristas têm sucesso. Além de provocar o medo e o choque, atiram outras pessoas para um frenesim cheio de ódio feito de fantasias violentas e raiva cega contra tudo o que é diferente. Naturalmente criam assim uma divisão no nosso país entre as pessoas tolerantes e solidárias e as pessoas intolerantes que se deixam orientar pela raiva e pelos medos. É óbvio que o barulho que fazem não nos deve iludir sobre a dimensão deste fenómeno de extrema-direita. São muitos, são demasiados. Mas estão longe de chegar ao número daqueles que não fazem alarde dos seus gestos de ajuda aos desfavorecidos, perseguidos, pobres e fragilizados. Esses que não papagueiam no twitter ou numa qualquer função de comentário a sua tolerância e disponibilidade para ajudar. Esses que acreditam no entendimento mútuo, na unidade, no equilíbrio social, na Democracia. 


Stuttgarter Zeitung: Este ataque abalou a nossa sociedade. Mas ela é, apesar de todas as diferenças, suficientemente forte para dar a resposta correcta: os valores que defendemos podem ser atingidos por um acto de terror, mas não podem ser destruídos por ele. Caso contrário, isso seria uma vitória para o terror. São estas as ideias que nos devem orientar quando o processo de luto dos mortos de Berlim o permitir.

Berliner Morgenpost (cuja capa é a fotografia deste post): O ataque da Breitscheidplatz aproximou-nos involuntariamente do sentido original da festa de Natal. Que vale a loucura dos presentes comparada com o valor de um convívio simples, bom e em segurança? "Paz na Terra", anunciam os anjos celestiais, e sobretudo: "não tenhais medo". É essa a mensagem eternamente correcta, simultaneamente consolo e desafio. As celebrações religiosas de Natal vão estar cheias, os berlinenses irão procurar o convívio com os seus concidadãos ainda mais que habitualmente, nem que seja por meia hora. Seja na igreja, com amigos ou com a família, este ano é a proximidade humana que pode, deve e vai marcar o Natal berlinense.

Morgenpost (Hamburgo): Na capa escreve em letras grandes, sobre uma bola de pinheiro de Natal, "não há espaço para o ódio". E acrescenta: "o terror em Berlim e os semeadores de ódio: por que motivos é importante agora manter a calma." 




3.
Bento, o segmento para jovens do Spiegel Online, tem um artigo sobre a interrupção do espectáculo do humorista Böhmermann (aquele que suscitou há tempos um debate acalorado devido ao poema satírico sobre o Erdogan) e do músico Olli Schulz, e partilha os vídeos que mostram os dois artistas consternados a improvisar no palco, procurando as palavras certas para a ocasião.
"Não sabemos o que dizer, mas esta não é a hora de continuar a fazer humor quando a 3 km daqui há pessoas a morrer. Quem quiser ir para casa pode ir, quem não quiser, ou tiver medo, pode ficar aqui. Quem tem pessoas lá fora, o melhor é sair e ir ver se estão bem. Muito importante: não espalhem rumores. Se acham que sabem alguma coisa, tirem os dedos do telemóvel e deixem a polícia fazer o seu trabalho. (...) Guardem os vossos bilhetes, havemos de descobrir uma solução. E ainda algo muito importante para todos: se tiverem o impulso de fazer uma manifestação para dizer que não nos deixamos destruir por isto, esqueçam. Morreram pessoas, é uma merda. Não há um sentimento certo sobre o que temos de ir apregoar por aí neste momento. Isso não significa que temos de nos apoucar e submeter, é simplesmente a decisão certa por uma questão de respeito. Vão para casa em segurança, vejam onde estão os vossos amigos, não espalhem boatos, e não dêem ouvidos aos cabrões que já estão a instrumentalizar isto para os seus objectivos políticos [muitos aplausos]. Recebemos agora uma informação: a polícia aconselha toda a gente a ir para casa. Vamos para casa." 


4.
E algumas reacções de pessoas em Berlim:


José Lima, 44, designer, vive em Berlim, é de Portugal: "Temo que depois deste atentado se assista à "trumpetização" da política alemã. Pessoalmente, confio nas estatísticas segundo as quais é muito pouco provável ser-se vítima de um ataque terrorista na Alemanha. A minha vida vai continuar igual, vou aos mercados de Natal, levo os meus filhos à escola e vou trabalhar."



Wolf G., 63, consultor financeiro: "Sinto impotência. O terror não está a diminuir. Pelo contrário. E de cada vez são ditas as mesmas palavras. Como berlinense, não encontro nos mercados de Natal, por exemplo, o menor indício de um conceito de segurança pública. Preferia que a Política agisse de outra forma - e tenho a sensação de que noutras cidades, como Munique, já o faz. Aqui em Berlim, parece que ainda estão a aprender. A situação é muito difícil: não podemos de modo algum suspeitar indiscriminadamente de pessoas com aspecto de estrangeiro e ter medo deles, como por exemplo os refugiados menores não acompanhados. Mas ao mesmo tempo, muitas vezes tenho de me dizer isso racionalmente e fazer algo contra o sentimento de medo."

 

Niklas Schelten, 19, estudante: "A caminho do trabalho passei pelo local da tragédia, vi as flores e os polícias fortemente armados, é deprimente. Mas a minha vida continua tranquilamente. É mais provável morrer num acidente de automóvel. Além disso, com tantos polícias agora sinto-me mais seguro que antes."


Tamara e Ali, estudantes, Karlsruhe (de visita a Berlim)
Tamara: "Sinto-me horrivelmente, tenho a sensação de que já não se está seguro em lado nenhum. Agora foi em Berlim, no verão tínhamos reservado uma viagem a Nice, e aconteceu aquele ataque. Sou a favor de controlarem melhor quem vem como refugiado para a Alemanha. E penso que é tempo de acabar com os mal-entendidos em relação a nós e não a outros só por terem determinada religião ou nacionalidade, preconceitos. Por exemplo: eu sou muçulmana, gosto do Natal, também temos um pinheirinho em casa. Penso que o terror não tem religião, em todo o lado há crimes horrorosos."
Ali: "Muitas vezes damo-nos conta de que as pessoas olham para nós com medo, sobretudo porque a minha mulher usa a cabeça coberta."

20 dezembro 2016

Berlim, 20.12.2016 - dança dos espíritos bem-aventurados

As irmãs italianas que compõem o duo Gazzana dedicaram o Lunchkonzert de hoje à memória das vítimas, e fizeram votos para que a música nos trouxesse alguns momentos de paz. Tocaram, entre outras, Hommage à J.S.B., uma composição de Valentin Silvestrov de 2009.
O encore foi a "dança dos espíritos bem-aventurados", de Gluck (a parte que no vídeo começa a 1:45).
Enquanto ponho as fotografias vou ouvindo - escolheram muito bem a música para esta tristeza.






Hoje a música espalhava-se no foyer da Filarmonia nítida e limpa como a luz depois de uma borrasca. Ou talvez não fosse no foyer, apenas em mim.
Depois do concerto, já no autocarro, reparei que as bandeiras da Filarmonia estavam a meia haste: Berlim, Alemanha, União Europeia.




O mercado de Natal da Potsdamer Platz estava fechado. Aliás: todos os mercados de Natal em Berlim estão fechados, e todas as bandeiras a meia haste. Os letreiros luminosos nas ruas e no metro exibem apenas uma frase: "De luto, e com as vítimas e todos os afectados."
 

O mercado de rua na Wittenbergplatz estava aberto. Parei na barraquinha de comida turca e russa. A senhora que me serviu o Börek disse que não tinha tido muitos clientes, mas que a vida tem de continuar, apesar de estarem todos cheios de medo. Olhei em volta, testando as possibilidades de ataque.



 



 "Em silenciosa memória. Também nos podia ter atingido a nós. O terror de direita no nosso país é tão perigoso como os perigos do exterior. Vamos permanecer juntos, todos unidos."








"De luto pelas vítimas. 
Pensando nos feridos. 

Pela nossa liberdade
e pelos valores
que não deixaremos que nos roubem."



"...e PAZ na TERRA"





Do outro lado da rua, o passeio estava parcialmente fechado. Uma polícia recolhia as flores e velas das pessoas, e ia pondo junto ao cartaz "Même pas Peur!"



