29 fevereiro 2008

histórias de família

A meio de uma frase, a Christina estaca e pergunta:
- Como é que se chama um poeta da música?
Eu nem entendi a pergunta, mas o Matthias respondeu logo:
- Compositor.

***

Lógica das sobrinhas gémeas:

Como de costume, chamei uma delas pelo nome da outra, e ela reagiu logo:
- Eu sou a Leonor! Eu sou a Leonor, puque... puque... puque...
E eu, realmente curiosa:
- Porquê?
- Puque o meu nome é diferente!!!
E a irmã, muito despachada:
- O meu nome também é diferente!

Tempos houve em que a Leonor sabia que era a Leonor porque a madrinha dela era a tia Xana.

***

E também há aquela pergunta, um clássico:

"Mãe, hoje é o amanhã de ontem?"

28 fevereiro 2008

surpresas

Este mundo é muito pequeno: vou eu a um encontro de uma organização evangélica nos confins de Spandau, e a primeira pessoa que vejo é o palestiniano que me substituiu no conselho de estrangeiros em Weimar!

Perguntei-lhe se vê alguma solução para a Paz na Palestina e em Israel, quando me parece que a situação está cada vez mais negra. Ele sorriu: "Eu também não vejo solução, mas a História é muito maior que os nossos olhos. Isto pode dar uma volta repentina, pela qual não esperávamos."

Que o Deus de Abraão o ouça.

***

Apelo dos cristãos palestinianos:
"quando vierem à nossa terra visitar as pedras históricas tão importantes para o Cristianismo, não se esqueçam de visitar também as pedras vivas: as comunidades cristãs que aqui subsistem apesar das inúmeras dificuldades."

Pois é: a gente embarca nas viagens bíblicas, encanta-se com os locais míticos, e esquece-se do mais importante.

***

Do lado palestiniano, o muro da vergonha está a cobrir-se de pinturas:
gritos, ora poéticos, ora desesperados, às vezes até irónicos.

É óbvio que isso aconteceria, mas não deixei de sentir uma certa surpresa ao ver as fotografias.

27 fevereiro 2008

para um grande amigo

os vensedes da vida (2)

Fazendo eco das vozes que falam em tom optimista sobre "este país", aqui vai o comentário de um leitor:

Irrita-me bastante ter passado uns cinquenta anos a ouvir que o país não ia nada bem e ao fim desse tempo de crise e decadência permanente constatar que o país está muitíssimo melhor.
Bom, antes assim que ao contrário, grandes loas e o país a piorar, mas teria sido bom sentir optimismo uma vez por outra.
É capaz de fazer parte da cultura Portuguesa dizer sempre que as coisas vão mal não vá dar azar dizer que elas vão de vento em popa...

jj.amarante

eleições interculturais

A propósito de sociedades multiculturais, interculturais e tais, aqui vão algumas musiquinhas feitas para as eleições americanas.
Uma riqueza!


* Obama Reggaeton

(...)
Dicen que no contamos…
Invisibles porque no votamos…
Pero aqui estamos y todo esto va cambiar…
We did the marchas y ahora vamos a votar.
Listen to me gente, es tiempo para algo diferente..
What we need is un nuevo presidente…

Como Se Dice…Como Se llama?
OBAMA! OBAMA!
Los Mexicanos como se llama?
OBAMA! OBAMA!
Puerto Riqueños, como se llama?
OBAMA! OBAMA!
Los Peruanos, como se llama?
OBAMA! OBAMA!

En esta gran nacion ya no existe una buena educacion,
Dicen todo el dinero va a la imigracion
Es facil culpar el que no vota
El gigante Latino esta que brota
Despierta!
Vamos a eligir a quien de veras entienda…
Como Se Dice…Como Se llama?
OBAMA! OBAMA!

(...)


* Tejanos: Viva Obama!

Viva Obama! Viva!
Viva Obama! Viva!
Familias unidas, seguras y hasta
con plan de salud



* "Hillary, Hillary Clinton"




E vou ao meu dia acompanhada pelo "Como Se Dice…Como Se llama? OBAMA! OBAMA!" que já não me sai mais do ouvido.

26 fevereiro 2008

os vensedes da vida

Na altura em que saiu o novo documento da SEDES, rebentava na Alemanha um escândalo enorme devido à revelação de alguns casos de fugas aos impostos no valor de muitos milhões de euros.

