2 Dedos de Conversa
... sobre o que nos desaquieta
12 outubro 2024
concertos que tal
uma no cravo, outra na ferradura
10 outubro 2024
a revolta do homem branco
09 outubro 2024
concerto "Estranhos e Amigos"
07 outubro 2024
não podemos adiar mais
Ao longo deste período de 12 meses muito difíceis para
Israel e especialmente tenebrosos em Gaza, no meio da mentira e da propaganda
que nos fazem desconfiar de tudo e de todos, houve um momento de grande clareza: quando soldados israelitas mataram três reféns que tinham conseguido
fugir ao Hamas e corriam para os seus compatriotas, em tronco nu, com uma
bandeira branca, e a pedir ajuda em hebraico. Apesar da crueza
das imagens de cidades destruídas e do pânico das pessoas, há muito quem duvide dos
números de mortos e feridos em Gaza - mas não há como negar isto: um exército
que pressente uma ameaça justamente na pessoa daqueles que vem libertar é um
exército que não está capaz de agir com um mínimo de discernimento. O
assassinato destes três reféns deita por terra a narrativa da autodefesa dentro
dos limites do aceitável - e não sei como definir “aceitável” quando o campo de
batalha é uma região urbana densamente povoada.
Neste 7 de Outubro de 2024, quando Israel já está a repetir no Líbano os ataques
absolutamente desproporcionais contra a população civil de Gaza, e ameaça
retaliar contra o Irão, que retaliou contra um ataque de Israel no Líbano,
insisto na necessidade imperiosa de pôr fim à espiral de violência entre Israel
e os seus inimigos.
Ou, nas palavras mais certeiras do papa Francisco: pôr fim à espiral de
vingança.
A comunidade internacional tem de se unir em função de um único objectivo: a
paz. Tem de ser o adulto na sala, para negociar e/ou impor o fim da guerra a
todos os envolvidos, a imediata libertação dos reféns do Hamas e dos
palestinianos presos em Israel sem julgamento, a criação a muito breve prazo de
um estado palestiniano com as fronteiras de 1967, e o envio de capacetes azuis
para garantir a segurança e a paz na região. Uma região sem exércitos ao
serviço de extremistas, nem de um lado nem do outro.
Virá o dia em que falaremos das razões de cada um - e será um momento
fundamental para alicerçar a paz. Mas a actual berraria que pretende impor a
razão de uns contra a razão dos outros não tem outro efeito que não o de
contribuir para uma tragédia ainda maior.
Insisto: temos de nos unir para impor um sistema que garanta a paz para todos os
habitantes daquela região. A comunidade internacional já o devia ter feito na época
da primeira intifada, ou antes, ou – o mais tardar – há exactamente um ano. Tem
de ser agora.
30 setembro 2024
sostra
12 setembro 2024
há monstros debaixo da cama
Em Portugal, logo após aquelas eleições épicas em que um milhão de portugueses escolheu o partido do "falso amigo", ouvi uma senhora a dizer que o nosso país está cada vez mais inseguro, e que "andam por aí bandos de estrangeiros a raptar adolescentes para exigir resgate". Ela disse a nacionalidade das pessoas desses bandos, mas não me lembro - e, de facto, não é importante, porque é mentira (mais uma dessas mentiras que viralizaram nas redes sociais para levar as pessoas a votar no partido anti-imigrantes e pró-securitarismos).
Lembrei-me disso ao ouvir o Trump dizer que há estrangeiros a comer os cães e os gatos dos vizinhos.
A lógica por detrás destes boatos - que pessoas sem qualquer sentido de decência põem a correr - é muito transparente: vamos identificar um inimigo do tipo "os outros", vamos inventar que nos ameaça, e vamos inventar ameaças que nos atinjam directamente e despertem o nosso instinto de protecção: os nossos filhos, os nossos animais domésticos.
Já fizeram isso no Brasil, com excelente resultado: lembram-se quando puseram a correr o boato que o PT queria dar biberons aos bebés com forma de pénis? ("acudam, que o lobby gay que quer perverter os meus filhinhos!") O pessoal acreditou, e votou Bolsonaro.
As pessoas acreditam.
Desde que a terra se tornou plana, o mundo nunca mais foi o mesmo.
