28 fevereiro 2013

na hora da despedida


Não direi que Bento XVI tem mais encanto na hora da despedida, mas o seu gesto de se despedir tocou-me. Não é qualquer um que percebe as próprias limitações e é capaz de deixar o lugar vazio para que outro faça o que tem de ser feito.

Bento XVI, o humilde.

vida de cão

Vou pela rua com o Fox, e de repente começo a reparar no que digo:

"iiih, cocó, que porcaria, tira daí o focinho!"
"não, isso é um jardim, não podes fazer chichi"
"iiiih, cocó, não!"
"anda cá"
"pára"
"não lambas isso, é chichi!"
"vamos atravessar a rua depressa! hop! hop!"
"iiiih, cocó, anda-te embora"
"aí não!"
"que porcaria, chichi, não se lambe!"
"iiiih, cocó, vamos!"
"chichi aí não, as pessoas não gostam"
"aí também não"
"aqui"
"pára"
"anda"

Quinze minutos assim - a volta ao quarteirão. Se calhar é a isto que chamam vida de cão.
E pensava eu que o estava a educar, para se tornar um cão civilizado e que não incomode as outras pessoas.

Depois pensei: se gravassem as conversas entre pais e filhos pequenos no espaço público, seria muito diferente? No conjunto de tudo o que dizemos aos nossos filhos pequeninos ao longo do dia, qual é a percentagem de frases que são ordens (anda cá, vai ali, come, despacha-te, veste, tira, põe, faz, cala-te, fala mais baixo, espera, vai tomar banho, não deites sabão nos olhos, está quieto, vai brincar no teu quarto que eu agora estou ocupada) e proibições ("não!"), qual é a percentagem de frases elogiosas? Qual é a percentagem de conversas sobre o que os interessa, nas quais eles são realmente ouvidos?

a Democracia em chamas

(foto)

Foi há oitenta anos que o incêndio de um edifício acelerou a História.
Do muito material existente sobre este momento, escolhi este filme de 4 minutos com imagens históricas, cuja tradução (rápida, com cortes e anotações) se segue. 
(se me disserem como passar isto para o youtube, eu ponho as legendas)

Na noite de 27 para 28 de Fevereiro de 1933, alguém deitou fogo ao edifício do Reichstag, o Parlamento alemão. As chamas não destruíram apenas o edifício com mais de 60 m de altura, mas também o símbolo mais importante da Democracia alemã, que o Kaiser Wilhelm I mandara construir em 1884. O incêndio dá-se quatro semanas após a chegada ao poder de um novo personagem: Adolf Hitler. Depois de meses de árdua disputa do poder, o presidente Hindenburg acaba por nomeá-lo chanceler. [O Parlamento é dissolvido e] Hitler espera que as eleições de 5 de Março resultem no reforço da sua posição.
O povo alemão está esgotado e desmoralizado. A depressão económica e os longos anos de disputas políticas atingiram-no profundamente. Hitler promete renovação e resolução de todos os problemas económicos. Aliou-se ao sectores mais conservadores - os chefes do exército e os representantes do sector financeiro acreditam que com um governo nacional-socialista será possível restaurar a sua antiga grandeza e acabar definitivamente com os movimentos políticos da esquerda. 

Sobre o Parlamento, Hitler terá dito que se trata de um "antro de Nathan" que é necessário destruir rapidamente [nota: não consigo entender o texto com toda a certeza, e não encontrei outras citações na internet, mas parece-me que se refere a Nathan, o sábio, personagem humanista e tolerante de uma peça de teatro de Lessing, proibida pelos nazis]. Agora que o edifício está a arder, o recém-nomeado chanceler aparece no local do crime no papel de um horrorizado guardião da calma e da ordem. Goebbels e Göring também estão presentes. 
Göring grita: "Isto é a revolução comunista!", no que é secundado pelos outros políticos. Um historiador comentaria mais tarde "o modo sinistro como os mais importantes dirigentes nazis estavam subjugados pela sua própria propaganda anticomunista". O chefe da Polícia, manda prender um jovem holandês que parecia completamente desnorteado. Chama-se Martinus van der Lubbe, é pedreiro, pertence a um grupo anarquista de esquerda, e será decapitado após um curto processo, no qual confessa que é o autor do incêndio. Nunca se saberá toda a verdade sobre este caso. Os opositores políticos acusam a SA de, com o conhecimento de Göring, ter incendiado o edifício entrando nele por um túnel - mas também eles foram incapazes de apresentar provas da acusação. 

Facto é que o incêndio do Reichstag permitiu aos nazis neutralizar os comunistas antes das eleições de 5 de Março, e reforçar o autoritarismo da governação por recurso a medidas legais. Dão início a uma campanha brutal, com confrontos nos quais morrem muitos comunistas, e são presos os seus dirigentes, tais como Dimitrov (que acabará por ser libertado, por falta de provas).
Este acontecimento permite que Hitler dê o passo decisivo para a sua ditadura sem limites. Pressionado pelos acontecimentos, o velho presidente Hindenburg assina no próprio dia 28 de Fevereiro o Decreto de Emergência para Protecção do Povo e do Estado, que suspende os direitos fundamentais da antiga Constituição: os direitos de protestar, de controlar e de se associar [nota: noutra fonte encontro: liberdade de expressão, liberdade da imprensa, liberdade individual, liberdade de associação, sigilo postal] e permite perseguições, confiscos e censura. Os alemães terão de esperar doze sangrentos anos para começarem a regressar à Democracia. 

***

Curiosamente, ao ver as imagens do Reichstag em chamas lembrei-me do 11 de Setembro. Outro incêndio que acelerou a História. Junto um cartoon, com cujo texto não concordo inteiramente, mas que é importante para nos lembrar que isto não são meras "histórias antigas lá desses alemães". É fundamental conhecermos bem a História, para não nos deixarmos embrulhar nas mesmas armadilhas dos poderosos. 

(foto)

27 fevereiro 2013

para Stéphane Hessel, et pour cause




O, crois-le, mon cœur, crois-le
Rien n’est perdu pour toi !
Il est à toi, oui à toi, ce que tu as désiré,
À toi ce que tu as aimé
Ce pour quoi tu as lutté
O, crois-le
Tu n’es pas né en vain!
Ni en vain tu n’as vécu et souffert !

(a partir de 1:22:54)

a indignação não basta

Stéphane Hessel morreu.
Em momentos destes sinto sempre uma espécie de vertigem: os melhores de nós vão-se, e deixam o mundo nas nossas mãos impotentes e inábeis.

Num post que escrevi em Março de 2011, e agora transcrevo, falei da sua vida misturada com a nossa História, e de uma mensagem importante que nos queria deixar: a indignação não basta, dizia ele. É preciso comprometermo-nos.



17 Março 2011


Engagez-vous!

Rui Bebiano, fala neste post do livro Indignai-vos!, de Stéphane Hessel.
Ao aproximar-se do final da vida, escreve Bebiano sobre Hessel, mas - digo-o com toda a satisfação! - o homem está alive and kicking.  Depois de pôr o dedo na ferida, tratou imediatamente de nos abrir portas para sairmos desta situação. Porque a indignação não basta.
O novo livro chama-se Engagez-vous!, e é uma conversa com  Gilles Vanderpooten, um jovem ecologista.