Um homem perguntou a um polícia se era mesmo verdade que o condutor ainda andava fugido. O polícia disse que não tinha informações. Aproximei-me, e o homem desatou a dizer coisas sem nexo: claro que não podia ser aquele, como é que havia de se pôr tão depressa na Coluna da Vitória? De certeza que tinha cúmplices, alguém que veio ao lado, de carro, e lhe deu boleia  logo a seguir ao ataque. Que isto só se resolvia se todos pudéssemos ter armas.
Felizmente não temos! Ia ser ainda pior, disse eu.
Ele virou-se para o polícia: vocês têm esses coletes, não vos pode acontecer nada...
Depende da arma, disse o polícia, e sorriu.
Agradeci-lhe o seu trabalho, desejei-lhe ao menos algumas horas de Natal tranquilas, e ele sorriu outra vez.

Apanhei o autocarro para voltar para casa. O condutor estava a ouvir instruções dadas pelo intercomunicador por alguém com uma voz muito calma e agradável, que inspirava segurança. Depois avisou-nos: às três da tarde, todos os autocarros vão parar e fazer um minuto de silêncio pelas vítimas.
Fizemos o minuto de silêncio sem olhar para os outros. Même pas pleurer.

Quando entrei no autocarro seguinte, ouvi de novo a voz que dava indicações aos motoristas. Em tom seguro e apaziguador dizia o que fazer perante determinadas reacções dos passageiros ("...e nesse caso, levem a coisa com humor"), e como se devia processar a passagem de turno.

Entretanto acenderam-se as luzes de Natal no Ku'damm. O consolo da normalidade.

Arschlöcher! (Berlim, 19.12.2016)



Todos sabíamos que mais cedo ou mais tarde seria a vez de Berlim. Foi ontem. De momento contam-se 12 mortos e 48 feridos.

Esta é a praça onde aconteceu a tragédia. Tirei a fotografia recentemente - é um sítio onde passo com muita frequência. Mesmo assim, não me sinto pessoalmente afectada, nem penso que "escapei" ou que podia ter sido eu a vítima. Sinto apenas uma enorme compaixão para com as vítimas e os seus familiares. Espero que os médicos consigam salvar a vida de todos os feridos.





As imagens que tirei do site do Bildzeitung informam com clareza sobre o local e o percurso do camião.  Parece que o condutor é um paquistanês de 23 anos que entrou na Alemanha como refugiado há cerca de um ano. Terá roubado o camião a um motorista polaco, e terá passado duas horas a aprender a conduzi-lo.

Quando me marquei como segura no "incidente violento em Berlim", do facebook, a amiga com quem estava em Paris no 13 de Novembro perguntou se agora ando a "coleccionar isto". A gente ri. E vai continuar a rir. Eles que nem pensem que nos tiram a alegria. Hoje vou ao Lunchkonzert na filarmonia, como combinei ontem com uma amiga. E se o mercado de Natal da Potsdamer Platz estiver aberto, vou lá almoçar. Teimosamente. 

Não vou dizer que a vida continua, porque não é isso. A vida é. 
E não concedo a estes Arschlöcher o poder de a castrar.

No meio do choque, penso também em Bagdad. Quando terá sido o ataque terrorista mais recente naquela cidade? A wikipedia em alemão mostra uma lista de todos os ataques terroristas. Em português, mostram apenas os ataques ao mundo ocidental - o habitual "eles contra nós". Prefiro a perspectiva alemã: ataques contra a Humanidade.

Ontem à noite tive uma sensação de déjà-vu: ouvia a televisão na sala, e acompanhava a sucessão das notícias na internet. Como há 15 anos, na Califórnia, quando passei o dia 11 de Setembro sentada em frente a duas televisões ligadas lado a lado. As diferenças:
não mostraram vítimas; reportaram de forma relativamente calma; falaram na grande probabilidade de ser um ataque terrorista, avisando que ainda não está 100% confirmado, e que darão informações à medida que as forem recebendo da polícia; alertaram para o risco das fake news na internet; tiveram muito cuidado para não criar um pânico generalizado, e lembraram o que aconteceu em Munique - muito se aprendeu com os erros cometidos no dia do amok num centro comercial.

