Por causa da guerra da Ucrânia, a minha sogra agora não consegue parar de se lembrar da guerra que afligiu a sua própria infância, e deixou marcas profundas. Há dias falei de como se lembra das noites passadas na cave do prédio, ouvindo as bombas a silvar à sua volta. A mãe acabou por enviá-la para a aldeia onde viviam familiares, ela na quinta de uns primos, o irmãozinho na quinta de outros. Tudo era preferível a ficar na cidade onde todas as noites choviam bombas.
O exército dos aliados que entrou naquela parte da Alemanha era o americano. E aqui, o rosto dela abriu-se num sorriso, ao lembrar como os soldados americanos tratavam bem as crianças. Em especial os soldados negros: inexcedíveis em simpatia. (Eu a pensar: underdogs entre si, a solidariedade dos mais frágeis com os mais frágeis.)
Quando os bombardeamentos pararam, ela e o irmão voltaram para casa. O pai também conseguiu regressar. Tinha sido enviado para a frente Leste, a mais mortífera. Estava a curar ferimentos num hospital de campanha quando sentiu o Exército Vermelho a aproximar-se. Arranjou (sabe-se lá como...) uma bicicleta e pedalou mais de mil quilómetros de regresso a casa. Na cómoda do quarto da minha sogra há um bonequinho de peluche, um cão preto de pêlo hirsuto, que o pai dizia ser o seu talismã. Foi para a guerra com ele, e trouxe-o de volta naquela desesperada viagem de bicicleta. (Eu a pensar num homem adulto, pai de dois filhos: que espécie de terror o terá feito agarrar-se assim a um boneco?)
Na escola, davam às crianças subalimentadas papas de aveia. Serviam-nas num pucarinho de alumínio que cada criança levava consigo. A minha sogra comia metade, e levava a outra metade para casa, para o irmãozinho também poder comer alguma coisa.
Este post acaba aqui, assim abruptamente, como a conversa com a minha sogra que, chegada a este ponto, decidiu mudar de assunto.
1 comentário:
O mundo não precisava disto, nunca precisou mas estamos todos tão frágeis...
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