21 junho 2022

como Pilatos no credo

Partilho este apontamento de Lutz Brückelmann, do dia em que na Enciclopédia Ilustrada a "palavra mágica" foi VERDADE:



Não gosto de andar com a palavra #verdade na boca. Exactamente porque não há nada que valorizo mais. Nem amor. Não há amor sem verdade. Mas verdade não é algo que se tem, seguro, é um objetivo de procura. Uma procura nunca concluída.

No Evangelho de S. João há o famoso diálogo entre Pôncio Pilatos e Jesus sobre a verdade (João18,37-38):
"Pilatos disse-lhe: Afinal, és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.
Pilatos disse: O que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus e disse-lhes: Não encontro nele crime algum."

O Evangelista está do lado de Jesus, claro. É místico e profeta e para ele, Jesus é Deus e assim a própria encarnação da Verdade. Pilatos por sua vez é o homem mundano, descrente, céptico, cínico, que privilegia a razão sobre a fé. Tudo o que São João e os outros fervorosos crentes desprezam.

Nietzsche, por sua vez, coloca-se no lado de Pilatos. No seu Anticristo escreveu:
Devo dizer que há apenas uma figura em todo o Novo Testamento que merece apreço? Pilatos, o governador romano. [...] O elegante desdém de um romano, diante de quem se comete um ultrajante abuso da palavra 'verdade', enriqueceu o Novo Testamento com a única palavra que tem valor - que é a sua crítica, a sua própria destruição: ‘O que é a verdade!’
[Imagem: Nicholas Ge, What Is Truth? (Christ before Pilate), 1890; Source: Wikimedia Commons, PD-Old-100. ]


2 comentários:

jj.amarante disse...

Dois apontamentos:

Segundo o que algum padre me disse, a Santa Madre Igreja dedicou bastante tempo e esforço a conciliar a razão com a fé e a negar antinomia entre os dois conceitos. Custa-me acreditar que "São João e os outros fervorosos crentes" desprezasem tomar em conta a razão.

O Nietzche, na sua procura de absoluto que o levou à loucura, manifestou alegadamente apreço por apenas uma única figura em todo o Novo Testamento. Padece de "pensamento único", no meio de tanta gente interessante apenas consegue distinguir o símbolo do poder romano, é o fascínio pelo chefe supremo, pelo tal super-homem, que tão maus resultados deu na Alemanha. Que ainda por cima, embora ciente da ausência de crime, contemporiza com a "identidade judaica", uma vez que não se trata de um patrício romano. É possível que este excesso de multiculturalidade tenha contribuído para a decadência do império.

E acho graça o Lutz continuar a suscitar-me vontade de o comentar, por favor envie-lhe este comentário.

Helena Araújo disse...

Vou enviar, com certeza.