06 fevereiro 2019
Ex-Pajé - Berlinale 2018
Ex-pajé foi sem dúvida um dos melhores filmes que vi em 2018, e também um que me provocou enorme embaraço e vergonha.
O filme é sobre uma comunidade de indígenas descoberta em 1969 na Amazónia. Quatro décadas mais tarde, o antropólogo Luíz Bolognesi filma uma aldeia onde as pessoas andam já vestidas à maneira dos ocidentais, têm uma igreja cristã e até internet. O documentário foca em particular a situação do antigo pajé, que foi afastado pelo novo poder religioso, um pastor protestante, e recria um episódio em que o pajé foi chamado, em desespero de causa, para curar uma mulher que tinha sido mordida por uma cobra venenosa. Um momento particularmente forte do filme é aquele em que a discretíssima câmara capta o pajé junto ao rio, longe da aldeia, quando os espíritos da água vêm ao encontro dele e lhe inspiram a música que entoa numa espécie de transe.
No fim da exibição, algumas pessoas da tribo subiram ao palco juntamente com o realizador. Este avisou que, "apesar de os antropólogos não gostarem de padres", naquele filme tomou o papel de realizador e deixou o de antropólogo, e que filmou e montou numa atitude de respeito. À pergunta de alguém do público sobre como explicar a facilidade com que a nova religião se instalou, contou que ali se repetiu de novo a tragédia de 500 anos de História do Brasil: após o contacto com os brancos, em cerca de dois anos morreram 400 pessoas das 700 que viviam naquela comunidade. Nessa situação de crise profunda, a pior de toda a história da aldeia, os missionários vieram dizer que só Cristo salva, e que os pajés são gente do diabo. Simultaneamente, a mulher do pastor dava aos índios os medicamentos que curavam as doenças trazidas pelos brancos. O antropólogo explicou ainda que o afastamento do pajé representa a destruição da herança cultural, uma vez que esta é de tradição oral, transmitida pelos pajés.
A senhora que foi mordida, e cuja vida foi salva pelo pajé, terminou a conversa dizendo que quando saiu do hospital continuou a ir à igreja, porque tem medo.
(Eu a enfiar-me ainda mais fundo na cadeira, morrendo de vergonha.)
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