Esta manhã levei o meu marido ao trabalho, passámos muito perto do mercado e depois na rotunda onde prenderam o condutor. No Parlamento e na Chancelaria ainda não tinham as bandeiras a meia haste. Levei o carro à oficina. A cidade estava calma, e os condutores mais pacientes e atentos uns aos outros do que habitualmente. Atravessei Wedding, com a sua imensa quantidade de prédios dos anos 50 e 60 a lembrar que há 70 anos aquele bairro viveu o que hoje está a acontecer em Aleppo. Esta cidade sabe o que é ser bombardeada, sabe o que é fugir ao horror e ser ajudado. Não há como não ajudar quem está a passar pelo mesmo.
 

Na rádio Fritz, uma emissora berlinense para um público mais jovem, alternavam música com informações e comentários. Na meia hora do percurso até ao trabalho ouvimos que o camião estava nesse momento a ser levado da praça, e o apelo para que as pessoas não tirassem fotografias e muito menos as pusessem na rede. "Por piedade", disseram. Por respeito aos familiares das vítimas, para não serem confrontados com o objecto do crime. Já ontem a polícia tinha apelado para que as pessoas não filmassem cenas da praça, por respeito pela privacidade das vítimas. Um jornalista que, por coincidência, estava junto ao local quando a tragédia aconteceu, filmou com o telemóvel o trajecto do camião enquanto ia fazendo comentários. Teve o cuidado de não filmar os corpos dos mortos e feridos. No filme vê-se que foi insultado por várias pessoas por andar ali a filmar, e uma delas chegou a atirar-lhe o telemóvel para o chão.

Os locutores da Fritz falavam do seu próprio choque, e tentavam encontrar palavras de esperança: uma pessoa cometeu um acto desta violência, mas os sete ou oito mil milhões restantes não fizeram nada. Lembram o evidente: aquele condutor será antes de mais um idiota, um Arschloch, uma pessoa doente, um psicopata - e só depois uma pessoa de determinada nacionalidade ou religião.
Falam da rapidez quase inacreditável
com que a cidade recupera a normalidade. Ainda antes das oito da manhã já se acendiam as primeiras luzes nas lojas à volta da praça. E criticam duramente os aproveitamentos xenófobos e oportunistas que imediatamente surgiram na rede: alguém pôs a fotografia de uma pessoa com ar de estrangeiro, que se estava a rir na praça, e a legenda: "os emigrantes riem-se!" Por sua vez, a AfD declarou sem perda de tempo que estes são "os mortos da Merkel".


Agora termino este post e vou à minha vida: primeiro uma volta com o cão, e depois Filarmonia. 
Talvez vá também à exposição da Pina Bausch.

Lembro o Caetano a fechar uma canção:
"Navegar é preciso, viver!"


18 dezembro 2016

nós e eles

Esta manhã cruzei-me com este texto que escrevi há oito anos:

"Ao ouvir hoje rádio, pela manhã, a Christina ficou a saber que que vão libertar um terrorista empedernido da RAF, e ele vem morar para Berlim.
Veio contar-me, um bocado aflita, e sosseguei-a logo: o irmão desse terrorista era da turma do Joachim, e a mãe era a professora de matemática.
E mais: o pai de uma amiga dela, do tempo do infantário, viveu numa república de estudantes que estava sempre aberta a todos. Era um tal entrar e sair de amigos, que ele nem se dava ao trabalho de reparar bem neles. Mas depois, repentinamente, a república implodiu. Foi só aí que ele se deu conta que os seus colegas de apartamento tinham ligações à RAF, e os que entravam e saíam eram terroristas em busca de abrigo.
Em suma: ele que venha para Berlim, já temos larga experiência de terrorismo..."


Há cerca de três décadas havia na Alemanha terroristas que nasceram no seio da classe média e viviam misturados com a população. A ver se me lembro disso quando estiver a falar dos terroristas islâmicos, e de os muçulmanos não "parecerem interessados em resolver o problema".

estatísticas

Notei que ultimamente as visitas a este blogue estão a ser o dobro do habitual. Primeiro suspeitei que a Zazie estivesse a ter outra vez um dos seus ataques. Nessas alturas em que lhe dá para dizer muito mal de mim é um vê se te avias de visitas ao meu cantinho, até me ocorreu que podia combinar com ela a data das suas crises e meter aqui publicidade paga nessas alturas de picos de audiência. Nem me importava de lhe dar uma percentagem dos ganhos.

Depois fui ver melhor, e afinal é um interesse intenso na Rússia e - em menor escala - na China.
O que é que eles (quem?) andarão a preparar?
E devo aproveitar para meter publicidade? E como faço para lhes pagar a comissão?

A internet. Uma pessoa mete-se nesta vida a pensar que escreve para trocar ideias com outros, e quando dá por ela está metida numa estranha rede de desamores e interesses ainda mais obscuros.


No meio do caos, parece que só a publicidade nos salva. Menos a mim, que não me apetece nada entrar para essa religião.





17 dezembro 2016

receita de bolo marshmallow de chocolate



Primeiro faz-se um bolo mágico de chocolate, que é facílimo (podem ver uma receita no vídeo; eu junto algum chocolate derretido ao cacau; a forma não tem de ser rectangular, mas deve ter a altura suficiente para a massa poder separar-se em 3 camadas).

Agora, a parte difícil:

Mete-se o bolo no forno, repara-se bem nas horas e vai-se para o facebook. Um pouco depois dá-se conta de que já não se sabe a que horas é que o bolo tinha de sair do forno. Vai-se à cozinha. O bolo parece mal cozido. O problema é que deve sair do forno enquanto parece mal cozido. Espera-se um bocadinho, e entretanto descarrega-se a máquina de lavar a louça e carrega-se com a louça suja. O cão começa a ladrar como um louco. Vai-se ver o que é, o que demora algum tempo porque a cozinha é no segundo andar e o cão está no rés-do-chão. É a vizinha que só vem aos fins-de-semana, e acabou de chegar. O cão quer muito ir dar-lhe as boas-vindas. Abre-se a porta para o cão ir cumprimentar a vizinha. Calça-se as botas, veste-se um casaco bem quente, mais luvas e cachecol e gorro, e vai-se cumprimentar a vizinha. Conversa-se um bocadinho, e aproveita-se para ir passear o cão. No regresso vai-se estender a roupa acabada de lavar, faz-se mais uma máquina de roupa, depois faz-se uma tradução rápida, e mesmo antes de sair para jantar vai-se à cozinha apagar as luzes e repara-se que o forno ainda está ligado. Tira-se o bolo do forno duas horas mais tarde do que devia ter sido.

O que resulta é um bolo marshmallow.
Ou chamar-lhe marshmallow, e fazer de conta que era exactamente o pretendido, ou deitar tudo fora e recomeçar.

Isto foi ontem. Neste momento tenho no forno um bolo mágico de baunilha e outro de café.
Estou a sair para ir dar uma volta com o cão.


16 dezembro 2016

bendito país, onde até os treinadores de futebol conseguem pensar e falar sobre xenofobia de modo articulado

1.
Uma tragédia em Freiburg, no mês passado: um refugiado afegão, de 17 anos, violou e matou uma mulher.

A Helena Ferro de Gouveia contou, no seu mural de facebook:
" No mundo quase perfeito de Freiburg, uma pequena cidade estudantil alemã conhecida pelo seu activismo antinuclear e pro direitos civis, uma jovem estudante de medicina de 19 anos foi violada e assassinada.
Maria era voluntária, como muitos outros universitários, num centro de acolhimento a refugiados e estes eram a sua causa.
Maria nasceu no seio de uma família culta, o pai é jurista, consultor da Comissão Europeia, e um dos autores da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
A jovem foi morta por um afegão de 17 anos, que chegou à Alemanha como menor não acompanhado.
Este crime suscitou de imediato uma tentativa de aproveitamento político pela extrema-direita. Tentativa que fracassou por três motivos: o comportamento responsável dos media alemães no tratamento deste caso ( faça-se uma análise da linguagem utilizada e descobre-se objectividade, factos e não sensacionalismo); a intervenção dos partidos políticos democráticos à direita e à esquerda e as declarações da família da jovem.
Logo após ser conhecido quem é o presumido autor a família de Maria apelou a quem estivesse solidário na dor que sentiam que doasse para uma iniciativa de apoio à refugiados.
Essa seria a vontade de Maria.
O ódio combate-se com Amor.
Este é um dos muitos momentos em que tenho tanto orgulho em ser também alemã."

[Adenda: segundo notícias mais recentes, antes de saber quem era o criminoso, a família pediu que, em vez de enviar flores, as pessoas fizessem donativos a duas associações - uma iniciativa de estudantes de Freiburg com projectos diversos, não apenas na área de refugiados, e outra com projectos no Bangladesh. Depois do funeral da vítima soube-se que o criminoso era refugiado. Foi então que o vice-presidente do grupo AfD no Parlamento de Mecklenburg-Vorpommern publicou um tweet onde dizia: "Caso patológico de recusa da realidade: no funeral da filha assassinada por um refugiado, o pai recolhe donativos para refugiados."]

2.
A notícia foi dada na televisão estatal regional, mas não passou na ARD (a televisão estatal nacional). O escândalo foi enorme. Criticaram a televisão de estar a proteger os refugiados e de não informarem o povo. A direcção de informação defendeu-se dizendo que na Alemanha há cerca de 300 crimes destes por ano, e que em termos do tratamento de informação raramente saem do âmbito regional. A pressão continuou de tal modo que passados 3 dias a notícia acabou por ser passada num telejornal nacional.
Esta pressão é muito curiosa: as pessoas exigem que os jornalistas revejam os seus critérios em função do reforço dos preconceitos e dos medos.

3.
E depois, isto: o treinador do clube de futebol de Freiburg dá uma entrevista a falar sobre o caso.




Traduzi muito rapidamente:

"Os preconceitos contra outras pessoas existem desde sempre. Conhecemos isso muito bem no nosso próprio país. Nesses tempos não se tratava de estrangeiros - eram alemães. O preconceito dirigiu-se contra a pertença a uma religião. Podiam ser católicos, ou evangélicos, mas no caso foram judeus. E aconteceu aquilo que mal se consegue acreditar que tenha acontecido neste país.
E agora foi um jovem do Afeganistão que fez uma coisa horrorosa, e já se diz "são os afegães".  Ou os estrangeiros. É o mecanismo que acontece às pessoas.
Nunca pensei que num período de tempo tão curto - e nunca fui muito optimista sobre isso, de facto era cauteloso e tinha os meus receios - mas nunca pensei que num período tão curto se chegasse aonde estamos agora. Isto faz muito medo. Isto que está a acontecer.
Disseram-me que alguém ligado à AfD disse que o pai da Maria - a vítima deste acto horroroso - é um caso patológico, por ter ajudado refugiados antes desta tragédia. Que neste país seja possível alguém, que pertence a um partido dito democrático, achincalhar uma pessoa que passa por estes horrores mostra bem o que está a acontecer aqui.
Mas temos de aceitar isto como um desafio, e assumir uma posição. Se as pessoas que ajudaram aqueles que fizeram experiências terríveis durante a sua fuga são depois objecto de ódio, então chegamos a um ponto - e num curto espaço de tempo - que ainda há pouco estava completamente fora do nosso horizonte.
Agora há que ver como é que esse grupo se mostra neste país. E também o que a sociedade tolera. Hoje, quando ouço o que as pessoas podem dizer, e ainda recebem aprovação de outros - ainda há meia dúzia de anos estas pessoas teriam descido na escala social.
Isto aconteceu muito depressa, e agora vamos ver o que se segue. E se a maioria da sociedade resiste a esta evolução e organiza iniciativas contra ela.
Já nos sentimos contentes pelo resultado das eleições na Áustria terem sido o que foram. O perdedor, que vem de uma área política sobre a qual não quero falar, teve 46%. Isto significa que todos os outros têm de assumir uma atitude. E quem não o faz, tem parte da responsabilidade caso isto vá noutra direcção. É óbvio, não há como fugir a isso. É assim.
De facto, eu sinto medo. Esta evolução faz-me medo. Tenho filhos, e é por eles que sinto mais medo."


a sabedoria milenar dos chineses

Ontem ouvi o Sasha Lobo dizer, num debate televisivo, que nunca teria imaginado ser possível despoletar uma guerra nuclear via Twitter, mas que agora encara essa possibilidade como algo muito sério. Estava a falar do Trump, e da ligeireza com que o próximo presidente dos EUA provoca e ofende países - nomeadamente a China - com frases curtas no Twitter.

