18 setembro 2023

o futuro, segundo Wladimir Kaminer

Se eu fosse esperta, não fazia outra coisa senão traduzir textos do Kaminer. Cada frase dele é um prazer. Mas não sou esperta, e tenho deixado passar todas as publicações que faz no facebook. Tentando emendar-me, e não repetir os erros do passado, aqui deixo a tradução do texto que ele publicou hoje (aqui). ("Traduzo", é como quem diz... Aposto que já estavam a morrer de saudades do Speedy Gonzales das traduções!) "Em Setembro, o meu filho conseguiu o job que é o sonho de todos os estudantes: como assistente no pavilhão alemão do futuro, na IFA, a feira anual de Berlim para novas tecnologias, que é suposto deixar-nos vislumbrar o futuro e fazer-nos sentir inveja dos nossos descendentes. Oh, os nossos descendentes! Vão embrulhar-se em telemóveis dobráveis e usar os écrans de televisão como tapete de ioga, envergarão roupas que mudam de cor segundo o seu estado de espírito, e as suas sanitas vão fazer uma análise química dos seus intestinos e recomendar uma dieta adequada, imitando a voz da mamã.
O trabalho do meu filho era vigiar para que nenhum auscultador levasse sumiço, e sobretudo para que ninguém roubasse daquele pavilhão o futuro da Alemanha. Porque constantemente passavam chineses a toda a velocidade, sentados em malas de viagem, avançavam pelos corredores a 25 km/h.
O meu filho quase foi atropelado por um chinês numa mala veloz, e encetou conversa com ele. "Isto já não é tecnologia moderna há muito tempo", disse o condutor de mala. "Na China, as malas de viagem com trotinetas eléctricas incorporadas já são velhas conhecidas e estão no mercado há décadas. Estão agora a ser substituídas por uma nova geração de malas voadoras: uma mala de viagem flutuante com um drone incorporado." É claro que esta tecnologia torna as malas de viagem um pouco mais pesadas por causa da bateria, mas isso é apenas uma questão de tempo, em breve as baterias serão leves como penas. No pavilhão alemão ninguém voava. Abriram lá um "Repair Café": três reformados com uma caixa cheia de ferramentas trabalhavam ali como voluntários, reparando gratuitamente tudo o que lhes levavam. No futuro, a Alemanha quer ser sustentável. O meu filho começou por ficar surpreendido com este conceito de reparação, e depois ficou entusiasmado. A ideia de que se pode reparar tudo, em vez de deitar fora, era nova para ele. Os reformados mágicos tinham muita experiência em reparações, mostraram como era fácil mudar o vidro de um telemóvel, arranjar uma televisão velha, consertar uma máquina de lavar roupa e um ferro de engomar. No entanto, os reformados recusavam-se a recuperar microondas e torradeiras, porque já houve casos de pessoas feridas por quererem reparar o seu microondas de uma forma sustentável. E as torradeiras também podem explodir quando as pessoas as tentam consertar.
Apesar destes problemas, os "Repair Cafés" estão muito em voga na Alemanha; só em Berlim há mais de uma dúzia de oficinas deste género, e os reformados de outras cidades, de Münster a Magdeburgo, vinham constantemente à IFA para cumprimentar os colegas.
No pavilhão alemão, o futuro tinha um ar calmo e descontraído. Mas os chineses em excesso de velocidade não repararam. Caso um dia caiam das suas malas, também elas serão consertadas com perícia no pavilhão alemão."

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