Si Indignez-vous ! appelle à l'indignation, Engagez-vous ! – vous l'aurez compris – appelle à «s'engager sur tous les fronts dans les combats de son époque : droits de l'homme, défense des sans-papiers et des sans logis, etc.» Car, insiste le vieillard engagé au travers des échanges : «il ne suffit pas seulement de s'indigner». Un entretien sur l'engagement, donc, que le sociologue Jean Viard résume en trois mots : vif, profond et passionnant.

D'écologie, il en est donc aussi question dans Engagez-vous : «Je crois que l'engagement pour l'écologie est aussi fort que l'était pour nous l'engagement de la Résistance. L'intérêt du mot «écologie» est qu'il s'articule en problèmes très concrets, certainement plus facilement que l'engagement dans la lutte contre l'injustice. L'engagement de votre génération pour limiter la consommation excessive d'énergie et de ressources, c'est un des engagements concrets où l'on peut déjà agir par soi-même [...]», souligne un Stéphane Hessel plus impliqué que jamais sur la question.
(aqui)

***

Recentemente, ao preparar uma visita turística a Weimar, cruzei-me com o nome de Hessel. Nascido alemão em 1917 e filho de um judeu assimilado, tornou-se membro da resistência francesa, foi preso e torturado pela Gestapo, e enviado para Buchenwald, sendo o seu nome inscrito numa lista de condenados à morte. Foi salvo por Eugen Kogon e Arthur Dietzsch, também prisioneiros, que trocaram o seu número pelo de um judeu morto do bloco de experiências de medicina, o que o marcou para sempre com uma espécie de culpa. Fez parte do grupo que escreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, insurgindo-se em especial contra a tortura porque, como a sua própria experiência ensinou, além de ser uma violência absolutamente inadmissível, é uma coisa estúpida: o algoz não tem meios para saber se o torturado diz a verdade ou está a inventar para escapar ao sofrimento.
Neste site (em francês) encontrei mais informações sobre ele, e um conjunto de entrevistas admiráveis.

Indignez-vous! Engagez-vous! - é a consciência do século XX que nos fala, a voz de um homem livre que atravessou o pior e o melhor que o século passado nos legou.   

esqueçam os pastéis de nata - queijo limiano é a exportação do futuro!

Queijo limiano é o preferido por vinte e cinco por cento dos eleitores italianos:



E ainda a procissão das eleições nos países em crise vai no adro.

26 fevereiro 2013

sabem aquela história de terem assassinado o Kennedy mal eu nasci e de ter caído o muro de Berlim quando eu cheguei à Alemanha?

O meu lado Calamity Jane atacou outra vez: comprei (com uma antecedência de praí três meses, andava toda contentinha) no First Classics Berlin bilhetes para dois concertos, Igudesman & Joo no próximo sábado, e Kurt Masur & Dresdner Philharmonie no domingo.

Há dias avisaram que o Igudesman teve um acidente e partiu os dois braços.
E hoje fiquei a saber que o Kurt Masur teve um acidente e nem se sabe quando repetirá o concerto.

Disse ao senhor da First Classics que se calhar é melhor oferecer-me os bilhetes, porque quando compro dá azar...

o que vale é que o normal quadro democrático veio para ficar, e nada o abala

(foto)

(foto)
Em Itália, dois comediantes levaram mais de metade dos votos.

Marina Abramovic meets Big Brother



De Criação Criativos:
"Nos anos 70, Marina Abramovic viveu uma intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando todo tipo de performances. Quando sentiram que a relação já não valia aos dois, decidiram percorrer a Grande Muralha da China; cada um começou a caminhar de um lado, para se encontrarem no meio, dar um último grande abraço um no outro, e nunca mais se ver. 
Vinte e três anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva a sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse e...
Foi assim."


Será que havia necessidade?
Tudo em mim se revolta contra esta cena. Com que direito apanham esta mulher tão desprevenida quanto exposta?

25 fevereiro 2013

será que é?




Ouço esta mulher, e só me ocorrem perguntas assim:

"Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina?"

23 fevereiro 2013

lasanha de carne de cavalo para os pobres



Antes que em Portugal se comece a temer que a Alemanha esteja outra vez no limiar da barbárie, devido à sugestão de dar lasanhas de carne de cavalo aos pobres, aqui vai a tradução de um artigo do TAZ, só para dar uma ideia melhor de como é que a ideia surgiu e qual é o ponto da situação:


Será que se deve dar a necessitados os produtos com carne de cavalo e etiquetas incorrectas? Ou trata-se de um atentado à dignidade das pessoas? Dirk Niebel, Renate Künast e outros políticos discutem sobre esse tema. 

Berlim dpa /
(...)
Em cada um dos Estados alemães, os institutos continuam a fazer testes. O porta-voz do ministério, Holger Eichele, disse ao jornal Bild am Sonntag que até agora nenhuma das análises revelou a existência de fenilbutazona, um medicamento para cavalos que é nocivo para os humanos.

Entretanto, continua o debate sobre a proposta de dar aos pobres os produtos retirados do mercado. O deputado federal da CDU Hartwig Fischer tinha sugerido que produtos como a lasanha com carne de cavalo não declarada não deviam ser destruídos precipitadamente depois de serem retirados das lojas. Sugeriu que os produtos em relação aos quais estivesse provado que não eram nocivos para a saúde deviam receber etiquetas correctas e ser entregues a instituições de caridade.

O Ministro para o Desenvolvimento, Dirk Niebel (FDP), pronunciou-se a favor desta proposta: "No mundo, há mais de 800 milhões de pessoas a passar fome. Mesmo na Alemanha há infelizmente pessoas com dificuldades financeiras, mesmo para comprar comida. Parece-me que aqui na Alemanha não podemos deitar fora alimentos que estão em bom estado", disse ao jornal Bild.


A Igreja Evangélica critica a destruição de alimentos

Também a Igreja Evangélica alerta para a destruição precipitada da lasanha de cavalo. O prelado Berhard Felmberg afirma: "Destruir alimentos que podem ser consumidos sem risco é tão grave como aldrabar as etiquetas."

Estamos perante um debate artificial, disse à dpa Eichele, porta-voz do Ministério. "A entrega desses produtos está completamente fora de causa." Enquanto os produtores e o comércio não forem capazes de provar de forma inequívoca a origem de todos os ingredientes, a doação desses produtos não é juridicamente permitida. A defesa preventiva do consumidor é para ser respeitada, mesmo em casos como este, que infelizmente obrigam a desperdiçar alimentos, afirmou ele.

Andrea Nahles, secretária-geral do SPD, declarou que a proposta de Fischer era desumana e indigna. "É uma ofensa para as pessoas com rendimentos mais baixos. Espero que ele peça desculpa", disse ao jornal Bild. "Os produtos que podem conter carne com substâncias nocivas à saúde devem ser eliminados."

Segundo Renate Künast, representante da facção parlamentar dos Verdes, "subjacente a esta proposta absurda de Fischer está a ideia de que há pessoas de segunda classe. Queremos boa qualidade para todos".



***

Síntese de um artigo do Spiegel sobre os perigos de comer carne de cavalo:

Alimentação: a carne de cavalo é um petisco

Um fabricante de produtos alimentares misturou carne de cavalo na sua lasanha de carne de vaca. Um escândalo. Contudo, a carne de cavalo não apresenta riscos para a saúde. E tem muito ferro.