Ultimamente a minha esperança desloca-se dos seus esteios habituais para outros que até há pouco me seriam inimagináveis. A sabedoria milenar dos chineses, por exemplo. Espero sinceramente que os leve a olhar para o Trump como se fosse um maluquinho inimputável, e lhe reservem o mesmo tratamento que se dá aos loucos que andam aos gritos na rua: fazer de conta que não se está ali, não ouvir e sobretudo evitar o contacto visual.


efemérides

Vantagens de ter um blogue e de publicar no facebook os links para esses textos: vou escrevendo no blogue apontamentos da vida, e todos os anos o facebook lembra isso que me aconteceu como se fosse uma efeméride. Hoje lembrou-me o que se segue. Já me tinha esquecido, e gostei de voltar a esse momento.

É um bocadinho como aquele filme do que vivemos que diz que corre em nós na hora da morte, só que em vez de morrer fico ainda mais de bem com a vida.


16 dezembro 2014

dizem que a juventude não sei quê, mas eu, pela amostra... 

 



Por exemplo, ontem: de manhã, encontrei um recado do Matthias pousado no teclado do meu computador:

"Olá minha querida mãe!
Por favor, podes arrancar-me violentamente da cama entre as 11 e o meio-dia? Tenho uma entrevista para um emprego na Filarmonia.
(Portanto: trata-se de bilhetes gratuitos para ti!!! ;)  )"


Como se tratava de bilhetes gratuitos para mim, acordei-o às onze menos cinco. Ele disfarçou-se de rapaz-homem, de camisa preta e sapatos elegantes, e lá foi, e lá voltou com o emprego.
Perguntei-lhe se tinha dito que já tinha muita experiência em eventos culturais, e ele disse que sim, que falou logo no Cinemagosto.
"Vês como és recompensado por ajudares a tua mãe?", comentei eu. "Por isso, agora vai arrumar a cozinha."

Não foi, a ingrata criatura. Diz que tem de ir tratar de uns papéis de burocracia alemã que eu nem sei o que são, ou se já existem cá em casa.

Fez 18 anos há meia dúzia de semanas. Anda a tratar de todo o processo para ir fazer um ano de serviço voluntário na Costa Rica, arranja os seus jobs sem ajudas - e muito menos cunhas - dos pais, trata sozinho de todas as questões burocráticas, e volta e meia arruma a cozinha sem eu lhe pedir.

Enfim, é verdade que os pais não o ajudam muito, mas a irmã - que passou por tudo isto há dois anos - tem dado bons conselhos e um apoio inestimável. Olho para estes dois, e penso numa frase que ouvi há muitos anos: "é bom ter filhos pequenos, mas não há maior prazer que ter filhos adultos".

(a fotografia foi feita pela Christina durante a "Fahrradsternfahrt" - uma manifestação de ciclistas berlinenses na qual participaram os dois)

14 dezembro 2016

os políticos, que são uns grandessíssimos isto e aquilo

Esta noite tive um pesadelo: a Rússia tentava meter uma ameaça nuclear na Europa num ponto qualquer da fronteira que atravessa a imensa floresta que partilha com a Finlândia. A presidente da República olhava angustiada para aquela imensidão de fronteira, e para a impossibilidade de proteger o país e a União Europeia, e eu enchia-me de pena dela: depois do imenso stress de se bater em eleições, estava agora a braços com um problema irresolúvel, e que só podia correr mal. Por que raio concorreu ela às eleições?

Por que raio concorrem eles às eleições? Porque se sujeitam a correr o risco de falhar estrondosamente, porque é que se sujeitam ao opróbrio e, mais grave ainda, aos opróbrios injustos que estão cada vez mais na moda?

Será mesmo só o alegado oportunismo? A sede de poder? O prazer de decidir?
Será isso?

(Talvez este pesadelo tenha sido uma resposta do meu subconsciente à onda de ódio que passou pelas redes sociais quando se soube que o Mário Soares está hospitalizado em estado grave.)


mostrem lá que tipo de pessoa são vocês



Ao correr a notícia de que o Mário Soares pode estar a morrer, no facebook houve quem fizesse piadas e quem prometesse champanhe para celebrar a morte.
Isto não é de agora. Já vi semelhante - e já me chocou - por exemplo na morte de Margaret Thatcher e na de António Borges.