12 julho 2024
você comprava um carro a este homem?
11 julho 2024
mais uma viagem (3)
mais uma viagem (2)
- Antígua, Antígua!
mais uma viagem (1)
Lembra-me o facebook que há 3 anos estava a passar uns dias lindos na viagem entre a Alemanha e Portugal. Copio para aqui esses posts, e até - caso seja útil - alguns comentários. Começou com a Bretanha, na nossa carrocinha. Levá-la a ver o sítio onde o Joachim a sonhou pela primeira vez: "ah, ter um camper e dormir neste promontório junto ao mar, descer a falésia para dar um mergulho em praias quase desertas..." Depois, Toulouse. E é aqui que o facebook tem andado a lembrar-me lugares onde já fui feliz. Esta publicação, por exemplo:
A primeira coisa que disse em Toulouse foi uma interjeição pouco polida. É que estava fresquito e reparei que tinha trazido por engano um casaco azul marinho para um vestido preto. Já vi essa combinação de cores ao Viotti na Gulbenkian, mas eu não sou o Viotti. A segunda coisa que disse foi uma interjeição mais inócua, seguida de um „vou-me desgraçar“. Estava numa loja de BD grande como tudo. Só não me desgracei logo ali porque era no princípio do dia e eu não sou tola a ponto de comprar vários kg de livros antes de ir passar um dia inteiro a passear numa cidade. Mas não perdi pela demora...
(Por sorte a carrocinha é grande)
08 julho 2024
14 juillet
06 julho 2024
mas isto sou eu
05 julho 2024
relatório à margem do campeonato europeu
Só cheguei ao primeiro jogo de Portugal quando já ia a meio. Estava morno, mas mal cheguei os portugueses começaram a jogar a sério.
Não assisti ao da Geórgia, se calhar devia ter assistido. 2-0, os antipáticos! Apesar de tudo, não me pareceu bem que a UE logo no dia seguinte tenha congelado o processo de adesão da Geórgia. (Escusam de responder a sério, que eu bem sei que estou a brincar, OK?) (E foi lindo o Kvaratskhelia ter interrompido a celebração da vitória para dar um abraço ao Ronaldo) (Claro que escrevi o nome do Kvaratskhelia com copy & paste, não pensem)
A seguir, fartei-me de rir com isto:
Entretanto, os escoceses foram para casa e deixaram muitas saudades na Alemanha. Os holandeses também têm muita graça. E, de um modo geral, comenta-se que o ambiente é muito melhor na Alemanha do que foi no Qatar. Pudera! Aqui não é proibido beber cerveja nem parece mal andar com um grãozinho na asa ao fim do dia.
(Se calhar já revia as minhas prioridades na vida...)
Até que chegou o fatídico jogo Portugal x Eslovénia. Dei comigo a torcer para que o Ronaldo acertasse com o penalti. Nem era para ganharmos, era mesmo só por causa do Ronaldo.
À hora a que escrevo, a Alemanha já foi excluída. Não é por nada, mas parece-me que os espanhóis são gente que não sabe estar. Não é assim que se trata um anfitrião! (Devolvam Olivença, ao menos!)
Brincadeiras à parte, isto, que é muito sério e muito belo: Ronaldo a chorar como um menino, e a equipa a animá-lo, a abraçá-lo, a dar-lhe força. Afinal, parece que um homem pode chorar, e parece que os outros homens não ficam à rasca com isso. Que belo exemplo para mostrar em casa, a todos os rapazes.
04 julho 2024
"queima das fitas"
29 junho 2024
a propósito de Stonewall, por Frederico Lourenço (2)
a propósito de Stonewall, por Frederico Lourenço (1)
O Facebook, sempre ele, lembra-me que há cinco anos partilhei este texto de Frederico Lourenço.
Deixo-o aqui, pela importância do testemunho do sofrimento que provocamos às crianças quando lhes queremos impor certas verdades que são apenas nossas.