Pferdefleisch: In vielerlei Hinsicht gesünder als RindfleischZur Großansicht
AP
Carne de cavalo: em muitos casos mais saudável que a carne de vaca

Pode-se comprar carne de cavalo na Alemanha?
Na França é uma délicatesse. Na Alemanha também existem alguns talhos de carne de cavalo. A carne de cavalo não é nociva para a saúde - pelo contrário. Nomeadamente no que diz respeito ao ferro, é mais saudável que carnes habitualmente consumidas, como a do porco. 

Porque é que a carne de cavalo tem tão má fama?
Essa má fama tem raízes históricas. Em 732, o Papa Gregório III proibiu o consumo de carne de cavalo. Só com a Reforma é que se voltou a comer esta carne, mas era sobretudo um alimento para os pobres, só sendo alargado a outras camadas da população em épocas de fome. Aparentemente, os nossos antepassados pré-históricos comiam esta carne sem qualquer problema.


Qual é o valor alimentar da carne de cavalo?
Carne magra e com muito ferro, mas com menos vitaminas que a carne de vaca.


Que sabor tem?
(...)

Quais são os problemas que esta não declaração na etiqueta pode implicar para a saúde?

A carne de cavalo, por si só, não tem problemas. A questão é não se saber como é que os cavalos foram criados. Antes de serem abatidos para consumo alimentar, os animais (também vacas, porcos e galinhas) não devem receber medicamentos (como por exemplo antibióticos) durante períodos determinados. Na França já se confirmou que a fenilbutazona chegou à cadeia alimentar por meio de carne de cavalo não declarada. Na Alemanha, animais que tenham sido tratados com este medicamento, muito comum no caso dos cavalos, não podem ser usados para produtos alimentares. O produto pode ser perigoso sobretudo para pessoas com problemas de rins e fígado. É por esse motivo que os alimentos com etiquetas falsas não devem ser consumidos.  

Que cuidados se deve ter no consumo desta carne?
Os mesmos que se deve ter no consumo de todos os alimentos: atenção às quantidades. 

é este o famoso Pacheco Pereira, tão citado pelos desolados da esquerda?




Neste segmento da Quadratura do Círculo, a propósito da manifestação contra o Miguel Relvas na Universidade, Pacheco Pereira acusa o Miguel Relvas de cobardia: "A obrigação do ministro é dirigir-se a quem preside à sessão e perguntar: meus senhores, então como é?"

Durante o primeiro minuto do vídeo da TVI vê-se que o Miguel Relvas aguenta estoicamente a manifestação. A seguir, as pessoas da organização vêm ter com ele e dizem-lhe que o melhor é abandonar a sala. Então ele não fez o que o Pacheco Pereira entende que devia ter feito? Porque é que lhe chama cobarde?
[Adenda: dizem-me que as pessoas da organização, na pessoa do J. A. Carvalho, já vieram publicamente esclarecer que deixar a sessão foi decisão unilateral de Relvas. Não é bem isso que vejo neste filme, mas, a ser como o J. A. Carvalho diz, retiro esta parte da crítica.]





Mais grave ainda: quando António Costa critica este "combate político fora do quadro democrático", Pacheco Pereira não responde com contra-argumentos (e todos sabemos que os há, e de muita qualidade), mas corta-lhe a palavra com um pérfido "Você quer mesmo, mesmo, chegar a Primeiro-Ministro. Eu compreendo..."

Caro Pacheco Pereira, não sei quais são os seus objectivos, não sei se esta sua maneira de estar no debate público é incapacidade de fazer melhor, ou estratégia, mas uma coisa é certa: não é assim que se serve a Democracia.

22 fevereiro 2013

e por falar em partir com o circo...

Amigos, 
Há uma sensação que quase toda criança tem quando o circo vai embora da cidade. De repente, todo aquele mundo de encantamento e magia desaparece deixando um enorme vazio num terreno novamente ermo. Meninos percorrem o chão batido, tentando lembrar onde ficavam os mastros da lona do picadeiro central, os suportes do trapézio, o praticável da banda. Terá sido um sonho a passagem do circo pela cidade? A serragem largada no chão, ainda molhada do xixi de elefantes e leões, não nos deixa ter dúvidas. Houve, sim, um circo que passou por ali, nos encantou, e agora foi embora, talvez para sempre, talvez até algum dia em que o circo não será mais o mesmo, não porque ele mude, mas porque nós mudamos.
Muitas vezes, desejamos partir com o circo. Ver aqueles vagões enormes entrando na estrada, levando todos aqueles momentos maravilhosos para algum lugar distante, faz com que nos sintamos pequeninos e nos dá uma vontade enorme de ir juntos, abandonar lar e escola e mergulhar no mundo paralelo do brilho, espanto, alegria e felicidade.
Terça-feira, às 11 horas da noite, deixei a Helena na casa da Fernanda. Lá, ela iria dormir e acordar na quarta para iniciar uma viagem até o Rio de Janeiro, passando por Paraty e cercanias. Uma parte do meu coração foi viajar com elas, como um aprendiz da vida, orgulhoso por estar entre o mágico, o trapezista e a bailarina.


***


O circo acontece entre as pessoas, é feito tanto pelo público como pelos artistas.
E também não é fácil desfazer a tenda e partir, quando se está tão bem num lugar.
Na tarde de sábado andámos a passear pela Barra. Havia um grupo de samba rafeirinho num bar da praia, e resolvemos ficar por ali, bebendo água de coco e saboreando aquele ambiente de festa. Só podia ser portuguesa essa que desatou a chorar na praia cheia de sol e samba.
No teu circo que parte, Ruben, eu sou o palhaço do lugar-comum, a cara escancarada de sorriso e os olhos cheios de lágrimas.

Sophie Scholl, Hans Scholl, Christoph Probst




Faz hoje 70 anos que Christoph Probst (23) e os irmãos Sophie (21) e Hans Scholl (24) foram condenados à morte, e executados no mesmo dia, por guilhotina. Quatro dias antes tinham sido observados por um vigilante escolar, quando espalhavam folhetos na Universidade, nos quais se manifestavam contra a guerra e o regime nazi. O filme "Sophie Scholl - os últimos dias" mostra bem a força que os movia. Admiráveis. 



o earworm do dia



Gosto muito mais do Moustaki a cantar isto, mas não encontrei um vídeo com ele.
Também gosto muito da letra, excepto a parte do "faites l'amour à celles que j'aimais".
Tenho sorte com os earworms que me acontecem.


Si ce jour-là vous avez un peu de tristesse 
Ne le montrez pas aux amis 
Que mon souvenir soit celui d'une fête 
Où l'on dit adieu 
Sans éternel regret 
Sans cérémonie 
Et sans mines défaites 
À peine la gorge 
Un peu serrée 

Si ce jour-là… 
Ne le montrez pas aux amis 
Je pense à cela 
En ce mercredi treize 
En voyant partir 
Un ami bien-aimé
Il méritait mieux 
Que cette triste messe 
Et ces gens tout en noir 
Qui l'emmenaient

Igudesman and Joo


Esperei anos para que estes simpáticos viessem a Berlim. Andei meses a avisar toda a gente que vinham, até parecia que me pagavam comissão pela publicidade. O Matthias já me tinha avisado que este Fevereiro 2013 era um mês perigoso: depois do Papa e do cometa, foi a vez de o Igudesman arranjar maneira de partir os dois braços num simples passeio na praia!
O concerto em Berlim foi adiado para 5 de Junho. 
(ainda bem que este ano não é bissexto) 

(foto)

21 fevereiro 2013

o circo

Há quem sonhe fugir com o circo - eu limito-me a ficar quietinha em casa, e o circo vem ter comigo.
Esta semana é o Kevin Beverley. Senhoras e senhores, este:

(atenção, a fã nº1 sou eu, mas é que nem pensem, vi primeiro! xô, cheguem para lá, não empurrem)


Kevin Beverley - Trapeze Artist|Dancer|Acrobat from Émile Mathieu on Vimeo.

