02 maio 2019

um milhão de euros estacionados à esquina

O Fox voltou. O Matthias trouxe-o ontem, antes de sair para férias, e almoçou comigo. Vinha para a manifestação do primeiro de Maio em Grunewald, convocada este ano pela segunda vez pela "Internacional Hedonista", para se solidarizarem com os ricos burgueses deste bairro, que vivem tão isolados por trás dos seus muros altíssimos, e outras gracinhas do género (já falei disto no ano passado, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).


Um dos nossos vizinhos - um que conseguiu construir aqui casa, mas se vê obrigado a fazer contas aos cêntimos: andam todos de bicicleta porque não têm dinheiro para comprar carro, e nas férias vão de comboio para o parque de campismo - disse ao Matthias que se sentia ameaçado por esta manifestação contra o nosso bairro. Compreendo-o, embora saiba que a grande maioria dos participantes são pacíficos, não querem destruir nada e vêm aqui, ao bairro onde mora o dinheiro, alertar para as assimetrias crescentes na distribuição do rendimento, para a desigualdade e para a pobreza. No entanto, no ano passado houve algumas pessoas que se juntaram à manifestação para danificar carros de luxo e câmaras de segurança das propriedades, o que, obviamente, deu uma má imagem desta manifestação e justifica o temor dos meus vizinhos. Pior ainda: a AfD aproveitou para distribuir um folheto no bairro, capitalizando os medos e exagerando a ameaça de uma violência descontrolada contra a propriedade privada. De modo que este ano os organizadores tiveram o cuidado de sublinhar que estão em missão de paz e solidariedade para com os "solitários habitantes das vilas de Grunewald", e a polícia aumentou muito a vigilância, chegando a ter dois helicópteros a sobrevoar a zona.

Pensei participar na manifestação, mas pareceu-me que ia fazer figura de agente dupla. O Matthias riu-se de mim, meteu num saco três cervejas frescas para beber com os amigos, e fomos os dois até ao ponto de encontro dos manifestantes. De caminho, sugeri-lhe que, se vissem alguém a querer danificar a propriedade alheia, os tentassem impedir. Ele protestou: "também não te peço que vás dizer aos teus vizinhos que paguem os impostos como devem!"
Touchée. 


Os amigos dele já estavam à espera. Todos com muito boa pinta. Despedi-me, e disse-lhe para ter cuidado com as cervejas. Os amigos riram-se - esperavam que eu dissesse para ter cuidado com ele próprio. Ora, isso não era preciso, porque tinha a certeza que a manifestação ia correr bem. Só estava preocupada com a possibilidade de a polícia considerar as garrafas de cerveja uma espécie de arma. Mais tarde, li nos jornais que a polícia tinha andado a revistar mochilas em busca de marcadores e autocolantes. Hehehehe, isto são as autênticas armas de destruição em massa...

Como ia dizendo, o Fox voltou. Recomeçaram os passeios ao lago, e voltei a ter contacto com a minha rua. Hoje, ao regressar do passeio da manhã, reparei num carro com uma forma que não conhecia. Fui ver mais perto, era um Rolls Royce Wraith. Olhei em volta: lado a lado, dois Range Rover e um Mercedes Coupé S63. Mais o Ferrari que se esconde na garagem ao lado, mais isto, mais aquilo. Fazendo as contas por alto, tinha mais de um milhão de euros estacionados à esquina.

Devia ter participado na manifestação de ontem.


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