A vantagem de escrever apontamentos sobre o que se vai vivendo é que, vinte anos depois, uma pessoa lê algo que já nem se lembrava que lhe tinha acontecido, e ri-se.
(Para a vantagem resultar, convém que, vinte anos antes, tenha escrito o apontamento num dia em que estava bem-disposta.)
Por exemplo, este aqui, de 2002:
Tenho um cliente, que aliás é o meu inimigo preferido no
grupo dos clientes, que ontem me explicou que fala bastante bem espanhol e só
não traduz os textos ele próprio porque não tem tempo, mas revê integralmente
tudo o que traduzimos.
Agora quer que eu lhe traduza
um texto para Illacano, que eu descobri que afinal é Ilocano, ou Ilokano, e descobri um tradutor dessa raridade que quer mil dólares, mil, por página
traduzida. Agora que escrevo isto aqui ocorreu-me que pode ter sido erro de
digitação...
PS: para os interessados em aprender um novo idioma,
Ilocano é um dialecto falado no norte das Filipinas. Não é preciso aprender a
falar muito bem, porque o meu cliente, o tal que só não traduz ele próprio por
falta de tempo, tem andado estes anos todos a pagar traduções para Ilocano
cheias de erros. Pelo menos é o que diz o gajo dos mil dólares, também pode ser
golpe, claro.
Ponho-me a olhar para o meu percurso, de brilhante
estudante de economia até chegar a head-hunter de tradutores de Ilocano para um
cliente merdolas, e descubro-lhe um sentido: um dia ainda escrevo um livro (a minha vida dava um filme...).
Só preciso de inventar um bom final feliz.
ADENDA (e a seguir fecho rapidamente o baú, que a minha vida de momento não pode ser isto):
Quero ter muitos tradutores como este!
Quero que todos os meus dias comecem desta maneira!
Ó aí: caí na asneira de mandar um contrato para um
tradutor português que deve estar em fase de desemprego técnico (como ele
próprio diz) e com tempo para ler o contrato e as entrelinhas, e quando chegou
ao nome da língua ele deu com o célebre "Portuguese (continental)" e responde-me assim:
"Alô, Helena
XXXXX"
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