05 agosto 2025

hoje mesmo, no inferno de Gaza

 

Gaza hoje mesmo, pelos olhos e pelo coração de Raul Manarte.
Ele está a arriscar a vida para ajudar as vítimas daquele horror.
O mínimo que podemos fazer é ler e partilhar o seu testemunho. [ O texto e a foto de Raul Manarte podem ser encontrados aqui ]


Gaza, 5 de Agosto de 2025

Hoje acordamos com bombas (como sempre), mas com a notícia que Netanyahu vai invadir toda a faixa de Gaza. As pessoas estão com muito medo.

Quando as crianças vêm para ser amputadas ou para mudar as ligaduras das queimaduras também estão cheias de medo. Depois vejo os meus colegas: pessoas sem casa, a viver em tendas, com familiares mortos, com fome, sem certeza se vão estar cá amanhã - e vejo-os a serem os seres humanos mais gentis e pacientes que já vi com estas crianças…

A forma meiga como falam com elas, como as preparam, como usam os fantoches, como as deixam brincar com a gaze e o desinfetante para perderem o medo, como as distraem com bolhas de sabão ou vídeo enquanto gritam com a dor da pele queimada… e não entendo… começo a chorar sozinho. É sempre esta gentileza que me arrasa. A luz mexe mais comigo do que a escuridão. E quanto mais perdidos no escuro estamos, mais bonita é a luz deles.

Hoje fiz a estrada para Norte. Neste mundo estranho tenho de dizer que é uma estrada “Mad Max” para que outros possam ter uma ideia do que quero dizer. Não há um prédio inteiro, quase não há carros e os que existem estão adulterados, batidos e baleados.

Há pessoas a queimar pneus à beira da estrada para fazer combustível. Quando cheguei a Gaza city tive de tirar uma foto: vi uma árvore! Já não me lembrava de árvores… E eles? Será que se lembram do toque das flores? Do som das folhas? Do cheiro das marés seguras?

Vamos começar a dar apoio também aos condutores dos camiões de comida que entram. São parados durante até 36 horas na fronteira sem comer, obrigados a despir e a estarem de joelhos por horas, são ameaçados, humilhados e agredidos.
Quando finalmente saem da fronteira têm ordens para andar depressa, se abrandam recebem um tiro de aviso - são obrigados a atropelar as pessoas que tentam parar o camião.

Quando a multidão é imensa, têm de parar. São arrastados para fora e novamente espancados.
São os únicos que não podem levar nenhuma da comida que trazem porque se não são despedidos. São obrigados a levar os corpos cheios de sangue no próprio camião, alguns deles foram eles que atropelaram...
Precisamos de um psicólogo homem porque não vão dizer a uma mulher que defecaram nas calças.

Há gente que tenta convencer-nos que estamos divididos em duas equipas: uma que vê os reféns e outra que vê os palestinianos.

Malditos sejam. Conseguiram.

Se me conseguires ouvir: nós estamos todos do mesmo lado. O da humanidade.
Eles, os que criam esses grupos, eles que se fodam…

Hoje acordámos com a notícia de que Gaza será tomada.
Mas também com a de que 6 dos nossos pacientes vão ser evacuados deste inferno amanhã.

Decidi focar-me na última. 

Sem comentários: