Foi por via democrática que o partido NSDAP chegou ao poder. Começou - como começam todos - de forma incipiente:
- 6,6% - 1924, Maio - 3% - 1924, Dezembro - 2,6% - 1928, Maio
No inverno de 1929/1930, a Grande Depressão - que resultou do crash da bolsa nova-iorquina e rapidamente contagiou todas as economias de sistema capitalista - chegou à Alemanha. Para um partido oportunista como o de Hitler, foi muito fácil aproveitar aquela enorme insegurança económica para captar votos:
- 18,3% - 1930, Setembro - 37,4% - 1932, Julho
Entre 1930 e 1932, apesar do seu grande peso no Parlamento, o NSDAP não passava de um partido agitador da oposição. Atacava radicalmente o governo, e aproveitava os lugares no Parlamento para boicotar os trabalhos e roubar dignidade àquele órgão de poder. Uma foto da época mostra os deputados nazis de costas voltadas para o plenário. Em Fevereiro de 1931, em sinal de protesto contra uma alteração ao regulamento parlamentar que pretendia dificultar a permanente obstrução do trabalho parlamentar através da apresentação repetida de moções de censura, os deputados nazis abandonaram a sala a cantar o Horst-Wessel-Lied. Apenas Goebbels ficou para trás, a observar. Regressaram depois com nova provocação ao Parlamento: todos envergavam a farda castanha do partido - o que era proibido.
As imagens dessa provocação, em 9.2.1932, foram captadas pelo fotógrafo Erich Salomon, que viria a morrer em 1943 em Auschwitz.
Enquanto gozava o seu confortável papel de oposição parlamentar para boicotar a democracia, o partido de Hitler fazia simultaneamente propaganda diferenciada, ou seja, dizia a cada grupo aquilo que esse grupo concreto queria ouvir: para os operários, compôs uma máscara de preocupações sociais, chegando a organizar greves; para os pequenos comerciantes, a promessa de proteger os seus interesses contra os grandes armazéns (na época, estes eram um fenómeno relativamente recente, em boa parte criado pelos empresários judeus que emergiram quando se pôs fim às leis que restringiam fortemente as actividades económicas do povo judeu); para o mundo rural, o elogio dos seus valores idealizados e a ideologia "sangue e solo" (nacionalista, racista, anti-semita); para a grande indústria, a rejeição da luta de classes. A estrutura era nacionalista, e as propostas de acção eram suficientemente vagas para poderem fazer promessas a todos os grupos sociais sem assustar nenhum deles.
Em Julho de 1932, o povo alemão deu 37,4% dos votos ao partido nazi. Os partidos de direita começaram a pôr a hipótese de fazer com os nazis uma coligação contra a esquerda, mas Hitler impunha uma condição: ser ele o chanceler desse governo. Bastaram 3 meses para os alemães perceberem que fora má ideia acreditar que esse partido seria capaz de resolver os problemas graves que os afligiam, porque era bastante óbvio que Hitler estava bem mais interessado no poder do que no país. Nas eleições seguintes, o NSDAP perdeu dois milhões de votos: 33,1% em Novembro de 1932.
Mas o mal já estava feito. As negociações dos partidos de direita para uma coligação com os nazis tinham aberto o caminho para este partido ser considerado equiparável aos outros. Pressionado pelos seus conselheiros políticos e económicos, e também pelo presidente do Reichstag, que acreditava que assim seria mais fácil "domar" o chefe da oposição, o presidente Hindenburg aceitou enfim nomear Hitler como chanceler do Reich.
Foi então que tudo começou a acontecer a velocidade vertiginosa: no dia 27 de Fevereiro de 1933, o Reichstag foi destruído por um incêndio. No dia seguinte, Hitler aproveitou o ensejo para suspender temporariamente uma série de direitos constitucionais, retirar o mandato aos deputados comunistas e prender tantos opositores políticos quanto possível. Apesar de todos os esforços dos nazis para boicotar a campanha eleitoral dos outros partidos (suspensão das publicações dos seus jornais, destruição dos cartazes, intimidação e violência, perseguição dos representantes dos partidos), as eleições de 5 de Março não deram a maioria absoluta a Hitler - 43,9% dos votos foi uma subida substancial, mas ainda assim longe do poder absoluto. No dia 23 de Março de 1933, o parlamento reúne na Kroll-Oper, uma sala de ópera que fora convertida à pressa em salão parlamentar. Por trás do palco, ergue-se uma enorme suástica. Os deputados nazis rejubilam, os deputados da oposição, particularmente os sociais-democratas, são intimidados e insultados por inúmeros membros das SA e das SS ali presentes. Os deputados comunistas já não participam nessa sessão: sem mandato, estavam presos ou em fuga. Nesse cenário ameaçador, Hitler vem com falinhas mansas fazer promessas e pedir ao parlamento que aprove a sua "Ermächtigungsgesetz" - a lei que lhe permitirá fazer leis e acordos internacionais sem passar pelo controle parlamentar. Sem maioria absoluta, precisa da aprovação de 2/3 dos deputados. Otto Wels, representante dos socialistas, ergue-se para reafirmar o compromisso do seu partido SPD com os princípios básicos do humanismo, da justiça e do socialismo. Lembra os deputados perseguidos e presos, e afirma: "Podem tirar-nos a liberdade e a vida, mas não nos tiram a dignidade." Hitler regressa ao palco, furioso, e deixa cair todas as máscaras. Aos deputados, que se sabem cercados por membros das SA e das SS, diz sem rodeios: "apelo a que autorizem aquilo que, de qualquer modo, estaríamos em condições de conquistar." No final, 441 deputados votam a favor, contra os 94 votos dos deputados do SPD: o parlamento vota a sua própria supressão da vida política alemã.
(a imagem faz parte deste artigo, em alemão, de onde tirei as informações contidas no parágrafo anterior)Convém lembrar sempre: os nazis não assaltaram o poder - receberam-no por via democrática. Hindenburg entregou o poder a Hitler, no respeito pela constituição da República de Weimar. Depois de, sublinhe-se, os nazis terem feito tudo o que estava ao seu alcance para subverter as regras democráticas em proveito próprio, e de terem criado um ambiente de descrédito, intimidação e violência que, de facto, cercearam a liberdade dos eleitores e dos políticos.
O que é estranho e desesperante no nosso mundo, em 2023: as democracias têm consciência de tudo isto, mas continuam a não saber defender-se, quando os sinais da repetição da estratégia são mais do que evidentes.
4 comentários:
Parabéns, Helena
Excelente informação.
Ontem e hoje a história quer-se repetir.
Abraço
Obrigada. :)
Obrigado pelo post. Importante! Fiquei mal disposto de ler. Não podemos deixar a história se repetir.
Muito bom.
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