26 julho 2018

"vinho"

Um dos mitos fundadores dos arménios reza que, depois de a arca de Noé ter pousado no monte Ararat, os filhos deste desceram ao vale e começaram a plantar videiras na encosta da montanha. Foi assim que surgiu o primeiro #vinho do mundo. Infelizmente os georgianos não podem ver um pobre de camisa lavada, e desataram a espalhar por aí que o primeiro vinho do mundo foram eles que o fizeram. Um dia destes o Juncker terá de ir lá conversar com uns e outros a ver se fazem as pazes no que diz respeito a este assunto. Dir-lhes-á: "meus amigos, que interessa o passado? Olhemos antes para o futuro: o que interessa é que os vinhos da Arménia e os da Geórgia não deixem de correr para o meu copo!" Isto é uma metáfora, claro (ou o que é que vocês pensaram, hã?), e os arménios hão-de perceber que o que ele está realmente a sugerir é que a Arménia escape à esfera de influência da Rússia e se aproxime mais da União Europeia, e por isso lhe responderão: "Está tudo muito bem, amigo, mas antes arranje de passar para o lado de cá as nossas vinhas que crescem há muitos mil anos na encosta do Ararat". É que nos cortes e recortes do fim do império otomano alguém com poder esqueceu-se de fazer o trabalhinho de casa e deixou o monte Ararat (mais o que sobrou da arca de Noé, das primeiras vinhas do mundo, e das milenares igrejas arménias) (estas últimas não são uma questão simbólica) do lado da Turquia.

Na Arménia, quem vai de Yerevan para Nagorno-Karabakh, a meio do caminho, virando à direita, há uma estradinha sinuosa ao longo de escarpas rochosas com grutas onde encontraram vasilhas de barro com vinho velho de vários milénios (e logo a seguir uma cidadezinha que tem um restaurante onde servem umas batatas com carne iguaizinhas às que se comiam na casa da minha avó) (estou com muita vontade de voltar a esse restaurante, mas não sei se é boa ideia regressar a um lugar onde já fui tão feliz).

Entretanto, não sei que terá acontecido à tradição milenar do vinho arménio, que só me gabaram muito o seu Ararat: um vinho de uvas brancas semelhante ao cognac.

Na Geórgia, por seu lado, ainda há quem produza o vinho segundo as tradições mais arcaicas e carregadas de simbolismo: os kvevri (enormes ânforas onde se faz a fermentação, em locais subterrâneos) demoram sete dias a fazer, "tantos quantos Deus usou para criar o mundo". Muitas das vinhas espalham-se livremente pelas árvores (como as de enforcado, no Norte de Portugal), por arbustos ou simplesmente pelo chão dos campos. Para quem está habituado à matemática regularidade dos vinhedos europeus, aquelas paisagens de videiras todas desmazeladas são um espectáculo estranho e que faz desconfiar da qualidade do vinho.

Mas não, os vinhos da Geórgia têm cada vez mais fama - de tal modo, que um dos filmes que passaram no Culinary Cinema da Berlinale de 2018 (trata-se de sessões especiais, ligadas a um jantar preparado pelos melhores cozinheiros de Berlim) foi o documentário "Our blood is wine". Trata-se de um filme feito com i-phone, para permitir mais proximidade e naturalidade, descrevendo a viagem de um sommelier dos EUA ao encontro dos produtores de vinho na Geórgia.



Mais informações sobre o filme (e um teaser): Berlinale 2018.

Sem comentários: