Se bem me lembro, já não ia a Paris há mais de dez anos. Da última vez foi no fim de um Verão. O Joachim regressou à Alemanha mais cedo, mas os miúdos e eu ficámos em Portugal até ao fim das férias escolares. Quando não dava para adiar mais, enchemos o carro de malas, livros, e milhentos suportes da saudade. Uma vez cheio até não poder mais, ainda despejámos para as dobras daquela tralha toda um saco de batatas que a vizinha tinha tirado do campo, e cebolas, e limões, e mais alguns livros, e zarpámos a caminho da Alemanha. Uma viagem memorável! Tínhamos três CDs - o do filme Chicago, um de Taizé e um do Augusto Canário (o Matthias tinha-o visto ao vivo nas festas da terra, e ficara muito impressionado; eu comprei logo um CD, porque sei que todos os caminhos vão dar a Roma, desde que falem português, e o rapaz até então tinha-se recusado a falar a língua da sua mãe). Lá íamos nós a intercalar as obscenidades à Irene de Gaia com "praise the Lord, my soul" e "he ran into my knife ten times", seguido de gargalhada velhaca, quando começámos a ver placas de Paris. "Por favor, mãe, nunca fomos a Paris!", pediram eles, e eu entrei na cidade com o carro enorme, o retrovisor atafulhado de tralha e batatas, e sem mapa. Demos várias voltas ao arco do triunfo porque eu pura e simplesmente não conseguia escapar da rotunda, entramos na praça Madeleine e eles aproveitaram o engarrafamento para sair e estudar a montra da Fauchon ("isto também é cultura!", disse-lhes), depois metemos pelo Louvre para ver a pirâmide, parámos em frente à Notre-Dame, saíram do carro para espreitar a torre Eiffel enquanto eu fiquei de guarda às batatas e às multas. Vimos o Eliseu uma boa porção de vezes, porque passava a vida a meter-se no nosso caminho, até que, finalmente, descobri como é que se fazia para regressar à auto-estrada para a Alemanha.
Paris está sempre ali, e muda pouco, penso eu - não é como Berlim, que se uma pessoa sai por um fim-de-semana, quando volta já reinventaram a cidade outra vez. De modo que nunca é o momento certo e inadiável para ir até à cidade das luzes, e assim vai a vida: em indecisão. Por sorte a airbnb veio em meu auxílio: ofereceu-me um bilhete para o Open de Paris, desbloqueou-me a incógnita da data certa.
Falei com a minha amiga, que dantes era parisiense e agora se ganhou para o mundo inteiro. Fizemos planos. "Queres um concerto de rock punk, ou uma esplanada no Marais?" Sempre que falo com ela é verão, até me esqueço que estamos em novembro e atiro: Marais! Num concerto de rock punk é difícil ouvir as milhentas histórias que quero saber dela.
E aqui estou eu, de novo sem mapa em Paris. Convencida que, depois destes dias, Paris nunca mais vai ser a mesma. Para mim, pelo menos.
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Escrevi este texto no avião, e enquanto esperava a Carla. Depois disso tudo desatou a acontecer muito depressa e muito bem. Para já, estou ocupadíssima a tomar muito a peito cada momento nesta cidade. Depois, um dia destes, venho cá contar. Adianto apenas isto:
1. A Filarmonia é prodigiosa (se aparecerem por aí imagens de uma senhora de vermelho e cara de embasbacada e de "dêem-me um beliscão porque suspeito que estou a sonhar", sou eu.
2. No café Shakespeare and Company, o meu olhar distraído fixou-se numa parisiense mesmo muito gira, que estava a trabalhar com um parisiense também jeitoso - estavam a discutir uns textos.
"Viste que a Nathalie Portman está aqui?", disse a Carla. Era a minha parisiense gira, e estava a preparar o próximo filme.
E é mesmo muito gira, esta minha parisiense.
3. Paris!
(Muito gostava eu de saber porque é que andei tantos anos a adiar esta visita.)
5 comentários:
Já lá consegui voltar entretanto, mas não esqueço essa primeira vez.
Um abraço
Marta Plem-plem
Tinha escrito uma frase sobre a paciência da amiga que foi connosco, mas depois apaguei-a.
Eu também não esqueço essa viagem. Para além da maluquice de atravessar a Europa com dois pequenitos e uma miúda de 16 anos num carro atafulhado de coisas, aquele maldito Augusto Canário! :)
(Ainda hoje penso que a melhor ideia que tive nesse verão foi convidar-te para fazeres a viagem connosco)
Olha que engraçado, eu acabo que descobrir que a capital da moda da Alemanha (e das miúdas giras) e' Berlim! Tantos anos a achar que os alemães (e as alemãs) se vestem mal, e afinal, a malta com estilo esta' toda aqui!
(falta de sorte não estares ca' estes dias, mas e' por uma boa causa, ainda bem que estas a gostar)
Pois é, tinha sido mesmo giro descobrir contigo que Berlim é uma capital da moda! :)
Diga que está bem para sossegar os leitores!
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