A coincidência no tempo permite uma comparação interessante: enquanto a SEDES aponta para um estado calamitoso que se entranhou na alma portuguesa (repetindo, com outras palavras e mais detalhe, o que todos os dias se ouve nos cafés: "eles são todos iguais", "não se pode confiar em ninguém", "este país não tem saída"), na Alemanha as reacções são de repúdio contra o comportamento dos indivíduos apanhados em falta.
Os políticos vieram logo à televisão afirmar que "nós [os alemães] não somos assim" e "não se pode admitir este comportamento, isto é um péssimo exemplo para a nossa sociedade". Aproveitaram o caso para discutir de novo as exigências éticas das empresas e dos seus directores: quando os directores recebem salários 40 vezes maiores que os dos empregados (como é que justificam isso?!), e mesmo assim o dinheiro não lhes chega e decidem recorrer a contas secretas para fugir aos impostos, é preciso chamá-los à responsabilidade e dizer-lhes claramente que este não é o rumo certo para a sociedade.

Poderão os mais cínicos dizer que a Alemanha já tem experiência de tornear a realidade e de se iludir a si própria, experiência largamente adquirida nos anos do pós-guerra. Pode ser.
Mas há neste povo uma auto-estima, uma noção da dignidade a preservar, que não encontro nos portugueses.
Talvez andemos há demasiado tempo a dizer "este país..."

***

A única pessoa que conheço com um discurso positivo é a Manuela Silva. Surpreendo-me sempre pela maneira como apela à nossa capacidade de fazer melhor. Como se não valesse a pena perder muita energia a dissecar o que está mal, como se fosse mais importante poupar as forças para um trabalho criativo e renovador.

Haverá outros, com certeza. Importante seria dar mais eco às suas vozes.

***

(Com a sorte que tenho, o mais provável é alguém se ter lembrado antes de mim do trocadilho que vai no título.
Não é plágio. Deve ser antes (mais) um caso de telepatia desfasada...)

25 fevereiro 2008

como é que se diz "Veni, vidi, vici" na terceira pessoa do singular?

O Matthias está na final do campeonato de xadrez juvenil de Berlim.
Jogou ontem contra a vice-campeã, que começou muitíssimo bem mas fez um erro fatal. Quando percebeu a asneira e começou a chorar, o Matthias ainda pensou em oferecer-lhe a vitória.

E agora comlicencinha, tenho de ir trocar de babeiro, que este já está outra vez todo molhado.

***

O rapaz detestou a vinda para Berlim. Mas parece que agora começou a mudar de ideias.

***

Maldita sociedade laica: a final do campeonato foi marcada para começar no sábado de Aleluia. Nove dias seguidos, até ao início das aulas após as férias da Páscoa. Ou seja: arrumou-nos com um dos fins de semana prolongados melhores do ano - feriado na sexta, feriado na segunda. Os do xadrez já perderam a dimensão do sagrado?...

23 fevereiro 2008

and the Oscar goes to...



Sophie Scholl.
Fez ontem 65 anos que foi julgada, condenada à morte e imediatamente executada.
Tinha 21 anos.

O filme foi nomeado para melhor filme estrangeiro em 2006 (OK, reconheço que isto não é propriamente uma notícia de última hora). Se existe em Portugal, recomendo vivamente. Muito bem representado, recorreu a material histórico para se manter o mais possível próximo da realidade dos últimos dias de Sophie Scholl.
Aquela luta entre a violência do Estado e a dignidade da consciência incomoda: no lugar dela, o que é que eu faria?

22 fevereiro 2008

questões de sangue?

Comecei a escrever um comentário relativo ao post anterior, para a Gabriela, mas saiu grande demais e por isso deixo aqui em forma de post.

***

Quando se fala de identidade nacional, os portugueses têm bom rir, porque têm fronteiras das mais antigas da Europa.
Isto, claro, se não pensarmos em Olivença, que é território português, cheio de património histórico nosso - mas: que fazer com todos aqueles espanhóis que lá vivem?...

Se a Alemanha só existe como um país desde há dois séculos, e se as suas fronteiras têm andado um bocado "instáveis", a que é que os alemães podem recorrer para se construírem uma identidade?
Tanto quanto sei, a construção da identidade passou, no início, pela cultura.
Na época do III Reich vincou-se a questão racial - e duvido que esse fosse um critério com o qual toda a população se tenha identificado. Além disso, (1) a teoria racial dividia os próprios arianos em várias subclasses, umas melhores que as outras; (2) a raça ariana é uma construção tão periclitante que cai por terra com a simples enumeração "loiro como Hitler, elegante como Göring e alto como Goebbels"; (3) a teoria racial, parece-me, foi uma construção motivada por razões de estratégia - e mal se lhes esgotou a teoria, arranjaram logo outros argumentos para aumentarem o espaço vital alemão.
No pós-guerra, a Constituição tomou o papel de elemento fundador da identidade alemã.

Ou seja: não me parece que os turcos que aqui vivem hoje sejam rejeitados por não serem nem arianos, nem herdeiros espirituais de Goethe e Schiller. Não conheço nenhum alemão que tenha esse orgulho de raça. Insisto que a rejeição (ou a indiferença?) começou devido ao facto de esta sociedade ainda estar a digerir a descoberta de que eles vieram para ficar, e agora se cimentou na desconfiança derivada de certos comportamentos.
Por outro lado, a rejeição não atinge apenas os turcos - também há enormes resistências contra os russos de sangue alemão (que, pelos que eu conheço, pouco fazem para se misturar com os outros alemães), e, 17 anos após a queda do muro, o país ainda pulula de Ossis e Wessis.

Obrigada pela referência a Fritz Haber, que me pôs numa pista interessante.
De facto, nunca me tinha perguntado em que condições se deu essa integração tão forte dos judeus alemães. Fritz Haber converteu-se seguindo uma teoria (de Theodor Mommsen, que por sua vez reagira a um ataque brutal de anti-semitismo por parte de Heinrich von Treitschke - pode ler-se um bom texto sobre isso num artigo do jornal Die Zeit, aqui, em alemão) de que os judeus se deviam converter ao cristianismo, para acabarem com esse resto de diferença, de modo a integrarem-se inteiramente na sociedade. Cristãos-novos na Alemanha do séc.XIX, portanto. Ao contrário de Einstein (ena, hoje estou a jogar alto), parece-me que a decisão de se converter não representava oportunismo, mas uma resposta moderna à questão da inserção dos judeus na sociedade alemã. Einstein era contra este tipo de concessões, e achava que os judeus deviam ficar entre si e, inclusivamente, deviam criar um fundo académico especial para financiar cientistas judeus, libertando-os da dependência das universidades estatais.
Muitos judeus converteram-se, ou abandonaram o judaísmo. Debalde: o III Reich veio revelar que a questão não era a da religião mas a do sangue.
Mas terá sido assim tão simples?
O III Reich precisava do dinheiro dos judeus e de um bode expiatório para manter o povo ideologicamente unido. De uma maneira ou de outra, os judeus estavam apanhados na armadilha. Salvaram-se alguns, contudo. Salvaram-se os judeus casados com as alemãs "puro-sangue" que tiveram a coragem de fazer o cerco à prisão da Rosenstrasse para onde eles tinham sido levados. O regime não teve a coragem para afrontar aquelas mulheres teimosas, e libertou os homens, em vez de os deportar - mostrando um calcanhar de Aquiles descomunal.
Bem, já estou a divagar.
Em todo o caso: o que perdeu os judeus não foi a falta de integração, foi a private agenda do III Reich, que se serviu do capital de desconfiança acumulado em décadas e séculos de maledicência dos judeus.

Se não tivesse havido um Hitler, se a república de Weimar tivesse evoluído para uma democracia estável, o anti-semitismo latente (alimentado, no séc. XIX, por episódios como os Protocolos dos Sábios de Sião e o debate da Treitschkiade) teria diminuído, ou continuaria a criar problemas de não-aceitação aos judeus alemães de hoje?

***

E que se pode aprender com isto para o caso dos turcos, ou dos muçulmanos, residentes na Alemanha?
Antes de mais, que a insinuação de falta de lealdade de um grupo étnico tem consequências devastadoras para o futuro. É muito difícil tirar essa ideia da cabeça das pessoas, e impedi-las de generalizar. E se isso já torna a coabitação difícil no tempos da paz, que dizer do tempo da "guerra ao terrorismo" ou do tempo de crise económica.
Por esse motivo, Erdogan cometeu um erro enorme ao dizer que os três milhões de turcos residentes na Alemanha deviam fazer lobbyism pelo seu grupo e pelo seu país, a Turquia.
Antes disso, já tinham sido cometidos outros erros. Quem nas mesquitas prega contra a sociedade alemã, presta um péssimo serviço à sua própria comunidade.
Passou recentemente na Arte um programa em que alguém lia cruamente uma gravação de uma dessas pregações. Só vi um pouco, a parte em que o pregador explicava que o Corão proíbe matar, mas autoriza que se mate um infiel, ou os que for preciso, para salvar a vida de um muçulmano. Isto é, digamos, um bocadinho anticonstitucional. Quem diz e quem aceita ouvir coisas destas não pode reclamar para si um lugarzinho ao sol no seio da comunidade alemã, ou europeia.

A integração tem de passar pelo respeito mútuo e pela confiança. Bem-me-quer ou mal-me-quer? Bem-nos-queremos? Mal-nos-queremos? Os gestos de aproximação têm de vir de ambos os lados.

***

Quanto à diferença de intenção nas etiquetas apostas aos grupos étnicos na Europa e nos EUA: acho que não é bem uma questão de tirar ou acrescentar. Parece-me que nos dois casos é uma questão de prender: és latino, ficas latino; és turco, ficas turco.
Os indivíduos perdem margem de manobra na construção da sua própria identidade.
A ascensão social também fica um bocado condicionada - nos EUA tal como na Europa. Andei numa escola em San Francisco onde isso era muito evidente: os professores eram brancos, o pessoal administrativo era asiático e as empregadas de limpeza eram... adivinha.
Há num livro do Michael Moore uma passagem curiosa, onde ele faz a apologia dos African-Americans - que (desde que não se lembrem de imitar os brancos, como fazem a Rice e o Powel, avisa ele) são gente impecável, formidável, fora de série, etc., e que ele tomou a decisão de só empregar African-Americans.
A intenção pode ter sido boa, mas não deixa de ser uma patetice: se nasci com pele escura, tenho de corresponder ao estereótipo (definido por quem?) dos African-Americans, e não me é permitido adoptar outros tipos de comportamento, considerado mais típico dos brancos. Ou dos latinos, se me apetecer.
E eu, que nasci branca, não tenho hipóteses de arranjar emprego na empresa do Michael Moore. Isso é que me dá cá uma raiva!

***

Caso alguém tenha chegado ao fim deste arrazoado, aqui vai outro, que achei muito interessante: um estudo, em português, comparando a construção da identidade nacional no Brasil e na Alemanha.

16 fevereiro 2008

aprender alemão mas manter-me fiel à minha cultura

Adenda prévia, devido a um comentário do Lutz: post a propósito de um discurso de Erdogan em Colónia. O discurso completo pode ser lido aqui (em alemão).

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E se o nosso primeiro-ministro viesse a Hamburgo dizer a uns bons milhares de portugueses que deviam aprender alemão sem contudo esquecer a sua própria cultura?
Que mudaria eu na minha vida de emigrante?

Evitava os alemães, e juntava-me aos outros emigrantes portugueses, num impulso gregário?
Inscrevia-me num grupo de folclore minhoto?
Passava a cantar fados no duche (mas baixinho, para ninguém se rir)?
Começava a comer bacalhau três vezes por semana?
Passava a vir do supermercado com mais sacos plásticos que compras?
Desatava a anunciar em público a mensagem redentora de Fátima? Pendurava um rosário no retrovisor?
Num país que aposta na organização como forma de aumentar a eficiência do sistema e reduzir os erros, insistiria nas vantagens do desenrascanço?
Se estivesse descontente com o projecto de fechar o aeroporto Tempelhof, fazia uma espera ao presidente da Câmara de Berlim para lhe chamar "grande paneleiro"?

Ou deitava fogo à exposição que esteve até há pouco aqui, no museu de História, onde se falava dos descobrimentos portugueses de forma desrespeitosa?
(Nem queiram saber! Em vez de dar o devido relevo aos nossos brandos costumes, que fazem de nós um povo tão diferente, e ao "make love, not war" de Afonso de Albuquerque, não: andaram a perder tempo com pormenores tão insignificantes como o projecto de Colombo ter sido rejeitado pelo rei português, ou o Fernão de Magalhães ter sido afastado da corte portuguesa e ter feito a viagem de circum-navegação por conta do rei de Espanha. E falavam também das guerras, da conquista sangrenta de cidades estratégicas para o domínio das rotas comerciais. Que interesses obscuros estarão por trás de um exposição que assim se dedica a denegrir o nosso passado glorioso?)

E que devo fazer com os meus filhos, que me nasceram alemães?
Se quiserem estudar, digo-lhes que vão trabalhar, calaceiros, que têm bom corpo? (esta, lamentavemente, é autêntica: conheci um rapaz, filho de emigrantes portugueses, que foi alvo de um cerco cerrado da comunidade de emigrantes, "preguiçoso, sempre de livro na mão, não tem vergonha, a pesar aos pais em vez de ir trabalhar!")
Quando a Christina (sangue do meu sangue, etc., mas alemã até à medula) fez nove anos e nos disse "já passou metade do tempo que vou viver convosco" devia ter-lhe respondido que filha minha só sai da minha casa para casar?
E quando o Joachim concordou com a filha, eu devia divorciar-me e dá-lo por culpado, já que agiu contra tudo o que é normal na minha cultura?

