04 agosto 2022

Rolling Stones em Berlim (1)




Regressei das férias em Portugal a tempo de ir ao último concerto dos Rolling Stones desta tournée europeia, e temia que alguma coisa se me atravessasse no caminho. Nem era pelo concerto em si, era pelo preço do bilhete, que nunca na vida pensei que seria capaz de pagar. Mas nem apanhei covid, nem fui atropelada, nem mais nenhuma desgraça do género, nem de outro género qualquer. Ufa!

Três horas antes do concerto dos Rolling Stones, os comboios já iam apinhados de velhotes com t-shirts a rigor. Eu ia de branco. A princípio pensei que era por causa do calor que fazia em Berlim, mas no comboio percebi que era muito mais que isso: era a minha grande oportunidade! Vi logo ali o filme todo: no palco, o Mick olharia para aquela profusão de línguas de fora, e os seus olhos iriam repousar na Wally, esta vestida de branco e - vocês desculpem lá, mas o que tem de ser tem muita força - nunca mais teria motivos para cantar I can’t get no satisfaction.

Velhotes, claro: porque os bilhetes custavam entre 200 e 500 euros, e a juventude de hoje não tem esse dinheiro para gastar num concerto.

A caminho da Waldbühne deparei com os primeiros caídos, que não aguentaram a longa espera ao sol e ao calor. Perguntei-me se algum dos que estavam por ali com papéis a dizer “procuro bilhete” teria a ousadia de lhes ir pedir o deles.

Ao meu lado, um berlinense contava, a rir, como foi da primeira vez que os Rolling Stones vieram a Berlim, quando o público destruiu o anfiteatro. Só lhe faltava dizer “ah, eram bons tempos!”

As cancelas abriram com atraso. De cada vez que a multidão à espera rumorejava de zanga, eu estremecia.

Na imensa fila de espera, quando estava a escrever o relatório da situação para o facebook, ocorreu-me verificar se tinha o telemóvel no bolso. Um susto: "ai! roubaram-mo!" Depois apercebi-me que o tinha na mão, porque estava a escrever para o facebook. O sol já estava a fazer efeito, e eu podia ser a próxima pessoa a cair ali redonda.

(E se caísse: vendia o bilhete pelo preço que paguei, ou pelo dobro?)

Um casal perto de mim: - Alguém viu o meu bilhete? - Está aqui! - Oh, obrigada! Não sei como, caiu-me da mão. - Ia entregar na entrada, mas assim já se resolveu. - Dava-lhe algum dinheiro de recompensa, mas não tenho comigo. - Deixe estar, no Natal vamos à sua casa. Berlinenses...

A quantidade impressionante de bengalas e andarilhos neste concerto chegava a comover-me: sinal de que, até ao último dos nossos dias, estamos vivos.
O Joachim dizia: graceful aging. Lembrou-me algo que li algures na internet, dirigido aos mais novos: A tua avó queimou soutiens, usou minissaia, fez topless, dormiu com quem quis e experimentou drogas. Para seres cool como ela vais ter de trabalhar muito.

Na primeira vez que os Rolling Stones vieram a Berlim, em 1965, o público destruiu a Waldbühne - estavam furiosos por o concerto ter sido demasiado curto. Na última vez, ontem, a floresta pegou fogo.
Não sei se os deixarão regressar...
O que se passou: na floresta Grunewald há um local para guardar e detonar as bombas da II GM que continuam a ser encontradas na cidade, para além de munições várias e fogo de artifício que o pessoal costuma usar na passagem de ano, e é confiscado por não respeitar os regulamentos. Esta noite, pouco depois das três da manhã, algo rebentou inesperadamente nesse depósito, e deitou fogo às árvores em volta. O incêndio está a fazer rebentar muito do que por lá está guardado - e são vinte e cinco toneladas de material explosivo.

Se me fosse permitida uma piadinha seca, diria que foi um concerto bombástico.


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