(Na próxima segunda-feira, dia 25, está na GOP Hannover, às oito da noite. A seguir regressa ao Canadá, e depois começa uma tournée nos EUA, com les 7 doigts de la main.) (Tinha de contar tudo, tinha? Maldita costela católica que não me deixa guardar o que é bom só para mim...) (E também sabe dançar sapateado, e arruma a louça depois de comer, e é incrivelmente simpático - sobretudo isso: uma presença incrivelmente simpática e leve.)

"alistem-se nos Filarmónicos, diziam eles..."

Mais um concerto na Filarmonia, com o primeiro bloco dedicado inteiramente a música moderna:

Henri Dutilleux, Métaboles:



Witold Lutoslawski, Concerto para Violoncelo e Orquestra:



O violoncelo, no princípio do concerto, lembrou-me este vídeo onde se comparam as primeiras notas da Heróica de Beethoven de 1924 até 2011:



Não sei se os músicos gostavam daquelas peças - eu nem por isso. Olhava para eles e imaginava os pobres legionários romanos no chão, depois de mais uma tareia, a suspirar: "alistem-se no exército, diziam-nos..."

Mas a seguir ao intervalo tudo voltou à boa e velha Pax Romana (digamos assim) (pelo menos para mim). A sinfonia nº 2 de Robert Schumann, da qual mostro o terceiro andamento:



***

Antes desse concerto assisti ao filme "Mrs. Carey's Concert", da série Musik bewegt Bilder.



Um colégio feminino privado australiano, que dá especial importância à música, prepara o seu concerto anual na Ópera de Sydney. Os devaneios adolescêntricos das alunas são rebatidos com frases como "fazer parte deste projecto é um privilégio que tens de saber merecer". Não sei porquê, lembrei-me dos miúdos chineses treinados desde tenra infância para atletas dos jogos olímpicos ou do circo...
O resultado de seis meses de trabalho intenso é um concerto excepcional, e uma solista de violino que vai dar que falar. Emily Sun estuda no Royal College of Music, em Londres, e por pouco não a vimos na semana passada, num dos concertos de terça-feira na Filarmonia.



informação para quem estiver em Berlim no próximo sábado


Aquele filme de que já falei aqui várias vezes, por ter gostado muito, sabem, o Grzeli Nateli Dgeebi (olha... já sei escrever isto de cor!), vai passar no cinema Arsenal no próximo sábado, dia 23, às 19 horas. Com legendas em inglês.

20 fevereiro 2013

Berlinale 2013 - Don Jon's Addiction



Olhando para o conjunto dos filmes que vi nesta Berlinale, Don Jon's Addiction parece aquele elemento que não bate certo com os outros, nos testes de QI.
Simplesmente não tem nada a ver com os outros filmes. Como diz Joseph Gordon-Levitt: o público gosta, ri nos momentos em que deve rir, fica em silêncio nos momentos em que deve ficar em silêncio. A receita funciona, como nos livros do Dan Brown: uma pessoa sabe que está a ser manipulada por uma narrativa feita com mais know-how que inspiração, mas deixa-se ir. Rimos, ficamos em silêncio, rimos outra vez, encolhemos os ombros e vamos à vida.
Não é um filme daqueles que fica a trabalhar em nós.

***

A Berlinale acabou no Domingo passado, e deixou saudades (mas também me está a dar jeito poder dormir e fazer outras coisas).
Dos muitos filmes que vi, lembro especialmente:

In Bloom * A Batalha de Tabatô * Pardé

Espero que cheguem a Portugal - gostava de falar sobre eles com os meus amigos. Porque, como dizia o outro, "é bom a gente ter com quem se maravilhar".

Berlinale 2013 - Um Fim do Mundo


Um Fim do Mundo era mais um dos filmes castigado pela sinopse do caderno da Berlinale. Pareceu-me que ia acontecer uma coisa horrível, e que não me ia apetecer ver. Nada mais errado: no filme não acontece nada, a não ser abrirmos gavetas e descobrirmos que os nossos preconceitos não cabem lá dentro.
No fim, a adolescente ao meu lado perguntou: "gostou?" Coitadinha, estava ainda mais pasmada que eu. O meu problema é que tinha ido para lá à espera de uma história, e saiu-me uma descrição que interpelava as minhas ideias feitas. Mas a pobre da minha vizinha nem ideias feitas tinha - que sabe ela dos bairros sociais de Setúbal?

Por sorte a equipa que fez o filme ficou na sala a explicar. Os adolescentes de Berlim são uns sortudos: podem ver estes filmes, e aprender imenso em diálogo com os seus autores.

Berlinale 2013 - Senzo Ni Naru



Senzo Ni Naru, "raízes", é um documentário sobre um homem de 77 anos que, após o tsunami de 2011, teima em construir novamente uma casa no mesmo sítio onde sempre viveu. Nem aquele mar consegue arrancar raízes tão fundas.

A mulher e a nora (que perdeu o marido no tsunami) decidem deixá-lo sozinho e ir viver no alojamento preparado pelo Estado, mas ele fica. Continua a lutar para que aquela região não se desertifique, e da cabana precária em que vive ainda manda recados para o abrigo estatal: "eles que recomecem a trabalhar, eles que não se habituem a ficar sem fazer nada." Ele próprio já anda a plantar arroz, a derrubar árvores para fazer casas.
Uma força da natureza. O seu entusiasmo contagia outros, que se chegam a emocionar durante as festas da cidade, quando alguém apela a continuar as tradições e a vida tal como era antes do tsunami.

Saí do cinema a pensar que é ilógico construir no sítio que o mar destruiu. Mas ele parece tão satisfeito na sua casa nova, junto das imagens dos seus antepassados "que sempre aqui viveram", que não ouso criticar. Faz-me pensar que o sentido da vida vai muito para além de criar as condições para sobreviver, e cada um tem o direito de escolher o seu.



Berlinale 2013 - La Paz



O que fazem as saudades! Fui ver La Paz por causa do nome, e porque parece que tinha a ver com a Bolívia. Afinal o filme passa-se na Argentina! E só na cena final aparece La Paz - uma La Paz tão pobre como deslumbrante.

A Christina riu-se. Disse-me que se quero encontrar no cinema o país onde mora, mais me valia procurar También la Lluvia.



O melhor mesmo é ir visitá-la, acrescentou. E vamos. Já falta pouco mais de um mês!
(Este ano está-me a acontecer ainda mais depressa do que o habitual: daqui a um mês saímos para a Bolívia, daí a nada já é Verão. Se eu fosse esperta, começava já a tratar das prendas de Natal)

como se não lhe bastasse ser um músico fantástico, é humorista!



O bom filho à casa torna - depois do interregno da Berlinale, pois lá voltei à Filarmonia. Em boa hora: um concerto com o Albrecht Mayer que foi demasiado curto (desconfio que este oboé seria bem capaz de encurtar a própria eternidade).

Fui para o ouvir tocar Mendelsson Bartholdy, Ralph Vaughan Williams e Maurice Ravel - tive isso, e muito mais: nos intervalos da música rimos e gargalhámos, porque o Albrecht Mayer tem muito jeito para entertainer. Começou por avisar que o tema da noite seria o plágio, e logo ali lembrou Bach, o maior plagiador do mundo. Não disse o nome "Annette Schavan", mas todos perceberam, e muitos aplaudiram com gosto.

No fim da primeira parte, ofereceu-nos um encore. Perguntou: querem um original, ou um plágio? O público quis um plágio, e ele falou então da canção de Reynaldo Hahn, "S'il est vrai, Chloris, que tu m'aimes", pediu-nos para adivinhar a quem foi roubado o acompanhamento da melodia, a sala entusiasmada: "Bach!", e eu a rir cá por dentro: "ladrão que rouba ladrão..."
O Albrecht Mayer continuou:
- Gosto muito desta peça, imaginava que Chloris seria uma mulher lindíssima, de longos cabelos loiros - até que descobri que afinal era um homem. Ora, isso não me incomoda. O que me incomoda é saber que até há bem pouco tempo os homossexuais ainda eram perseguidos. Mas as coisas mudam, hoje mesmo o Tribunal Constitucional deu um passo importante no sentido da igualdade. Apanharam o Papa demissionário, e foi isto...

Infelizmente não encontrei esta canção com oboé em vez da voz humana. Por isso, deixo aqui o Philippe Jaroussky a tentar imitar o oboé do Albrecht Mayer:




Deixo também este concerto de Ralph Vaughan Williams (composto em 1944 para ser tocado no Royal Albert Hall, mas que foi passado para Bedford, devido aos bombardeamentos) - gostei muito, especialmente da passagem mais lenta no terceiro andamento: 





A orquestra tocou também uma peça de Mendelssohn Bartholdy, composta quando ele tinha uns doze anos (doze anos, meu Deus!), com um segundo andamento extraordinário: manda calar os violinos, e divide as violas em três vozes (a partir de 7'25):



Inesquecível também foi o momento em que o solista nos confidenciou que este concerto era para ele uma "primeira vez": a primeira vez que o público daquela sala não aproveitava os momentos de pianissimo para tossir com toda a força. Falou com muita graça do medo que ele e os colegas da Filarmónica sentem quando, no final da nona de Mahler, naquele lentíssimo morrendo, ouvem alguém a puxar o ar com toda a força, preparando-se para...
O público riu e aplaudiu. Mas é bem verdade que "gabaste-lo estragaste-lo" - dali para a frente, a brigada da tuberculose voltou ao ataque.

**

No fim do concerto comprei um CD e pus-me na fila para os autógrafos. A senhora ao meu lado, muito conversadora, dizia-me que o solista comprou a casa de amigos dela, "festejámos muitas passagens de ano na casa onde ele agora mora". Quase lhe respondi "ah, isso não é nada comparado comigo, quando comprei a casa de cunhado do Mahler e fiz a cozinha no sítio que provavelmente seria a sua sala de música...", mas optei por sorrir com ar de muito impressionada.
Quando chegou a sua vez, ela disse-lhe "sei muitas coisas sobre si!", ele sorriu, eu engoli em seco. O que é que esta gente pensa?!
Quando chegou a minha vez, ele queria saber o meu nome, e de onde venho, e de que cidade de Portugal. Que simpático! Disse-lhe que talvez tivesse ouvido falar de mim, por causa da noitada de fado que os filarmónicos tiveram em Lisboa, ele respondeu cheio de pena que tinha perdido esse momento mágico, de que tanto se falou na orquestra. Prometi-lhe que havia de lhe dar uma segunda oportunidade.
(Paulo, prepara-te: ainda vai sobrar para ti!)

Agora vou passar o dia a ouvir um CD com corais de Bach para oboé, orquestra e coro, e a olhar para a dedicatória: "für Helena! Ihr Albrecht"
(ele se calhar diz o mesmo ponto de exclamação a todas, mas eu prefiro fazer de conta que não)

19 fevereiro 2013

mais uma crise de identidade


O US Census Bureau está a pensar incluir os portugueses no grupo étnico Hispanic Americans a partir de 2020. A PALCUS, uma organização de "American Portuguese", preparou um inquérito aos imigrantes portugueses nos EUA, e aos seus descendentes, para decidir sobre eventuais acções/reacções.

Tenho dificuldade em perceber aquela necessidade do censo dividir as pessoas nestas categorias (preto, branco, índio, indiano, chinês, filipino, etc.). Tenho ainda mais dificuldade em perceber porque é que um imigrante espanhol é um hispanic, mas um imigrante italiano ou francês é um white. E para complicar ainda mais: um imigrante romeno (vá, vocês sabem do que estou a falar...) pode dizer que é white. Hehehe.



Copio para aqui algumas perguntas do inquérito feito pela PALCUS aos portugueses, porque me parecem muito interessantes. Sai mais uma crise de identidade para a mesa do canto...

4.
I consider myself Hispanic, Latino, or Spanish origin because (check all that apply):

The origin of the word "Hispanic" is from the Latin word Hispanicus, that is, from Hispania or the Iberian Peninsula, which includes both Portugal and Spain.
The term Hispanic is used as a form of classification for the immigrants and descendants of a wide range of ethnicities, races and nationalities of Latin origins.
The U.S. Department of Transportation defines Hispanic to include, "persons of Mexican, Puerto Rican, Cuban, Dominican, Central or South American, or others Spanish or Portuguese culture or origin, regardless of race.
Portuguese and Spanish are both Latin-based, and therefore, both can be considered Latino/Hispanic languages.
The social and economic interests of the Portuguese in America will be better served if they are identified as being a part of the growing Latino/Hispanic population.
Other  
5.
I do not consider myself to be Hispanic, Latino, or Spanish origin because (check all that apply):

The term Hispanic means "of or relating to, or being a person of Latin American descent living in the U.S.; especially one of Cuban, Mexican, or Puerto Rican origin, and, therefore it does not apply to Portuguese people.
Hispanic is basically an American term, used by the American government only, and not recognized anywhere else in the world.
The correct term is "Lusfonos" to describe people of Portuguese descent or culture.
Lusitania and Portucalense are the original names of areas known today as Portugal. Hispania was the name given to our neighbor, known today as Spain. Portugal was never part of Hispania and therefore Portuguese are not Hispanic.
The social and economic interests of the Portuguese in America will be better served if they are identified as white, European Americans.
Other  

"Tribunal Constitucional da Alemanha reforça os direitos de adopção dos homossexuais"

Tradução de uma notícia do Spiegel online em 19.02.2013:

Tribunal Constitucional reforça os direitos de adopção dos homossexuais

Se um cônjuge traz um filho adoptivo para o casamento, o outro cônjuge pode adoptar a criança. É essa a regra para casais heterossexuais, que até agora não se aplicava a casais de pessoas do mesmo sexo. O Tribunal Constitucional alemão declarou que esta diferença é anticonstitucional. 


Karlsruhe - O Tribunal Constitucional alemão declarou que as restrições no Direito de Adopção que dizem respeito aos casais homossexuais são anticonstitucionais. O tribunal decidiu que, de futuro, os homossexuais que vivem numa união registada [na Alemanha, não se chama "casamento" a esse contrato entre pessoas do mesmo sexo] podem adoptar uma criança que tenha sido adoptada pelo seu parceiro.
Nos casos levados a tribunal, o requerente reclamava o direito de adoptar os filhos adoptivos do seu parceiro. Na Alemanha, esta "adopção sucessiva" é possível para os casais heterossexuais - mas não para os casais homossexuais. Os juízes de Karlsruhe concluíram que isso viola o direito à igualdade. Com esta deliberação, o tribunal rejeitou a argumentação da Associação de Famílias da Alemanha (Deutscher Familienverband - DFV), que afirma que crescer num contexto de pais do mesmo sexo pode ser prejudicial para uma criança. Segundo os juízes, é mais provável que "o contexto protegido de uma união registada possa promover o desenvolvimento da criança tal como no contexto de um casamento".