Estou a exagerar, a usar propositadamente imagens do "Portugal no seu melhor", que só existe no anedótico.
Se um governante português viesse a Hamburgo dizer que temos de nos manter fiéis à nossa cultura, não estaria com certeza a propor isto. Mas então, estaria a propor o quê?
(Se é que alguma vez um governante português se lembraria de se dirigir assim aos emigrantes...)

O que é ser português? O que nos faz diferentes dos outros povos, e que valores são esses que temos de preservar a todo o custo quando vivemos no estrangeiro? O que é tão importante preservar, que chega a ser preocupação para um primeiro-ministro? E o que é que um primeiro-ministro sabe do que é a vida de um emigrante?

Pessoalmente, não me vejo como uma espécie de embaixador cultural do meu país.
Não sei para mim, quanto mais para "nós". Vou andando e vou vendo, tentando conciliar cada fase da minha evolução com o que é normal nas sociedades onde tenho vivido.
Nem eu, nem as sociedades onde me insiro, nem a sociedade em que nasci: nada é imutável.

Já disse aqui uma vez: não sei o que é "nós", mas sei exactamente quem é "não-nós".

E talvez seja isso o que mais me desagrada na mensagem de Erdogan aos milhares de turcos que se reuniram em Colónia para o ouvir. Ao dizer que devem aprender alemão, mas continuar fiéis à sua cultura, está a reforçar o conceito de "nós x outros". Pior: está a propor um "nós" estagnado, porque não permite que um turco, ou um descendente de turcos, evolua livremente em função do seu contexto social, e lhe impõe um sentimento de remorso por deixar de viver segundo os costumes dos parentes que ficaram na Turquia.

Tivesse ele dito "aprendam alemão, porque vocês são uma ponte viva entre a cultura alemã e a turca; procurem ser uma presença enriquecedora na vossa nova sociedade", e ficávamos amigos. Mas não, em vez disso veio brandir o fantasma da perda de identidade. Como se as crises de identidade não fizessem parte do processo de crescimento de toda a gente. Como se os emigrantes e os seus filhos soubessem claramente, e muito melhor que os outros, quem são, de onde vêm e para onde vão.

***

Para a Abrunho, a propósito de alguns comentários no post anterior: é importante não esquecer que durante os últimos quarenta anos a Alemanha pensou que os emigrantes não vinham para ficar. Só agora se começa a falar seriamente disso, e da necessidade de decidir sobre os objectivos e as políticas de integração. Ainda estamos na fase da tomada de consciência. Para um filho ou neto de turcos que se sente tão alemão como todos os outros, é muito doloroso. Se tivesse nascido uns dez ou vinte anos mais tarde, talvez fosse mais fácil.
Já se notam alguns sinais de mudança. Nos jornais aparecem cada vez mais artigos escritos por pessoas com nomes que soam estrangeiros. Na televisão vê-se cada vez mais jornalistas e apresentadores com ar de "estrangeiro".
Por um lado, acredito que a sociedade acabará por se habituar a outros tons de pele e outra sonoridade dos nomes em gente que está perfeitamente integrada.
Por outro lado, lembro-me sempre de uma frase que li algures: "integração?! olhem para os judeus: estavam tão bem integrados na sociedade alemã que a eles se devem algumas das páginas mais importantes da cultura e da política desse país, e nem isso impediu o Holocausto!"

Conheces alguma sociedade onde a origem étnica não importa?

13 fevereiro 2008

do lado de cá das câmaras

Ainda histórias do terceiro dia:

1. Enquanto esperávamos pelas estrelas, tivemos oportunidade de observar ao nosso lado uma câmara de televisão que gravava as pantominices de uma mocinha muito bem penteada, em calças de ganga e casaco de peles. "Quem é? Quem será?" - entre o público rapidamente se chegou à conclusão que era uma apresentadora de um programa de futilidades da ZDF. Tipo Hola televisiva. Qual não foi o nosso espanto quando, meia hora mais tarde, a vimos toda produzida no tapete vermelho, a sorrir para os fotógrafos. Estrela de auto-geração espontânea?!

Agora que tenho imensa experiência neste mundo, já posso revelar como é que acontece este tipo de fotografias: a estrela, que está virade para os fotógrafos de um lado do corredor e se deixa fotografar de frente, volta a cabeça na direcção dos fotógrafos que estão atrás de si.

