Agora que a Berlinale 2019 começou, dou-me conta de que ou fecho rapidamente as contas da de 2018, ou mais vale esquecer. O problema é que este blogue é o meu auxiliar de memória, de modo que se não escrever esqueço mesmo, e por isso aqui ficam alguns comentários sobre filmes que vi no festival do ano passado.
Não precisam de ler, isto é mesmo só para eu ficar com o meu arquivo mental mais arrumadinho.
Primeiro dia:
- Grass
- Isle of Dogs
Segundo dia:
- Las Herederas
- Damsel - Um western dos irmãos Zellner que não deixou recordações - excepto a novidade de uma jovem noiva de cowboy a contrariar todos os clichés de fragilidade feminina.
- Berlinale Shorts IV
- E ainda: Banda "von Eden" na Audi Lounge, enquanto o pessoal de Damsel não começava a desfilar pelo tapete vermelho.
Terceiro dia:
- Dovlatov - Um dos filmes que mais me impressionou na Berlinale 2019, por transmitir tão bem a asfixia ideológica na URSS e o ambiente de criatividade malgré tout dos anos 70. Recomendo vivamente.
- Allons enfants - A história de duas crianças perdidas em Paris, filmada sem sobressaltos. O realizador, que trabalhou com os próprios filhos, no fim da exibição contou sobre as dificuldades de filmar com crianças daquela idade. Por exemplo, quando as filmagens já iam bastante avançadas, e a filha percebeu que tinha todos os adultos na mão...
- Human Flow (na secção Lola) - Um filme que me levanta de novo a questão habitual: podemos fazer exercícios de beleza com a miséria das pessoas?
Quarto dia:
- La prière - Um jovem toxicodependente vai viver no centro de tratamento de uma comunidade cristã. Seita ou fé? A oração como mantra, mas também como instrumento imposto para diluir o individual.
- Apatride - Em 1975, milhares de marroquinos foram expulsos da Algéria, onde viviam. Hénia e o pai estão entre eles, enquanto a mãe dela, argelina, fica no país. Hénia não desiste da esperança de regressar a casa, apesar de todas as dificuldades. O filme desenvolve-se à volta dessa mulher sem voz, com uma força e uma liberdade interior extraordinárias, retrato das mulheres sem poder, à mercê do destino. A perversão do conselho: "Não queiras fugir ao teu destino, ele há-de encontrar-te". A realizadora, cheia de força e sem papas na língua, agradeceu a oportunidade que a Berlinale lhe deu para ter mais visibilidade: "agora, vai ser mais difícil calarem-me no meu país!"
- Waldheims Walzer - Excelente documentário. Revela uma Áustria oportunista, que escapou entre os pingos da chuva, se armou em vítima, e não teve oportunidade de se confrontar com os seus próprios erros. Mostra o discurso abertamente anti-semita e de ideologia nazi nas ruas. Ajuda a entender os mecanismos que permitiram que o nazismo continue vivo.
- Kinshasa Makambo - Um documentário sobre a resistência política no Congo, as dúvidas sobre as acções e os riscos a assumir, a persistência na luta contra o golpe de Joseph Kabila. E o realizador, Dieudo Hamadi: um herói. Quando, no final, lhe perguntaram se não temia que aquele filme pudesse ter consequências graves para si e para as pessoas filmadas, respondeu: "Falei com todos, e todos quiseram assumir as consequências. Entenderam que valia a pena correr o risco, para que o mundo soubesse como arriscam a vida, a liberdade, a saúde, para lutar por mais democracia no seu país. Quanto a mim: quero lá saber dos riscos! Era meu dever fazer este filme!"
- Trinta Lumes - recordo em particular o ambiente da natureza da Galiza, mas confesso que o filme perdeu 1:0 contra o conforto dos cadeirões do Zoo Palast, e contra o meu cansaço nesse dia.
Quinto dia:
- Toppen av ingenting / The real estate - Um filme dentro dos parâmetros, sobre a especulação imobiliária e a perda de respeito pela vida das pessoas. De destacar, pela novidade: a cena de sexo entre uma septagenária e um homem bem mais jovem.
- The Green Lie - Um bom documentário sobre as ilusões do consumo sustentável e do poder do consumidor. (fiz um post aqui)
- Zentralflughafen THF - recomendo vivamente.
- Ex-pajé - muito bom! Falei dele aqui.
- Era para ver ainda o Chef Flynn, mas desisti desse filme para poder ficar a ouvir até ao fim os indígenas da Amazónia e o antropólogo.
Sexto dia:
- Por parvoíce, um simples erro ao verificar as horas, falhei o Don't worry, he won't get far on foot.
em compensação, pude ver:
- I had nowhere to go (secção Lola) - ahem...
- Premières Solitudes - um documentário fascinante sobre jovens de 17 anos, dito na primeira pessoa com uma abertura desarmante.
- Danmark
Sétimo dia:
- Das schweigende Klassenzimmer / The silent revolution (secção Lola) - mais um filme alemão sobre o passado recente. Neste caso, um episódio verídico passado na RDA, quando uma turma decidiu espontaneamente fazer uns minutos de protesto contra a repressão soviética na Hungria. O caso provocou ondas que chegaram ao topo do regime, e naturalmente à Stasi. Um bom retrato da camisa de força do regime da RDA.
- Ang panahon ng halimaw - Ora bem, ora mal: um filme épico, uma "ópera rock filipina", de Lav Diaz, sobre a repressão no tempo da ditadura. Quatro horas de um filme pesado, brutal, cheio de sadismo e situações sem saída. Para piorar, os textos das canções eram repetidos pelos menos três vezes, e a as cadeiras do Friedrichstadt Palais não são nada confortáveis...
- Our blood is wine - Um filme sobre o vinho da Geórgia, as suas vinhas selvagens, a produção artesanal e arcaica, filmado com iPhone 6. Mencionei-o aqui.
- E ainda uma sessão muito divertida na Audi Lounge: Thorsten Havener revelou alguns segredos da linguagem corporal. Infelizmente já só me lembro de um: quando estamos a mentir, temos tendência a exagerar nos movimentos que fazemos para tentar dar mais força à mentira que estamos a contar.
Oitavo dia:
- Eldorado - Durante alguns dias acreditei que este seria o vencedor da competição. Falei dele aqui.
- Curtas 1 Kplus - As curtas para crianças são sempre um oásis no meio dos temas muitas vezes pesados deste festival. Um intervalinho para sonhar. Notável: Vdol’ ipoperyok / Betweenthe Lines
Between the lines Trailer ENG - Вдоль и поперёк (Трейлер, англ) from Maria Koneva on Vimeo.
- Unga Astrid / Becoming Astrid - Um filme sobre a Astrid Lindgren, que consegue recriar o ambiente de alegria e inteira confiança na vida que - não por acaso, como descobri neste filme - habita os seus livros.
- E no fim de tudo isto: Simon Rattle. (É que não posso deixar a Filarmonia muito tempo abandonada, ainda apanhava uma depressão e sei lá se há psicofármacos para Filarmonias...)
Nono dia:
- Wang Zha de yuxue - Wangdrak's Rain Boots - Um filme delicioso sobre um rapazinho que não tem galochas e é gozado pelos outros por andar sempre com os sapatos de pano molhados. Depois de muito insistir, convence a mãe a comprar-lhe as galochas em vez de uma foucinha para trabalhar no campo. E quando, finalmente, vai para a escola feliz da vida com as suas galochas, a chuva pára, e ele é de novo gozado pelos outros. (spoiler) Então, para fazer com que a chuva volte, rouba os objectos mágicos do feiticeiro da aldeia que está a esforçar-se em trazer sol para as colheitas. O realizador disse no fim que inventou esta história para poder filmar a sua aldeia natal e os costumes daquela comunidade.
- What Walaa Wants - Documentário sobre uma jovem palestiniana que cresceu num campo de refugiados e quer ser polícia. O filme acompanha a sua luta e o seu amadurecimento ao longo de cinco anos.
- Shakedown - Mais um documentário, desta vez sobre um clube erótico para lésbicas, filmado por uma mulher da comunidade - ou seja, a partir de dentro. Um documento raro sobre um lugar único e uma história que poucos conhecem.
- Impreza / Das Fest - Uma jovem polaca que cresceu na Alemanha regressa ao seu país para participar nas bodas de ouro dos tios. O documentário fixa as conversas com os seus familiares, exibe frases e frases e frases de discurso de orgulho nacionalista. A berlinense ouve-os, estupefacta e e cada vez mais muda. O filme pode ser uma boa base de trabalho sobre a impossibilidade do diálogo e do entendimento - mesmo entre pessoas da mesma família que moram em países vizinhos.
- Kein sicherer Ort / Kineski Zid / Ra (Três filmes curtos, sob o tema "heroínas")
Décimo dia:
- Als Paul über das Meer kam / When Paul came over the sea - Mais um filme da nova fase cinematográfica sobre refugiados: "ele e eu". Gostei de ver, e tive muita pena de não ficar para a conversa com Paul. Mas queria muito ver o filme que tinha agendado a seguir. Saí do cinema a correr, atravessei no vermelho mesmo à frente de um carro da polícia, e estes usaram o altifalante para me darem um raspanete com um exagero de décibeis para o cruzamento todo. Sem parar de correr fiz-lhes sinal de que tinham toda a razão e pedi desculpa. Ainda não foi desta que me prenderam.
- The silence of others - Documentário sobre o terror na Espanha de Franco e o silêncio imposto que ainda hoje sufoca.
- Weit (secção Lola) - Comentei aqui.
- Drvo, de André Gil Mata.
- La enfermedad del domingo
Décimo primeiro dia:
- Djamilia
- Fortuna - Um filme excelente da secção de temas juvenis. Sobre uma criança refugiada que aparece grávida. Belíssimo e delicado.
- Güvercin - Outro filme excelente da secção de temas juvenis. Uma história bela e triste sobre um orfão que cria pombos, como o pai costumava fazer, e é apanhado numa teia de brutalidade.
- The Bookshop
- In den Gängen / In the Aisles
Tschüß, Berlinale.
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