As notícias que me chegam de Portugal sobre controlos apertados à saída dos cafés, para verificar se os clientes pagaram com factura, não me surpreende nem choca: já há muito me habituei a guardar as facturas para não me habilitar a uma multa, quando estou na Itália - país onde se estima que a fuga aos impostos, entre pagamentos sem factura e rendimentos não declarados, ande anualmente pelos 120 mil milhões de euros.
Já os protestos que ouço em Portugal me surpreendem. Fazendo as contas muito por alto: 5 milhões de bicas vendidas todos os dias sem factura, a 50 cêntimos cada uma, com IVA de 23%, dá meio milhão de euros que em vez de entrarem nos cofres do Estado ficam nos bolsos dos donos do cafés. Note-se que nestes casos o estabelecimento cobra o dinheiro do imposto, mas não o entrega ao Estado.
De onde nos vem este ímpeto de Robin dos Bosques? Os cafés e restaurantes aos quais fazemos questão de oferecer o imposto devido ao Estado estão em tal situação de precariedade que o desvio se justifica? Por que motivo aceitamos que alguém nos cobre um imposto, e fique com ele em vez de o entregar ao Estado? Como podemos conciliar este acto voluntário de cumplicidade na fuga aos impostos com a crítica à redução do Estado Social?
Sim, eu sei: que esse dinheiro vai para os Bancos e as PPPs, que "eles" são todos uns corruptos, que esta fiscalização exacerbada é sintoma de totalitarismo. Que é uma forma de protesto.
Não há dúvida: para grandes males, pequenos remédios. Façamos a revolução em combustão lenta - ajudando o dono do café a guardar para si o IVA pago pelo cliente, acendendo fogos-fátuos no facebook e no twitter.
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Ando a pensar vender um terreno, e na discussão do preço disseram que me dão o dinheiro na mão. Na altura não percebi qual era o interesse da coisa, mas uns meses mais tarde caiu a ficha: talvez seja para me facilitar o acto de protestar.
E agora, que me aconselham: "protesto", ou pago os impostos devidos?
Estava muito tentada a pagar os impostos, tudo certinho (isto são mais de 23 anos num campo de reeducação alemão...), mas confesso que me sinto um bocado lorpa.
Lorpa? A Elisa Lucinda é que sabe: "Dirão: Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba, e vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!"
Também é uma proposta de revolução em combustão lenta, mas agrada-me muito mais: é um fogo que limpa.