Dois casais, um de mulheres e um de homens, tinham recorrido ao tribunal

Os juízes apoiaram-se em pareceres de especialistas, segundo os quais uma adopção deste tipo é útil para criar na criança "efeitos psicológicos de desenvolvimento que a estabilizem". Uma das pessoas que levou o caso ao tribunal constitucional é uma médica de Münster. Em 2004, a sua companheira de longa data adoptou uma menina da Bulgária. A médica também queria adoptar a criança, mas os tribunais rejeitaram o seu pedido. O segundo caso era semelhante, mas foi tratado de forma diferente pelo tribunal: um casal de homens registou a sua união de facto em 2002, e no mesmo ano um deles adoptou uma criança da Roménia. Três anos mais tarde, o parceiro requereu a adopção, mas o Tribunal de Primeira Instância (Amtsgericht) indeferiu o pedido.


Verdes anunciam iniciativa legislativa

O homem recorreu ao Tribunal do Estado de Hamburgo (Oberlandsgericht), e teve sucesso. O legislador permite que uma pessoa adopte o filho biológico do seu parceiro, porque entende que essa adopção se traduz numa melhoria do estatuto legal da criança. Esta lógica também se deveria aplicar a filhos adoptados, entenderam os juízes, e levaram o caso ao Tribunal Constitucional Federal.

Ainda antes da decisão deste tribunal, os Verdes já tinham anunciado que levariam ao Parlamento uma proposta de lei sobre este tema. Volker Beck, o líder parlamentar dos Verdes, disse ao jornal Neuer Osnabrücker Zeitung que iriam propor que os homossexuais pudessem adoptar crianças na qualidade de casal, tal como os heterossexuais. Uma lei mais liberal facilitaria algumas coisas aos casais de pessoas do mesmo sexo - e dar-lhes-ia mais segurança.
De momento, homens e mulheres que não são juridicamente reconhecidos como pais e mães não podem ter acesso às vantagens fiscais ligadas à parentalidade. Os filhos também teriam a ganhar, pois os adultos estariam ambos obrigados a assegurar o seu sustento. E: no caso da morte de um dos pais ou de uma das mães, o parceiro não tem qualquer garantia jurídica de ser apontado como o responsável pela criança.
O que não está sujeito a decisão nesta terça-feira é a possibilidade de adopção conjunta para um casal homossexual. Também aqui existe um tratamento desigual: os casados podem adoptar conjuntamente, os parceiros de uma união registada não podem. Mas o Tribunal Constitucional não tem de momento qualquer caso destes em mãos.

em bom português...

Aos três anos, o Matthias decidiu que não queria falar português. Tinha bons motivos para isso: justamente na altura em que estava a ganhar segurança no alemão, mudámo-nos para os EUA. Três idiomas dentro da cabeça de um rapazinho que se irritava todo por não conseguir exprimir-se adequadamente em nenhum deles era demais para aquela camioneta. De modo que durante uns tempos até lhe falávamos em inglês. Dois anos mais tarde voltámos para a Alemanha, e na escola os outros miúdos olhavam para ele como se fosse um marciano, porque tinha algumas hesitações no alemão.
Há alguns anos escolheu enfim aprender o português: para poder falar com os amigos de Portugal, e para lhes escrever no facebook.
E agora resolveu aprender a falar à moda do Porto.

Ahem... só vos digo que ultimamente cá em casa andamos com um nível literário que em nada fica a dever ao do blogue do ex-secretário de estado da cultura.

18 fevereiro 2013

Berlinale 2013 - Baby Blues

Baby Blues foi o filme que ganhou na categoria Generation. Não vi, mas o Matthias veio-me com uma teoria de que certos temas são bem mais passíveis de ganhar esse prémio que o do filme que ele viu nesta categoria (os meninos da rua no Quénia), e que era óbvio que Baby Blues tinha muitas hipóteses:
- Uma miúda extrovertida, muito centrada na moda, que quer ter um filho.





Berlinale 2013 - Unter Menschen



Unter Menschen é um documentário sobre um projecto de recuperação de chimpanzés criados em condições atrozes, e ainda mais sobre os seres humanos: sobre as condições em que estes bichos viveram durante quinze anos, para serem usados como cobaias para uma vacina da sida; sobre a rede de corrupção que se estende entre os países exportadores de animais, os responsáveis nos governos e as empresas de investigação (e ninguém atire a primeira pedra, porque eu quero ver que político seria capaz de criar dificuldades a tal investigação, em nome das espécies protegidas e do respeito pelos animais); sobre o sentido de responsabilidade de algumas ajudantes do laboratório que detestavam trabalhar naquele lugar horroroso, mas ficaram - "se eu me for embora, eles ficam sem ninguém que ao menos lhes dê atenção, que fale com eles. Ficam completamente abandonados."

A investigação não deu resultados positivos, as experiências foram postas de lado. Em vez de matarem os bichos tornados "inúteis", construíram-lhes uma casa que fosse de algum modo uma reparação pelo que lhes tinha sido feito. As ajudantes de laboratório ficaram com eles, e foram preparando o difícil caminho para a sua ressocialização.

Estas mulheres são admiráveis: cuidam dos quarenta animais e do espaço em que vivem, emocionam-se de alegria ao imaginar que um dia eles poderão sair para o ar livre, filosofam sobre o significado e os limites dessa "reparação" (o que me lembrou a discussão sobre o cão Zico - a questão central não é o animal em si, mas o poder, a culpa e a responsabilidade dos humanos).

Na conversa com o público, Claus Strigel, um dos realizadores, contou que as tratadoras estavam convidadas para virem à Berlinale apresentar o filme, mas o novo empregador não deixou. Supõe-se que não gostou do modo como foi retratado no documentário (eu, no lugar dele, também não teria gostado: estava a contar com um bom golpe de marketing, e aparece apenas como alguém que se preocupa menos com os animais que com o negócio que eles podem proporcionar). De modo que as mulheres não puderam vir a Berlim, e nós a pensar que vivemos numa sociedade livre...
Alguém do público pediu ao realizador que lhes transmitisse a nossa gratidão e admiração, e a sala inteira aplaudiu.

A conversa continuou. Falaram dos poderosos interesses e do modo como qualquer resistência era torpedeada, da dificuldade em encontrar pessoas que quisessem testemunhar para o documentário, mesmo tantos anos depois do encerramento da empresa. Perguntaram: com que direito tratamos os animais deste modo? onde traçamos a fronteira?
Claus Strigel disse que depois daqueles meses de contacto com os chimpanzés a sua fronteira ficou muito mais apertada. Mas acrescentou uma questão inquietante: e se as experiências tivessem tido sucesso? Se o sofrimento destes animais tivesse permitido chegar à vacina tão desejada?


Saí de lá a pensar no preço da vida dos humanos. Valemos assim tanto que se justifica o vale tudo?

