22 março 2022

o que os ucranianos deviam fazer

 


De cada vez que leio a opinião de algum português sobre o que os ucranianos deviam fazer, até estremeço. Quão ridículo se pode ser, a ditar do conforto do seu sofá sentenças sobre terríveis dilemas existenciais dos outros?

É ao povo ucraniano que compete decidir se o seu presidente é um palhaço e um lírico, ou se está a responder ao que muitos (quantos?) sentem como um dever de lutar até à morte para defender a independência do seu país.

Não sei o que os ucranianos deviam fazer. E se tivesse opinião não a dizia, por uma questão de decência, uma vez que quem tem a cabeça no cepo são eles, não sou eu.

Mas, perante o que está a acontecer, sinto uma mistura de gratidão e culpa: cada dia que Kyiv resiste é mais um grão de areia na engrenagem dos planos de Putin de invadir outros países da antiga URSS. Os ucranianos estão a dar a sua vida por eles, e por nós - nomeadamente para que a guerra não alastre com tanta facilidade a países da União Europeia onde também há minorias russas (que em breve se poderá vir a descobrir que são "vítimas de genocídio" e estão a precisar que o exército russo "as proteja"...).

Quem hoje insiste que os ucranianos se devem render para acabar com esta chacina, provavelmente amanhã dirá à Moldávia, aos países bálticos, à Geórgia e sabe-se lá a quem mais que devem desistir de ter vontade própria e devem depor as armas mal o primeiro soldado russo se aproxime das suas fronteiras. Nem pensar em apresentar a mínima resistência política ou armada ao imperador Putin. É a arrogância do sofá em todo o seu esplendor.

PS: A ilustração é apenas uma caricatura. Exagerada, como todas as caricaturas. Contudo, tenho a certeza que o exagero seria muito menor se, em vez desses países, tivessem escrito Moldávia, Estónia, Letónia e Lituânia - e se a Ucrânia se tivesse rendido na última semana de Fevereiro.


6 comentários:

LuísM Castanheira disse...

Morte, de quem?
Do presidente ou do Povo?
Iraque
Síria
Afganistao
Iémen
Somália
sem falar da Coreia
Vietname
Panamá
Cuba

E por esse Mundo fora...



Viva a expansão da NATO, até à China!

Se eu tivesse um vizinho a ameaçar-me, como barriga de aluguer, para me matar em nome doutrem, de certeza que não ficaria à espera.
Abraço

LuísM Castanheira disse...

(para não falar de Hiroxima e Nagasaki)

Helena Araújo disse...

LuisM Castanheira,
porque me vem lembrar esses crimes? Parece-lhe que pode assim relativizar os do Putin?

Parece-me muita falta de sensibilidade da sua parte vir com esse discurso no momento em que o exército russo está a atacar selvaticamente a população ucraniana.

A Ucrânia não invadiu a Rússia. A NATO está há muitos anos perto da Rússia e não lhe fez nada. O mesmo não se pode dizer sobre a política de vizinhança da Rússia. Basta olhar para a Tchetchenia ou para a Geórgia. E agora para a Ucrânia. Razão tinham os ucranianos para quererem ter a NATO com eles. Tivessem eles a NATO lá, já o Putin não lhes invadia o país.

Petrus Monte Real disse...

Helena,

Concordo plenamente com a sua preocupação,
muito bem explanada e fundamentada, como aliás é seu hábito.
Creio que a larga maioria da população portuguesa
comunga a ideia transmitida de que o Putin é o invasor
(como já reconheceu o Tribunal Internacional que determinou a retirada das tropas russas)
e a Ucrânia, a vítima.
Todavia, convém que se diga que há uma franja
na opinião pública portuguesa do lado do "contra"
(talvez saudosista de antigos regimes totalitaristas).
Por isso não é de estranhar tomadas de posição
como aquela que acabo de ler no comentário,
que me antecedeu, muito triste mesmo!

Helena Araújo disse...

Obrigada, Petrus Monte Real.
Acredito que muitas dessas pessoas que afirmam que a Ucrânia se tem de render o fazem por verdadeira preocupação com o sofrimento das populações.
A seu tempo, Gandhi também sugeriu que ninguém oferecesse resistência ao Hitler. E não era por amor aos totalitarismos.

A questão existencial é sobre a melhor forma de chegar à paz. E o tipo de paz que ousamos querer para os outros...

AMP disse...

Deveria ter ido até às cruzadas. Assim ficaria dispensado de comentar a operação militar especial em curso.