Ouçam: nós somos assim? Somos mesmo assim, capazes de escarrar para cima de um moribundo ou de um morto?

O meu primeiro impulso é resolver que não tenho o menor interesse em conviver com pessoas com nível civilizacional tão indigente. Tolero isso em parte em amigos ou familiares (porque o coração tem outras razões), mas não preciso de me relacionar nas redes sociais com quem assim revela o vale-tudo dos seus instintos. Estes momentos podem ser oportunidades de limpeza geral no facebook. Mas depois penso: estamos a ficar como os EUA. Completamente divididos, incapazes de nos ouvir uns aos outros, e de tentar entender o que os outros pensam.

Por mim, fiquem à vontade: só costumo bloquear quem me falta ao respeito. Os que se limitam a pensar de modo diferente de mim são bem-vindos no meu mural de facebook. Hoje, por exemplo, estou muito interessada em saber porque é que acham bem que se escarre para cima de um moribundo.

13 dezembro 2016

mais um ovo de Colombo



Espalhem a notícia: é possível tratar os miúdos difíceis como se fossem seres humanos(*), e os resultados até são positivos.


(*) Hesitei muito entre "como se fossem seres humanos" e "como se fossem senhoras de boas famílias". Talvez devesse ter escolhido esta segunda opção, porque é mais clara.

(ui, quanto Sarcasmox terão deitado no café que bebi há bocadinho?)


a palavra do ano

 (fonte)


Ora aqui temos eleições à porta - a ver se a Rússia desta vez não se mete.

Algumas das palavras propostas foram uma surpresa. Não fazia a menor ideia que tinham sido tema em Portugal. Tenho de rever as minhas opções no facebook, porque estou em crer que me dá uma visão distorcida do meu país. Quem diria...

O voto é secreto, e mais não digo, mas aposto com quem quiser que sei qual é a palavra que vai ganhar.

(Na imagem: a página para votar na palavra do ano em Angola. Escolhi esta imagem porque
- foi a que o google me ofereceu e estou sem pachorra para fazer screen shot e toda essa trapalhada;
- vale a pena conhecer as palavras propostas para a votação em Angola: retratam uma realidade bem diferente da nossa e aumentam o nosso conhecimento do mundo, como é o caso da palavra kixiquila;
- uma imagem que não corresponde ao texto aumenta a confusão dos leitores, o que é um bom exercício para aumentar a atenção e o espírito crítico nas redes sociais, e além disso ajuda a combater o Alzheimer. Não precisam de agradecer.)


12 dezembro 2016

casa vazia

A Christina veio cá passar uns dias. Deixou algumas fotografias da sua vida italiana, e saiu agora. Saíram os três: ela, o irmão, o Fox. Vão passar a noite na casa de uns amigos, que moram perto do aeroporto. Daqui a uns dias vamos nós ter com ela.

Mas por agora só conta este vazio pesado que invadiu a casa. 











10 dezembro 2016

a doença, o sofrimento e a morte vão a um bar...





Entrei no mural da Tinta-da-China em busca de uma informação, e dei com isto. A um sábado de manhã. Já podemos seguir directamente para domingo à noite, que já ganhei este fim-de-semana.


é só estrelas!





No ano passado, a venda de Natal da Tinta-da-China anunciava que também tinham bolos e bebidas.
Este ano anunciam que têm bolos e escritores como o Pedro Mexia, a Matilde Campilho e o Rui Cardoso Martins a dar autógrafos.

É a autêntica Michelinização das compras de Natal.

(e eu aqui, na insularidade)


dia internacional dos Direitos Humanos


Dia Internacional dos Direitos Humanos num mundo que parece incapaz de aprender com a sua própria História. Por exemplo: a facilidade com que, esta semana, tantas pessoas passaram de "um refugiado afegão cometeu um crime horroroso na Alemanha" para "não entra nem mais um refugiado afegão na Europa, eles que se desenrasquem, não queremos aqui mais criminosos!"

Ainda temos de aprender a diferença entre "Humanos" e "Os Manos".


09 dezembro 2016

dezembro

Dezembro começou assim.
Mas rapidamente aqueceu de novo.
Enfim, "aqueceu" é uma maneira de dizer.