08 dezembro 2022

serviço noticioso


Ontem, na ARD (primeiro canal público alemão), o tradicional programa de debate sobre temas da ordem do dia começou pela operação de desmantelamento do grupo de extrema-direita que queria fazer um golpe de Estado. Durante 13 minutos (sim: treze) três jornalistas falaram sobre os factos conhecidos e as conclusões a tirar (nomeadamente: pode parecer um bando de malucos, mas agora sabemos que é um bando de malucos perigosos; a adesão por parte de antigos soldados e polícias é preocupante; mais ainda o facto de entre eles haver quem ainda esteja ao serviço do Estado, e de muitos terem licença de porte de arma e conhecimentos para as usar). Congratularam-se pelo facto de o Estado de Direito ter sido capaz de se defender, e dar sinais de estar muito atento ao terrorismo de extrema-direita. A seguir, entrevistaram a ministra do Interior, que disse que esta razia foi apenas o princípio, e com certeza se irão encontrar nos telemóveis e computadores confiscados muitas mais informações. Forneceu mais alguns factos: o grupo tencionava invadir o Parlamento, atacar as redes de fornecimento de energia e criar um cenário próximo da guerra civil. Falou sobre o que já estão a fazer para conseguir a máxima rapidez no processo para afastar do serviço estatal (ensino, justiça, segurança, etc.) as pessoas que derem sinais de não respeitar a ordem democrática. Mencionou ainda outra questão preocupante: no grupo há muitas pessoas que são cidadãos comuns (piloto, juíza, cozinheiro famoso, cantor lírico, etc.), um sinal claro de que o extremismo está a encontrar um terreno fértil no coração desta sociedade.
Ao fim de treze minutos, passaram ao tema seguinte, sobre os critérios para dar a nacionalidade alemã a residentes com outras nacionalidades.

Esta manhã fui espreitar o Spiegel a ver se havia notícias frescas. Sobre a razia e a tentativa de golpe não há nada de novo. O foco está agora nos serviços de segurança do Estado, e na necessidade de impedir que sejam/permaneçam infiltrados por extremistas.

O mesmo na Süddeutsche Zeitung.

Até agora não encontrei na tv e nos jornais nem suspeitas, nem cenários, nem polémicas. Apenas factos.

Fico com a sensação de que os órgãos sérios de comunicação social não vão gastar tempo a encher chouriços enquanto esperam que haja mais factos para noticiar.

---  

Este post é mais que um update matinal sobre o desmantelamento de uma rede extremista na Alemanha: é também para mostrar que é possível dar notícias sem as cavalgar em delírio noticioso e sem as usar como palco para os protagonistas da opinião. 

---

ADENDA: publico um vídeo muito informativo da Deutsche Welle, em português, que um leitor partilhou nos comentários. 




6 comentários:

CCF disse...

Obrigada Helena. Não se julgava possível no século XXI!
~CC~

José Rosa disse...

Tão distantes estamos desse jornalismo ... Por cá, há quem em vez de dar as notícias, queira fazer parte delas ...

Unknown disse...

Olá Helena Araújo, sou costumeiro leitor da sua página. Sobre o assunto por si comentado, quero parabenizá-la pelo seu conteúdo. Vivo no Brasil há 12 anos, no sul, Estado de Santa Catarina e, sobre o caso passado na Alemanha, junto este link para seu conhecimento :
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/12/09/ex-militar-preso-acusado-de-organizar-golpe-contra-o-governo-alemao-ja-morou-no-brasil-e-tem-empresas-em-sc.ghtml

Aceite os meus melhores cumprimentos.

Telmo Vaz Pereira

Helena Araújo disse...

Obrigada, Telmo.
Na Alemanha, nem sequer dizem o nome dos suspeitos, excepto os que têm mais protagonismo, como o nobre que queria ser o chefe do novo governo e a ex-deputada.

Unknown disse...

A DW Brasil publicou este vídeo: https://youtu.be/RRwUOOfR0mM

Helena Araújo disse...

Muito obrigada. Vou publicar no post.