23 dezembro 2016

a sinfonia do mar



Como de costume, a minha vida veio ao meu encontro quando eu estava a fazer outra coisa qualquer. A filha de uns amigos perguntou se podia ficar na nossa casa uns dias, enquanto decorriam os ensaios para um concerto que ia ter na Filarmonia. Apareceu-me aqui com o seu sorriso largo, o violoncelo às costas. Vinha para tocar um concerto dedicado aos refugiados.

Eu tinha visto os folhetos, até me tinha interessado, mas acabei por perdê-lo de vista por culpa dos cientistas que ainda não me souberam clonar ou ao menos multiplicar as horas do dia. Mas a miúda ia e vinha, e contava dos ensaios, e foi-me deixando cada vez mais curiosa - de modo que fui.

A Filarmonia estava engraçada, com tanta gente de modos e roupas ligeiramente diferentes do que é habitual naquela casa. Mil pessoas a quem foram oferecidos bilhetes para um concerto muito especial, mais um entre os tantos gestos de acolhimento que a sociedade civil vai fazendo.

A primeira peça foi a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorák, para dar as boas-vindas aos refugiados que agora vivem entre nós. A segunda, que eu não conhecia, era A Sea Symphony, de Vaughan Williams, em memória dos refugiados que morreram no mar a caminho da Europa. Uma peça com momentos muito fortes, e outros de um lirismo comovedor.



Impossível ouvir esta peça neste contexto sem ficar com o coração apertado.

No início do concerto apresentaram uma iniciativa de oito berlinenses, entre os 19 e os 28 anos, que criaram uma rede de apoio europeia, juntaram o dinheiro suficiente para comprar um barco com capacidade para 100 pessoas, e pagar a uma equipa para salvar refugiados no mar. Começaram em Julho deste ano, e já salvaram mais de 6.500 vidas no Mediterrâneo. A associação chama-se Jugend rettet, "jovens salvam" (deve ser uma brincadeira, citando os concursos Jugend musiziert, para jovens músicos, e Jugend forscht, para jovens cientistas), e nasceu da vontade de ajudar onde os políticos estavam a falhar.


Mais informações sobre esta iniciativa: aqui, em inglês. Tem indicação do site para donativos directos, caso o eco da Sea Symphony sobre as tragédias do Mare Nostrum tenha tocado algum coração.

Dar dinheiro para trazer ainda mais terroristas para a Europa?, perguntarão alguns.
Deixar afogar 6500 pessoas em 6 meses, para não correr o menor risco de ajudar um terrorista a entrar na Europa?, pergunto eu. Isto é o rei Herodes no seu melhor: que morram todos, para que a minha vida permaneça como está.

Este é o tempo em que temos de escolher entre assumir os nossos valores humanitários, mesmo correndo o risco de pagar com a vida, ou sobreviver de costas viradas para os valores e o mundo, alheios ao sofrimento que nos entra pelo continente adentro. É o tempo de nos perguntarmos para que serve a nossa vida. Estes jovens berlinenses souberam encontrar uma resposta. 


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