É este o movimento de onda que a Chistina acha muito divertido: os fotógrafos de um lado recuam, enquanto os outros avançam todos simultaneamente na direcção da actriz.


Sir Ben Kingsley com a sua nova mulher, uma brasileira que passou uns bons dez minutos a fazer um sorriso congelado. Provavelmente estava a pensar: "nossa, e pensar que eu achava o mar de Ipanema gelado! comparado com isso aqui, é uma sauna!"

À hora a que esta foto foi feita, estava eu a pôr o gorro, a aconchegar melhor o pescoço dentro do cachecol e a enfiar as mãos nos bolsos, tentando escapar ao frio da noite.

Duas horas mais tarde, quando a noite estava ainda mais fria, apareceu a Hayden Panettiere, assim:

Como é que elas conseguem?!

Isto já é muito mais que ossos do ofício - estou desconfiada que as câmaras fotográficas têm um efeito hipnotizador.

****

Adenda, porque a questão só agora me ocorreu:

Será que uma Grace Kelly se sujeitaria a isto? E uma Gracia Patricia?

11 fevereiro 2008

terceiro dia

Fomos para a espera com hora e meia de antecedência, e arranjámos um bom lugar. Enfim, longe da linha onde se pode receber autógrafos, mas numa plataforma com óptima vista.
Noventa minutos passam depressa, no meio daquela azáfama de câmaras de televisão, jornalistas do mundo glamour e paparazzi.

À chegada dos convidados VIP, dois rapazes atrás de nós começaram a classificá-los em celebridade a, b, c ou d. Chamaram "d" à Goldie Hawn, mas os velhotes (como eu) lá presentes trataram de lhes aumentar a cultura geral.
"É a mãe da Kate Hudson", informou a rapariga à minha frente. Ontem era o filho da Diana Ross, hoje é a mãe da Kate Hudson - e ainda dizem que a família está a perder terreno.

Algumas celebridades (de b-menos até d) levavam o penteado de ir à padaria ao domingo de manhã. O mundo glamour alemão é muito mais caseiro que o americano - o que o torna, a meus olhos, algo enternecedor.

Ben Kingsley trouxe a sua nova esposa. Mais uma estóica, num vestido vermelho de alças.
Ele, bem agasalhado, com um ar encantador, dirigiu-se logo ao público. O delírio.
Depois, pararam na passadeira vermelha a fazer de pombinhos apaixonados, ora virados para os fotógrafos da esquerda, ora para os da direita.

Penélope Cruz apareceu num vestido deslumbrante. Ficou imenso tempo a dar autógrafos, avançou até um dos corredores laterais, voltou para o centro para posar para as fotografias. Como é que ela aguenta ficar assim graciosa durante tanto tempo seguido?

Mas a minha preferida continua a ser a rainha de Narnia. Igualmente simpática, mas muito mais natural.

***

O momento mais engraçado do dia foi depois em casa, a Christina a contar ao Matthias como é a evolução de onda que os fotógrafos fazem em função do movimento das estrelas. Também se riram bastante com a minha demonstração de como é que uma estrela avança pela passadeira e posa para a fotografia.
(Acho que não fui muito convincente - talvez devesse ter tirado o avental antes.)

Agora vem uma semana de trabalho, e na sexta voltamos lá. Mas vamos com mais antecedência, que a Christina quer um autógrafo da Scarlet Johansson. Só espero que não traga tantos guarda-costas como a Penélope, porque atrapalham um bocado a visão de conjunto do vestido.

10 fevereiro 2008

segundo dia

Sábado, fim da tarde

Fui com a Christina dar uma volta pela Potsdamer Platz, em busca de estrelas.

A minha sorte é ela estar comigo, porque os reconhece todos.
"Olha, vai ali o Bruno Ganz!" - e eu a pensar que era um sem-abrigo, com a cabeça enfiada naquele gorro tricotado à mão...
Por outro lado, pensando bem, não é todos os dias que deixam entrar um sem-abrigo no Ritz-Carlton, mas uma pessoa não tem tempo de pensar em todos os detalhes.
"Olha, sabes quem é aquela?" - claro que eu não sabia - "é a rainha das Crónicas de Narnia!". Viera para a estreia do filme Julie. Estava com um vestido mais-ou-menos, uns sapatos piores, e um penteado a condizer, mas foi de longe a mais simpática. De longe. Nem sei como se chama, mas até agora é a minha preferida.

Quando vimos os paparazzi a abandonar o posto de vigia junto ao tapete vermelho, resolvemos ir embora também. Muito boa ideia porque, ao virar as costas ao tapete, pudemos ver a cara de encantamento dos outros mirones. Uma espécie de alegria calma enchia a praceta.
Veremos como vai ser amanhã, quando aparecer a Penélope Cruz, ou na próxima sexta, quando for a vez da Scarlet Johansson.

***

Abençoada nova lei do tabaco, que obriga o pessoal a sair dos hotéis onde decorrem as recepções para vir fumar um cigarrinho à rua. Foi assim que passaram por nós dois rapazes, "também não sabes quem é este, mãe?! faz muitos filmes para crianças!", e lá fomos nós pacatamente ter com eles, para a Christina pedir o autógrafo.

***

Aqui, a primeira regra é: se queres encontrar uma estrela, vê para onde aponta o paparazzo.
A segunda, que aprendi hoje, é: se queres encontrar a estrela onde não há ajuntamentos, vê onde anda o caçador profissional de autógrafos.
Vimos um, muito ansioso, junto a uma saída lateral de um edifício. A porta abriu-se, um grupo começou a sair, e ele, rápido: "Mr. Ross, pode dar-me um autógrafo?"
Um rapaz cheio de estilo mas com ar de incomodado com tudo desde que nasceu até hoje dirigiu-se até nós, e começou a assinar as fotos que já estavam preparadas. E nós ao lado, a ver (muuuuh, muuuuh). Um dos seus amigos (ou seria o guarda-costas?) trocou connosco um sorriso simpático, como se fôssemos todos simplesmente humanos. Depois meteram-se no carro, e o caçador telefonou todo frenético a um colega a dizer onde estava. Lá veio o colega a correr, ainda fez um sprint ao lado do carro, mas este já não parou.
Perguntei-lhe quem era esse Mr. Ross, que nem a Christina sabia, e ele olhou para mim perplexo e dignou-se responder: o filho da Diana Ross.
Ah, sim, isso é que é um currículo.

***

Tem estado muito bom tempo, mas Fevereiro em Berlim é Fevereiro em Berlim.
Nunca mais olharei da mesma forma para as fotografias destas mulheres nos seus vestidos decotados e sem mangas. Estrelas?! Estóicas!

09 fevereiro 2008

um momento da Berlinale

Hoje tenho de jogar no Totoloto. Se a sorte de ontem se repetir, os 17 milhões já cá cantam.

Ora então: ontem à tarde, um amigo escreveu-me um e-mail "Ainda nao sei se vou conseguir, mas vou tentar arranjar bilhetes para o "Musta jää" às 22:30 no Berlinale Palast ou para o "Berlinale shorts" às 22:00 no CinemaxX 3. Se quiseres telefona-me: xxxx~xxx"!
Telefonei-lhe, ele arranjou os bilhetes para a première do "Musta jää", e eu fui, a pensar que ia ser uma seca monumental, finlandeses perdidos de bêbados na paisagem, em ritmo Manoel de Oliveira, mas com neve.

Um dia destes tenho de acabar com todos os meus preconceitos, só me atrasam a vida.

O filme era muito bom: uma mulher que se inventa uma nova identidade para se aproximar da amante do marido. Com as muitas situações cómicas que este tipo de trocas permitem, paralelamente a uma densidade emocional muito rica, seriedade na evolução das personagens e, last but not least, tantas voltas e reviravoltas na condução da história que o público se sente numa montanha russa.
Se não fosse as cenas de sexo bastante explícitas (sublinhar o "bastante") seria capaz de aconselhar vivamente a passagem deste filme na televisão portuguesa. Ou nos cinemas, claro, embora me pergunte se o cinema finlandês chega às salas de cinema portuguesas.

Porque é que tenho de jogar no Totoloto?!
Porque, não sendo fácil arranjar lugares para as premières, saíram-nos logo os lugares no ponto onde convergiam os dois corredores mais importantes da sala. A actriz principal, Outi Mäenpää, entrou na sala pelo lado do palco, e avançou lentamente na nossa direcção, num belo vestido vermelho sem alças. Nem os paparazzi conseguiram chegar tão perto dela - e, para mais, nem foi preciso fazer nada: ela veio ter connosco. Hehehe.

Se nos próximos dias não aparecer por aqui, já sabem por onde ando: ou pela Potsdamer Platz, ou a conversar com um consultor financeiro para decidir do paradeiro a dar aos 17 milhões.


PS1 (parolo): incrível a quantidade de mulheres que vi a tentarem escapar aos seus decotes. O amigo com quem fui apreciou muito essas batalhas.