Foi a 28 de Junho de 1969. Stonewall. Quem não souber, procure na net. Nesse dia começou algo que, para citar Thomas Mann, «ainda não parou de começar». Nesse dia, começou o início de uma nova consciência sobre pessoas que não só se sentem sexualmente atraídas, mas se apaixonam (até para toda a vida), por alguém que é do seu próprio sexo. Mulheres que amam mulheres. Homens que amam homens. Amor. Sexo, claro (consentido e entre adultos). «What's not to love?»
Nesse mesmo ano, o meu avô materno (a quem reconheço «post mortem» a feitura de fotos que exprimem toda uma época) achou por bem fotografar-me a mim, seu neto, e à minha irmã Catarina, sua neta, da forma que vocês vêem na foto. Azul para o menino. Rosa para a menina. Todo um universo de experiência humana numa fotografia tão simples.
O problema é que ao azul estava a ser adscrita uma mensagem que nada tinha a ver comigo. Eu era rapaz. Devia ter comportamentos de rapaz. Mas não tinha. Já escrevi sobre isso noutro texto («Terrorismo de Género», que foi o único texto que escrevi no Facebook que chegou aos 20.000 likes).
Quando o meu avô tirou esta fotografia, eu não sabia que era homossexual. Não sabia que existia homossexualidade. Mas sentia-me diferente dos outros meninos, que já sabiam, muito antes de eu próprio ter descoberto, que eu era gay. Chamavam-me maricas e paneleiro. Uma vez perguntei «o que é paneleiro?». Os meninos disseram-me que «é quem leva no cu». Isso não me fez sentido. «Leva o quê no cu?» Eu passei toda a minha infância num estado de inocência total em relação à sexualidade, mas fui permanentemente vítima de bullying por meninos e meninas (sim...) que sabiam «a missa toda» e que já tinham adivinhado, antes de eu próprio saber, a minha sexualidade.
Ter sido maltratado e insultado durante todo o meu percurso escolar teve um efeito em mim que durou para toda a vida. Fez-me permanentemente desconfiado em relação às pessoas. Cortou-me os mecanismos necessários para fazer amigos. Inculcou na minha cabeça a ideia paranóica que toda a gente «lá fora» me odeia - ideia com que luto ainda hoje, aos 56 anos, embora saiba racionalmente que não é verdade. Ser insultado e rejeitado na infância pela sexualidade que eu ainda não sabia que era a minha ocasionou também um dano de longo alcance: a dificuldade colossal que eu tenho de viver no presente. Estou sempre a fantasiar uma realidade alternativa à que é a real; e tenho de me obrigar a olhar à minha volta para aquilo que a realidade realmente é. A minha infância e adolescência deram-me a noção de que o Presente não é um espaço seguro; tenho de fugir dele, tenho de me defender dele. É difícil explicar os efeitos nocivos que isso teve em mim. Mas foram muito maus.
As pessoas dizem (de forma irresponsável) que ninguém tem de celebrar Orgulho Gay nenhum; e que ninguém tem de sair do armário; e que gays, lésbicas, bissexuais, etc. já cansam com a permanente chamada de atenção para a realidade que vivem.
Mas é óbvio para mim que o dia 28 de Junho tem de ser festejado e celebrado. Há países no mundo em que a homossexualidade ainda é punida com pena de morte (Irão, Arábia Saudita e por aí fora). Há países no mundo em que as pessoas pensam que a melhor coisa que os pais podem fazer com o seu filho homossexual é matá-lo (trata-se de países islâmicos, não vale a pena esconder esse facto; mas os países de religião cristã Ortodoxa russa e grega não andam lá tão longe). Os ataques a casais gays que demonstram afecto em público continuam em todos os países ditos «civilizados». O Brasil, com o seu presidente e com a sua ideologia boi/bala/Bíblia, é o que é.
Não venham dizer que não é fundamental celebrar o Orgulho Gay. É fundamental, sim.
Em 1969, no ano de Stonewall, puseram-me um balão azul nas mãos. A cor do balão implicava expectativas em relação a mim que eu não pude cumprir. Sofri por isso. Mas tudo bem. Muita coisa mudou para melhor desde aí. Pude ser quem sou. Pude casar com o André. Obrigado às mulheres e aos homens de Stonewall. Tenho o maior orgulho em ser gay.
(Texto de Frederico Lourenço, publicado, juntamente com a foto, na sua página de Facebook em 28.6.2019.)