29 janeiro 2023

27 de janeiro de 2023

Imagem: Placa na Nollendorfplatz, em Berlim, onde se lê
"Espancados até à morte 
Silenciados até à morte
Dedicado às vítimas homossexuais do nacional-socialismo"


27 de janeiro: libertação de Auschwitz. Dia de lembrar as vítimas do nazismo, esse sistema de terror que roubava a todos, inclusivamente aos seus, a dignidade dos seres humanos. Os que não tinham lugar naquele sistema eram propositadamente mortos de trabalho e fome ou eliminados ainda mais sumariamente, como se não passassem de uma praga; os seus, eram reduzidos à sua utilidade, nomeadamente à de reprodutores da "raça eleita".

Na homenagem às vítimas do nazismo que o Parlamento Federal realiza todos os anos neste dia, tem-se vindo a falar de mais vítimas, para além da referência ao Holocausto, que não poderá faltar nunca. Em 2011 convidaram Zoni Weisz para discursar em nome dos povos Sinti e Roma (na Alemanha não se diz "ciganos" porque esse foi esse o ferrete com que os marcaram para os atirar ao horror dos campos e ao gás). Este ano, 2023, deram um lugar especial às pessoas queer. O sistema nazi exigia dos "arianos" que se reproduzissem para dominar o mundo: os homens eram machos de cobrição, as mulheres eram fêmeas parideiras. A partir de cinco filhos, começavam a receber medalhas de apreço do regime. As pessoas que, devido à sua orientação sexual, escapavam a esta lógica de produção de "arianos", eram vistas como inúteis e como uma ameaça para a sociedade.

Neste artigo do Spiegel (em alemão, para assinantes) falam de vários casos, entre os quais Liddy Bacroff, registada à nascença como pessoa do sexo masculino, mas que sempre fizera questão de viver como mulher. Foi condenada a 3 anos de prisão por ser (uso o masculino, como foi registado) "perigoso delinquente por hábito". Assassinaram-na em Mauthausen.

Nos noticiários deram mais exemplos: um homem que foi condenado em 1964 por homossexualidade, quando tinha 17 anos, e só em 2017 foi reabilitado pelo Estado alemão. Mais de cinquenta anos a viver com cadastro por causa de uma lei do período nazi, que o Estado democrático alemão demorou demasiado tempo a mudar. Aqui, em inglês, há um resumo da evolução do tratamento legal dado aos homossexuais nas duas Alemanhas, e depois na unificada.

Também falaram do caso de Karl Gorath: enfermeiro, condenado em 1939 a prisão por "comportamento antinatural", tudo no respeito pela lei. Até que os nazis decidiram que o lugar dele não era a prisão de Celle mas o campo de concentração, com um triângulo rosa, e atiraram-no para Neuengamme. Dada a sua formação, foi posto a trabalhar no hospital de um campo secundário de Neuengamme. Quando se recusou a reduzir a ração de pão dos prisioneiros polacos, foi castigado com a deportação para Auschwitz. Mas ao menos ia com triângulo vermelho, de opositor político, em vez de rosa. Talvez tenha sido isso o que lhe salvou a vida, porque o triângulo rosa representava horrores particulares, em adição a todos os outros. Em Janeiro de 1945 foi parar a Mauthausen, devido à evacuação de Auschwitz para apagar vestígios do que ali se fazia. Ali, depois da libertação do campo, foi salvo por um médico que o encontrou mais morto que vivo. Em 1947 foi de novo levado a tribunal e condenado. Nas suas próprias palavras: "Pelo mesmo juíz. O tipo chamava-se Rabien. Recebeu-me na sala do tribunal com estas palavras: 'Então está aqui outra vez?!' Deu-me a pena máxima, segundo a mesma lei que vigorava em 1939." Karl Gorath morreu com 91 anos, depois de viver em pobreza durante todo o período pós-guerra: por causa daquela condenação no seu cadastro, nunca conseguiu que lhe dessem um emprego.

No mesmo artigo do Spiegel falam de uma exposição que está agora a decorrer em Munique. "To be seen", sobre a vida das pessoas queer entre 1900 e 1950. Fala do início do "self empowerment" e do surgimento dos primeiros grupos, o trabalho de Magnus Hirschfeld, pioneiro na área da ciência, a influência na arte, a exclusão e a perseguição no período nazi.
A directora do Centro de Documentação do Nacional-Socialismo de Munique comentou que na abertura viu muitas pessoas com lágrimas nos olhos: "Sentia-se bem como era importante para eles terem finalmente chegado ali, àquele lugar de visibilidade numa instituição pública."

Os campos de concentração nazis acabaram há muito, mas, pergunto: será que, dentro da nossa cabeça, os triângulos rosa acabaram realmente?

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