Berlinale 2013 - A Batalha de Tabatô




No caderno com o programa da Berlinale, A Batalha de Tabatô parecia um filmezeco com uma história sem interesse: pai e filha vão a caminho da aldeia, para o casamento desta, e o pai lembra uma batalha que ali aconteceu. Apesar de ser de um português, desarrisquei-o da minha lista.
Por sorte a Berlinda organizou um encontro com todos os participantes portugueses nesta Berlinale, no qual se tornou óbvio que o João Viana teria muito mais para oferecer que um filmezeco. De modo que comprei um bilhete, e foi das coisas melhores que fiz nesta Berlinale, porque começou aqui uma viagem: de um cinema na Potsdamer Platz para África, uma travessia por pontes desconhecidas para dentro de mim.

O filme conquista logo às primeiras imagens, às primeiras palavras -

 Há 4500 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos a agricultura. 
 Há 2000 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos a boa governação dos reinos. 
 Há 1000 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos o chão do reggae e do jazz. 
 Hoje, perante a tua guerra, criaremos contigo a tua paz.

- e leva-nos para uma África que eu, ignorante me confesso, desconhecia inteiramente.
Um filme africano, disse-se no encontro da Berlinda. Vai crescendo de forma surpreendente, para culminar num final cheio de simbolismo, acrescento eu, e muito mais que isso, contou o João Viana após a apresentação: é o filme que as pessoas de Tabatô quiseram fazer, com uma mensagem que lhes é muito importante, e que querem passar na Guiné-Bissau, numa espécie de cinema itinerante.

Perante a sala cheia até ao último lugar, o realizador deixava serenamente transbordar o amor e o respeito que o ligam a África, e respondia com uma simplicidade desarmante às perguntas que lhe faziam ("casting? não houve casting - eles tiveram a ideia, decidiram quem fazia o quê, e pediram-me para os filmar").


A batalha - a minha ponte - de Tabatô, recebeu uma menção honrosa na categoria Melhor Primeiro Filme da Berlinale 2013. Nem que fosse o décimo ou o centésimo filme: mereceria na mesma todas as honras! Ou seja (e isto é um conselho para os amigos): não o percam. 

(Nota mental: prafrentemente, devo ler a sinopse dos filmes no site da Berlinale, e não no caderno)

17 fevereiro 2013

Berlinale 2013 - Dial M for Murder



Dial M for Murder - a Warner Bros obrigou o Hitchcock a fazer este filme em „3-D Naturalvision“, e ele, coitado, fez. Segundo a wikipedia em alemão, quando ficou pronto a febre do 3D tinha passado, pelo que chegou à Europa em 2D. Em 1980 fez-se nova versão em 3D, que foi apresentada na „World 3D-Film Expo 2003“, em 2010 na ARTE, e agora nesta Berlinale.

Fui vê-lo com o Matthias - o seu primeiro Hitchcock. Passou o filme inteiro com cara de quem estava a apanhar um vírus com toda a força.

Este ano viu três filmes - "todos bons", comentou, muito satisfeito. Desconfio que no próximo festival é ele quem vai tratar de arranjar os programas, e que havemos de nos revezar na compra dos bilhetes.
Hoje encontrei a mãe de um amigo dele na Filarmonia. Contou-me (mães são terríveis!) que tinha dado o programa ao filho, mas ele nem o abriu. Entretanto apareceu o Matthias na escola com a sugestão de irem todos, e num instante se formou um grupo entusiasmado (não me digam que inadvertidamente fiz do meu filho uma quinta coluna na resistência daqueles adolescentes?).
No próximo ano, disse ela, bem combinadinho e com a ajuda da escola, ainda se arranjam bilhetes para o grupo a 2 ou 3 euros. Venham eles!

Berlinale 2013 - Grzeli Nateli Dgeebi


Grzeli Nateli Dgeebi, In Bloom.
Há filmes que deviam vir com guia for dummies. Este, que se passa na Geórgia após o desmembramento da União Soviética, por exemplo. Que guerra era aquela que eles faziam contra não-sei-qual-istão? Porquê o racionamento, a falta de electricidade? E a dança, o momento mais forte do filme: porque é que não avisaram antes que aquela é uma dança típica dos homens?

Mesmo sem guia, é um filme extraordinário. Esqueçam a Pipi das Meias Altas - Eka (a menina da direita, na fotografia) é um exemplo de beleza interior e consciência da sua razão com tal força que faz da Pipi uma menina de coro. Passem este filme nas escolas. Para que conste: "quem anda ao seu próprio ritmo, nunca é ultrapassado".

Aqui podem ver-se dois excertos (no primeiro, as miúdas cantam uma canção muito famosa na Geórgia nos anos 90, e que aparece três vezes no filme - por mim, punha-a em repeat) (infelizmente ainda não encontrei nenhum vídeo sem publicidade antes) (o que eu gostava era de encontrar o filme completo para vos mostrar aqui, porque este tocou-me mesmo).

16 fevereiro 2013

Berlinale 2013 - Inch'Allah



Inch'Allah - mais um daqueles filmes, sobre a vida na Palestina e em Israel, que não nos largam. Como Paradise Now, ou o Rock the Casbah (apresentado nesta Berlinale 2013): a estupidez da guerra, os contextos que transformam pessoas em monstros.
Conta-se a história de uma médica canadiana que vive entre israelitas e trabalha entre palestinianos, e todos os dias atravessa o muro, ao encontro de uma crescente solidão que acabará por obrigá-la a tomar posição por um dos lados.
No fim do filme, a realizadora e duas actrizes ficaram a conversar com o público. A actriz principal fala dos seus olhos como o elemento central do filme, e tem razão. Pelos olhos dela vamos avançando pelo beco sem saída dos dois povos, sentimos vontade de fugir - tal como ela, quando pede à mãe, pelo skype, que lhe mostre o rio da sua terra, no Canadá.
Contaram que o muro do filme foi construído na Jordânia, junto a um campo de refugiados, e depois levado para outro lado, para fazerem as cenas do lado israelita. Falaram do casting dos rapazinhos palestinianos: como se escolhe entre 400 miúdos? Simples: faz-se um concurso de cuspir...
Uma das cenas mais fortes do filme começa justamente com um diálogo de cuspidelas, que me fez pensar num confronto que tive há tempos em Portugal com ciganitas: elas foram malcriadas comigo, eu optei por continuar a tratá-las com delicadeza, mas elas foram aumentando a violência verbal. No filme, um rapazito cospe para o chão à frente da médica, em sinal de desprezo - e mais não conto. Mas é uma cena memorável. Inesquecível também a figura do rapazinho vestido de super-homem, o som da sua pedra a bater no muro.


Berlinale 2013 - Gold


Gold. Será que o mundo estava a precisar de um Western alemão feito em 2012?
Não me parece. Mas agora que o vi, sempre vos adianto que não tem cenas intermináveis de pancadaria, que os que têm de morrer morrem sem fazer fosquinhas, e que o caminho para o ouro do Canadá parece que nunca mais acaba.

15 fevereiro 2013

em vez de fiscais, participação pública

(foto)

Tenho um chuveiro fantástico, podem crer. Deviam fazer lá as reuniões de conselho de ministros, aposto que do duche saíam ideias melhores que as que saem daquela mesa.

