15 outubro 2019

ar fresco

Esta semana tenho no apartamento do rés-do-chão uma família com filhos adolescentes.
Ao contrário da esmagadora maioria dos miúdos desta idade, estes, quando falam comigo, olham-me nos olhos e abrem a cara toda num sorriso genuíno.
O bem que faz! Quase me dá vontade de inventar pretextos para falar com eles, e saborear mais uma vez o milagre daqueles sorrisos.

Há dois anos tive uma família suíça com duas meninas de 7 e 9 anos, que ficaram um mês inteiro a aprender alemão. Sempre que entravam no jardim olhavam para cima, para a janela do meu escritório. Se me viam, e eu a elas, acenavam. Encantadoras.

Temos recebido outras famílias com crianças que também cumprimentam, mas apenas por boa educação. Boa educação já é melhor que nada, claro, mas não é aquela espécie de ar fresco nas relações sociais que torna certas pessoas especiais e inesquecíveis.

Estas diferenças que vou observando no trato das crianças e dos jovens que nos visitam levam-me a olhar para as nossas experiências como família: penso na satisfação do Matthias, aí pelos sete anos, na festa do 70º aniversário de uma vizinha: sentado à mesa, a conversar naturalmente com o bando de irmãos da aniversariante, e a sair da festa muito feliz e orgulhoso por causa da longa troca de ideias que tivera com todos aqueles adultos. Penso na Christina também por essa altura, sempre atenta aos colegas de nível social mais desfavorecido - não para lutar contra a injustiça da marginalização mas por se interessar realmente por eles. E lembro-me de um chefe da UCSF que adorava os nossos filhos porque gostavam muito de conversar com ele. Um dia que um deles queira experimentar a UCSF, encontra lá um aliado conquistado por mérito próprio na altura em que andava na escola primária, ou antes ainda.

Parece-me que a simpatia e a empatia não se ensinam, e não será com certeza falha dos pais se os miúdos adolescentes forem demasiado tímidos para suportar o olhar de estranhos. Mas aqueles que abrem a cara em sorrisos luminosos, aqueles que oferecem um olhar atento à pessoa que está à sua frente - esses terão com certeza um caminho muito mais fácil, porque ainda antes de dizer a primeira palavra já conquistaram o interlocutor.

Todos nós preferimos ar fresco.

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Sobre os miúdos que nem sequer têm a boa educação de cumprimentar, pergunto apenas: será que os pais têm ideia das portas que se fecham no futuro dos seus filhos pelo simples facto de não terem tido a perseverança e a firmeza de lhes ensinar o básico das relações sociais?

Acredito que as regras de cortesia são a melhor estratégia para fintar a timidez: saber o que é esperado de nós em cada situação livra-nos do embaraço de tentar inventar um comportamento adequado perante estranhos.


3 comentários:

Susana Rodrigues disse...

Olá Helena,
Ainda há dias falava precisamente sobre esse fenómeno com as minhas filhas (idades, 22 e 19). Mas em minha opinião, e pelo que observo em Lisboa, a aversão a conversar com estranhos estende-se a idades adultas também.
Já me aconteceu estar numa festa de anos numa casa particular e começar a conversar naturalmente com duas pessoas que não conhecia. Elas mostraram-se pouco felizes por eu fazer aquilo e foi de tal maneira que a dona da casa, que me conhece bem, veio desculpar-se perante os seus amigos dizendo que "a Susana é mesmo assim, fala com toda a gente, não liguem". Acabei por me afastar, para não incomodar as pessoas. E este é um exemplo entre vários.
Felizmente também há muitos jovens desses de que fala no seu post, frescos, luminosos! No seio de amizades das minhas filhas encontro vários e já lhes disse, pelo menos a alguns desses jovens que falam a olhar-nos nos olhos, o quanto prezo que eles sejam assim. Mas para a próxima vou acrescentar a sua nota final sobre "as oportunidades que aqueles que não falam podem estar a perder para o seu futuro", grande ideia!
Um abraço, Helena. :-)

Espiral disse...

Gostei muito deste texto que me fez refletir.

Sou naturalmente timida, e tenho dificuldade de falar com estranhos e/ou com pessoas que admiro e com quem não tenho intimidade.

Consigo às vezes disfarçar isso, porque fui construíndo defesas e estratégias (sou tagarela e, acredito,simpática) mas como inatamente sou timida já existiram várias situações em que me acharam arrogante / fria / mal educada quando eu apenas não tinha assunto / tenho dificuldade em fazer conversa só porque sim / fico paralisada diante de muita gente (ex: funerais com muitos familiares, muitos que já nao vejo ha décadas e de quem não me lembro o nome/parentesco certo, é o meu quinto ciclo do inferno) e é complicado de lidar :)

Tenho noção que muitas portas já foram fechadas até porque como timida que sou sinto sempre "que estou a incomodar".

Enfim.. necessito de estratégias. Mas juro que somos boas pessoas :)

Helena Araújo disse...

Espiral, obrigada por este comentário.
Está-me a obrigar a pensar mais no assunto.
Parte dessas inseguranças torneiam-se seguindo simplesmente regras básicas de boa educação. Por isso digo que as regras de cortesia são a melhor estratégia para fintar a timidez. A gente não tem de inventar nada, só tem de seguir um roteiro simples.

Deixar-se dominar pela timidez a ponto de não seguir o roteiro das regras de cortesia é um problema grave, porque aumenta os problemas de forma exponencial. A neutralidade dos outros transforma-se em indiferença, o que aumenta o mal-estar do tímido. Num instante a indiferença dá lugar à rejeição, tornando-se cada vez mais difícil estar entre estranhos.

Por morar em Berlim, tenho recebido muitos pedidos de amigos para dar abrigo a amigos ou familiares deles. Quando tinha uma casa grande e propícia a isso, costumava dizer que sim. Uma vezes recebemos pessoas que se revelaram hóspedes extremamente agradáveis. Outras vezes, era gente que - e acredito que fosse por mera timidez - me fazia sentir indesejada na minha própria casa. Sentados na minha cozinha ou na minha sala, ou não falavam ou respondiam por monossílabos. Tive alguns que nem "bom dia" diziam quando entravam na minha cozinha para tomar o pequeno-almmoço.
E é melhor não dizer nada dos adolescentes que nem sequer levantavam a cabeça do telemóvel quando eu entrava...

É claro que comentava isto com os meus filhos (Susana, esta parte da conversa é consigo): tanto os comportamentos que tornavam as pessoas para sempre bem-vindas na nossa casa, como os exemplos negativos que fecham literalmente portas ("estes escusam de nos pedir de novo alojamento - era o que faltava fazer favores a quem nos faz sentir mal na nossa própria casa!")