PS2 (também parolo): estar a assistir a um filme com o pessoal que o fez provocou-me alguns reflexos estranhos. Por exemplo, rir bastante alto para que o realizador e os actores se sintam recompensados.
Mas deve ser efeito Berlinale. Quando assisti a outras premières em San Francisco ou em Weimar isto não me acontecia.

PS3 (cínico) para os fumadores portugueses que se queixam da nova lei sobre o fumo: aqui vai uma cena do filme.


08 fevereiro 2008

aos nossos projectos

Um casal, a quem nascera um filho, desentendeu-se quanto ao nome a dar à criança, e foi falar com o rabino.
- Qual é o vosso problema?, perguntou o rabino.
- A minha mulher quer dar ao nosso filho o nome do pai dela, e eu quero que ele receba o nome do meu pai, respondeu o marido.
- Qual é o nome do seu pai?
- Abia.
- E o nome do seu sogro?
- Abia.
- Então qual é o vosso problema?, perguntou o rabino, surpreendido.
- Sabe, disse a mulher, o meu pai era um doutor, enquanto que o pai do meu marido era um ladrão de cavalos. E eu não quero que o meu filho tenha o nome de um ladrão de cavalos!
Desesperado, mas incapaz de os deixar sem uma resposta, o rabino disse-lhes:
- Dêem ao vosso filho o nome Abia. Depois deixem-no crescer, começar a andar e a falar. Ouçam os seus sonhos, vejam como luta pelo seu futuro, observem como se realiza. E só depois saberão se ele recebeu o nome do doutor ou o do ladrão de cavalos.

07 fevereiro 2008

o pastor e o lobo

"O pastor e o lobo" é a história que imediatamente me vem à ideia ao ler o post do Miguel Silva sobre a actuação da chamada imprensa de referência:

"A dificuldade de comentar esta polémica reside precisamente na falta de confiança que existe no trabalho das televisões e dos jornais. Chegámos a um ponto em que, apesar da notícia, é sempre preciso começar as frases com um “se for verdade…”. Porque por vezes, demasiadas vezes, não é. Não só a fidelidade da informação passou a ser duvidosa, como as prioridades editoriais deixam muito a desejar. Ou querem convencer-nos que não há nada com maior interesse e importância para noticiar do que os projectos que Sócrates assinou há duas décadas?

Se é isto que têm para servir como jornalismo de investigação da imprensa de referência, é fraco. É menos que fraco. Comparativamente, não é melhor, sequer, que as aberrações de tijolo e cimento que Sócrates ajudou a pôr de pé."


Voltando à polémica: estamos a falar de estética (a aparência das casas) ou de ética (alegadamente: assinar projectos cujos autores não se querem dar a conhecer porque são, eles próprios, os técnicos da Câmara que aprovarão os mesmos)?
No primeiro caso, sai um tiro pela culatra: quantos portugueses haverá que gostem de um engenheiro que imponha o seu gosto ao cliente?!
No segundo caso, Miguel, fico à espera de um novo post, sobre o funcionamento do sistema judicial, nomeadamente no que diz respeito a responsabilizar os jornalistas pelos crimes de injúria e difamação...

05 fevereiro 2008

presentinho

...para o meu filho Matthias, que acha que ela "é bonita, é mesmo muito bonita!"

E acrescenta: "parece portuguesa". (Este rapaz vai longe...)

Ora aí está um piropo por interposta pessoa, que partilho com as minhas compatriotas. À nossa!




A canção começa a meio do segundo minuto, até aí é o aquecimento dos músicos - dois minutos para lhes sentir o nervoso e ouvir o riso.

when I'm sixty-four...





A meia-idade deve ser aquela altura em que nos apercebemos que sixty-four não é no fim do mundo, mas daqui a bocadinho. E um tempo tão bom como qualquer outro para saborear a vida e o amor.

04 fevereiro 2008

mas que belo domingo



Em vez da chuva e neve que anunciaram, tivemos um glorioso dia de inverno.
Aproveitei para passear no Lietzensee, quase à esquina da minha rua.







Com os seus relvados e as suas árvores frondosas, o Lietzensee é um parque óptimo para as crianças brincarem. O problema é que os cães levantam-se mais cedo, e quando as crianças lá chegam já está tudo transformado em esterqueira pública.
Algumas mães zangaram-se e resolveram fazer uma manifestação de protesto: começaram a deixar as fraldas sujas dos filhos em cima do relvado. Abertas e com o conteúdo bem exposto. Deu uma boa fotografia a cores na primeira página dos jornais.

Pobre "mundo civilizado", este nosso. Como se já não nos bastasse a guerra entre os fumadores em locais públicos e os não fumadores...