Hoje, por exemplo, em menos de cinco minutos ocorreu-me isto:

Para pôr os portugueses a pagar o IVA de bom grado, e a verificar se é realmente entregue às Finanças, bastava dizer que a diferença entre o IVA pago em cada ano, e o que foi pago em 2012 (corrigido pela inflação) fica na região (concelho ou distrito) onde foi pago, para ser utilizado da maneira que o povo entender. Para isso,
1. Abre-se um concurso de ideias sobre o que fazer com o dinheiro (pagar as dívidas da região para se livrar dos malditos juros, comprar uma máquina XPTO para tratamento de cancro, fazer obras nos hospitais ou nas escolas x e y, baixar o preço dos transportes públicos, reactivar a linha de comboio regional fechada pela CP (passando a ser propriedade da autarquia), para pôr mais pessoal nas creches e nos lares de terceira idade autárquicos, fazer um centro de explicações e actividades culturais para crianças e jovens gratuito, etc.
2. Fazem-se reuniões para debater a importância de cada projecto.
3. Faz-se um referendo nessa região para escolher os projectos prioritários, com escolha múltipla.
4. Todos os anos publicam-se as contas do IVA, vê-se a diferença, e aplica-se o excedente nos projectos escolhidos.

Se as pessoas soubessem para onde vai o dinheiro, e que vai para os projectos que elas consideram importantes, não era preciso fiscais para nada.

(Estou em crer que esta ideia precisava de algumas afinações, mas a água e a energia estão caras, não deu para pensar muito mais - amanhã, depois do vosso duche, voltamos a falar disto)

14 fevereiro 2013

a revolução em combustão lenta

As notícias que me chegam de Portugal sobre controlos apertados à saída dos cafés, para verificar se os clientes pagaram com factura, não me surpreende nem choca: já há muito me habituei a guardar as facturas para não me habilitar a uma multa, quando estou na Itália - país onde se estima que a fuga aos impostos, entre pagamentos sem factura e rendimentos não declarados, ande anualmente pelos 120 mil milhões de euros.

Já os protestos que ouço em Portugal me surpreendem. Fazendo as contas muito por alto: 5 milhões de bicas vendidas todos os dias sem factura, a 50 cêntimos cada uma, com IVA de 23%, dá meio milhão de euros que em vez de entrarem nos cofres do Estado ficam nos bolsos dos donos do cafés. Note-se que nestes casos o estabelecimento cobra o dinheiro do imposto, mas não o entrega ao Estado. 

De onde nos vem este ímpeto de Robin dos Bosques? Os cafés e restaurantes aos quais fazemos questão de oferecer o imposto devido ao Estado estão em tal situação de precariedade que o desvio se justifica? Por que motivo aceitamos que alguém nos cobre um imposto, e fique com ele em vez de o entregar ao Estado? Como podemos conciliar este acto voluntário de cumplicidade na fuga aos impostos com a crítica à redução do Estado Social? 

Sim, eu sei: que esse dinheiro vai para os Bancos e as PPPs, que "eles" são todos uns corruptos, que esta fiscalização exacerbada é sintoma de totalitarismo. Que é uma forma de protesto. 

Não há dúvida: para grandes males, pequenos remédios. Façamos a revolução em combustão lenta - ajudando o dono do café a guardar para si o IVA pago pelo cliente, acendendo fogos-fátuos no facebook e no twitter. 

***

Ando a pensar vender um terreno, e na discussão do preço disseram que me dão o dinheiro na mão. Na altura não percebi qual era o interesse da coisa, mas uns meses mais tarde caiu a ficha: talvez seja para me facilitar o acto de protestar.
E agora, que me aconselham: "protesto", ou pago os impostos devidos?
Estava muito tentada a pagar os impostos, tudo certinho (isto são  mais de 23 anos num campo de reeducação alemão...), mas confesso que me sinto um bocado lorpa. 

Lorpa? A Elisa Lucinda é que sabe: "Dirão: Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba, e vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal. 
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!"

Também é uma proposta de revolução em combustão lenta, mas agrada-me muito mais: é um fogo que limpa. 

Berlinale 2013 - Pardé



(neste vídeo é possível escolher entre alemão e francês)

Pardé ("Cortina Fechada"), o filme proibido, era provavelmente o mais esperado nesta Berlinale. Jafar Panahi está impedido de trabalhar durante vinte anos, mas resiste - e a comunidade do cinema não o esquece. Pelo contrário: dá-lhe um lugar de honra. O momento do filme em que ele entrou em cena foi comovente: a sala inteira aplaudiu arrebatada, em sincera homenagem. Kamboziya Partovi, o co-autor do filme, diria depois no palco que Panahi estava em espírito entre nós. Acrescentando, com um sorriso e  os olhos húmidos: "gostaríamos que em breve o seu corpo se viesse unir ao espírito".
A actriz Maryam Moghadam vinha muito elegante, e lindíssima. Mostrava que, mesmo no mundo do cinema, uma mulher não precisa de exibir o corpo para impressionar. Tal como os filmes feitos naquela região, aliás: levam-nos onde querem, por vezes com uma intensidade avassaladora, sem precisarem de recorrer a imagens explícitas.

Pardé começa como um filme normal: um homem que esconde o seu cão do sistema que o quer matar, uma casa que é simultaneamente refúgio e prisão. Mas em breve tudo se complica, os perigos no exterior atingem e desmembram a narrativa no interior, por trás das cortinas fechadas. Deixamos de entender quem é actor e quem é realizador, quem manda na história do filme e na de si próprio. Às vezes a porta abre-se para deixar entrar um pouco de humanidade, na pessoa de vizinhos que ajudam e confortam. Mas o baixo contínuo de todo o filme permanece: opressão e medo.
Um filme complexo, como um lamento de dor e espanto, imperdível.
Inquietante, também: será uma despedida? Será que Jafar Panahi nos está a tentar dizer que não aguenta mais?

Nesta reportagem da ZDF (em arquivo até 12.03.2013) a partir de 1'39 podem-se ver algumas passagens do filme.
P.S. para os muito amigos que me procuram nas imagens da Berlinale: só por vossa causa, arranjei de me meter em frente à câmara nos últimos segundos da reportagem. (hehehe, não é qualquer um que consegue ser o emplastro do Jafar Panahi.)



13 fevereiro 2013

Berlinale 2013 (9)




Cheguei bastante cedo ao Berlinale Palast para ver o filme do Jafar Panahi, e deixei-me ficar pelo foyer, por trás do pódio dos fotógrafos que querem apanhar as pessoas a entrar.
Lá fora, o director da Berlinale, o Dieter Kosslick, dava o braço a uma mulher de longa cabeleira loira, bem aconchegada num casaco de peles. Depois deu-lhe um beijinho, ela sentou-se numa cadeira de rodas, e foi empurrada pelo edifício adentro. Por cima dela, num patamar das escadas, vinham sons de muita agitação. Ela olhou para cima, sorriu, acenava com ambos os braços. Depois continuou na minha direcção. Parou em frente a uma câmara de televisão, uma assistente compôs-lhe o cabelo. Sorriu para as câmaras e para as pessoas que lhe pediam autógrafos.
- Quem é?, perguntou a senhora ao meu lado.
- Quem é?, perguntei eu a um homem que acabara de receber um autógrafo.
- A Anita Ekberg, do Dolce Vita!, respondeu-me.

A Anita Ekberg. O empurrador da cadeira parou junto às câmaras, mas ela resolveu ir andando, pé ante pé, sentada. Passou por mim com um ar divertido, rimos.
O homem reparou na fuga, largou a correr, tomou o comando. E lá foram eles.

Tenho andado nesta Berlinale sem máquina fotográfica, só com o meu telemóvel pré-histórico, e todos os dias me arrependo. Mas não aprendo.