1.
Uma tragédia em Freiburg, no mês passado: um refugiado afegão, de 17 anos, violou e matou uma mulher.
A Helena Ferro de Gouveia contou, no seu mural de facebook:
" No mundo quase perfeito de Freiburg, uma pequena cidade estudantil alemã conhecida pelo seu activismo antinuclear e pro direitos civis, uma jovem estudante de medicina de 19 anos foi violada e assassinada.
Maria era voluntária, como muitos outros universitários, num centro de acolhimento a refugiados e estes eram a sua causa.
Maria nasceu no seio de uma família culta, o pai é jurista, consultor da Comissão Europeia, e um dos autores da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
A jovem foi morta por um afegão de 17 anos, que chegou à Alemanha como menor não acompanhado.
Este crime suscitou de imediato uma tentativa de aproveitamento político pela extrema-direita. Tentativa que fracassou por três motivos: o comportamento responsável dos media alemães no tratamento deste caso ( faça-se uma análise da linguagem utilizada e descobre-se objectividade, factos e não sensacionalismo); a intervenção dos partidos políticos democráticos à direita e à esquerda e as declarações da família da jovem.
Logo após ser conhecido quem é o presumido autor a família de Maria apelou a quem estivesse solidário na dor que sentiam que doasse para uma iniciativa de apoio à refugiados.
Essa seria a vontade de Maria.
O ódio combate-se com Amor.
Este é um dos muitos momentos em que tenho tanto orgulho em ser também alemã."
[Adenda: segundo notícias mais recentes, antes de saber quem era o criminoso, a família pediu que, em vez de enviar flores, as pessoas fizessem donativos a duas associações - uma iniciativa de estudantes de Freiburg com projectos diversos, não apenas na área de refugiados, e outra com projectos no Bangladesh. Depois do funeral da vítima soube-se que o criminoso era refugiado. Foi então que o vice-presidente do grupo AfD no Parlamento de Mecklenburg-Vorpommern publicou um tweet onde dizia: "Caso patológico de recusa da realidade: no funeral da filha assassinada por um refugiado, o pai recolhe donativos para refugiados."]
2.
A notícia foi dada na televisão estatal regional, mas não passou na ARD (a televisão estatal nacional). O escândalo foi enorme. Criticaram a televisão de estar a proteger os refugiados e de não informarem o povo. A direcção de informação defendeu-se dizendo que na Alemanha há cerca de 300 crimes destes por ano, e que em termos do tratamento de informação raramente saem do âmbito regional. A pressão continuou de tal modo que passados 3 dias a notícia acabou por ser passada num telejornal nacional.
Esta pressão é muito curiosa: as pessoas exigem que os jornalistas revejam os seus critérios em função do reforço dos preconceitos e dos medos.
3.
E depois, isto: o treinador do clube de futebol de Freiburg dá uma entrevista a falar sobre o caso.
Traduzi muito rapidamente:
"Os preconceitos contra outras pessoas existem desde sempre. Conhecemos isso muito bem no nosso próprio país. Nesses tempos não se tratava de estrangeiros - eram alemães. O preconceito dirigiu-se contra a pertença a uma religião. Podiam ser católicos, ou evangélicos, mas no caso foram judeus. E aconteceu aquilo que mal se consegue acreditar que tenha acontecido neste país.
E agora foi um jovem do Afeganistão que fez uma coisa horrorosa, e já se diz "são os afegães". Ou os estrangeiros. É o mecanismo que acontece às pessoas.
Nunca pensei que num período de tempo tão curto - e nunca fui muito optimista sobre isso, de facto era cauteloso e tinha os meus receios - mas nunca pensei que num período tão curto se chegasse aonde estamos agora. Isto faz muito medo. Isto que está a acontecer.
Disseram-me que alguém ligado à AfD disse que o pai da Maria - a vítima deste acto horroroso - é um caso patológico, por ter ajudado refugiados antes desta tragédia. Que neste país seja possível alguém, que pertence a um partido dito democrático, achincalhar uma pessoa que passa por estes horrores mostra bem o que está a acontecer aqui.
Mas temos de aceitar isto como um desafio, e assumir uma posição. Se as pessoas que ajudaram aqueles que fizeram experiências terríveis durante a sua fuga são depois objecto de ódio, então chegamos a um ponto - e num curto espaço de tempo - que ainda há pouco estava completamente fora do nosso horizonte.
Agora há que ver como é que esse grupo se mostra neste país. E também o que a sociedade tolera. Hoje, quando ouço o que as pessoas podem dizer, e ainda recebem aprovação de outros - ainda há meia dúzia de anos estas pessoas teriam descido na escala social.
Isto aconteceu muito depressa, e agora vamos ver o que se segue. E se a maioria da sociedade resiste a esta evolução e organiza iniciativas contra ela.
Já nos sentimos contentes pelo resultado das eleições na Áustria terem sido o que foram. O perdedor, que vem de uma área política sobre a qual não quero falar, teve 46%. Isto significa que todos os outros têm de assumir uma atitude. E quem não o faz, tem parte da responsabilidade caso isto vá noutra direcção. É óbvio, não há como fugir a isso. É assim.
De facto, eu sinto medo. Esta evolução faz-me medo. Tenho filhos, e é por eles que sinto mais medo."
3 comentários:
Parabéns. Há quem sinta vergonha alheia e eu hoje com este post, com esse treinador e com a coragem dos familiares da Maria sinto orgulho alheio!
Revejo- me tantas vezes nas suas opiniões e na forma como deve ter educado e transmitido valores dignos aos seus filhos, pelas ideias e comportamentos tão justos e solidários que tem descrito por aqui. Espero conseguir transmitir o mesmo ao meu pre adolescente, por enquanto acho que vamos bem, apesar dele dizer às vezes que tem de se conter nas suas opiniões junto dos colegas (nomeadamente quando o assunto são os refugiados) porque é um contra muitos e se sente isolado nas suas (nossas) convicções.
Acho que se os Alemães anti-Refugiados lessem diariamente o Correio da Manhã e conhecessem a quantidade de crimes horrorosos que os Portugueses de todas as idades cometem todas as semanas (ontem foram dois adolescentes que mataram outro com um tijolo na cabeça, por causa de uma dívida de duzentos e cinquenta euros...), nunca mais se atreveriam a fazer férias em Portugal.
Manuela,
até nisso tive sorte: foram os meus filhos que me educaram a mim. :)
E os amigos deles são iguais.
Conde,
tu não fales muito alto, que se isso se sabe ainda arranjam má fama aos portugueses que moram na Alemanha... ;)
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