De cada vez que leio a opinião de algum português sobre o que os ucranianos deviam fazer, até estremeço. Quão ridículo se pode ser, a ditar do conforto do seu sofá sentenças sobre terríveis dilemas existenciais dos outros?
É ao povo ucraniano que compete decidir se o seu presidente é um palhaço e um lírico, ou se está a responder ao que muitos (quantos?) sentem como um dever de lutar até à morte para defender a independência do seu país.
Não sei o que os ucranianos deviam fazer. E se tivesse opinião não a dizia, por uma questão de decência, uma vez que quem tem a cabeça no cepo são eles, não sou eu.
Mas, perante o que está a acontecer, sinto uma mistura de gratidão e culpa: cada dia que Kyiv resiste é mais um grão de areia na engrenagem dos planos de Putin de invadir outros países da antiga URSS. Os ucranianos estão a dar a sua vida por eles, e por nós - nomeadamente para que a guerra não alastre com tanta facilidade a países da União Europeia onde também há minorias russas (que em breve se poderá vir a descobrir que são "vítimas de genocídio" e estão a precisar que o exército russo "as proteja"...).
Quem hoje insiste que os ucranianos se devem render para acabar com esta chacina, provavelmente amanhã dirá à Moldávia, aos países bálticos, à Geórgia e sabe-se lá a quem mais que devem desistir de ter vontade própria e devem depor as armas mal o primeiro soldado russo se aproxime das suas fronteiras. Nem pensar em apresentar a mínima resistência política ou armada ao imperador Putin. É a arrogância do sofá em todo o seu esplendor.
PS: A ilustração é apenas uma caricatura. Exagerada, como todas as caricaturas. Contudo, tenho a certeza que o exagero seria muito menor se, em vez desses países, tivessem escrito Moldávia, Estónia, Letónia e Lituânia - e se a Ucrânia se tivesse rendido na última semana de Fevereiro.
6 comentários:
Morte, de quem?
Do presidente ou do Povo?
Iraque
Síria
Afganistao
Iémen
Somália
sem falar da Coreia
Vietname
Panamá
Cuba
E por esse Mundo fora...
Viva a expansão da NATO, até à China!
Se eu tivesse um vizinho a ameaçar-me, como barriga de aluguer, para me matar em nome doutrem, de certeza que não ficaria à espera.
Abraço
(para não falar de Hiroxima e Nagasaki)
LuisM Castanheira,
porque me vem lembrar esses crimes? Parece-lhe que pode assim relativizar os do Putin?
Parece-me muita falta de sensibilidade da sua parte vir com esse discurso no momento em que o exército russo está a atacar selvaticamente a população ucraniana.
A Ucrânia não invadiu a Rússia. A NATO está há muitos anos perto da Rússia e não lhe fez nada. O mesmo não se pode dizer sobre a política de vizinhança da Rússia. Basta olhar para a Tchetchenia ou para a Geórgia. E agora para a Ucrânia. Razão tinham os ucranianos para quererem ter a NATO com eles. Tivessem eles a NATO lá, já o Putin não lhes invadia o país.
Helena,
Concordo plenamente com a sua preocupação,
muito bem explanada e fundamentada, como aliás é seu hábito.
Creio que a larga maioria da população portuguesa
comunga a ideia transmitida de que o Putin é o invasor
(como já reconheceu o Tribunal Internacional que determinou a retirada das tropas russas)
e a Ucrânia, a vítima.
Todavia, convém que se diga que há uma franja
na opinião pública portuguesa do lado do "contra"
(talvez saudosista de antigos regimes totalitaristas).
Por isso não é de estranhar tomadas de posição
como aquela que acabo de ler no comentário,
que me antecedeu, muito triste mesmo!
Obrigada, Petrus Monte Real.
Acredito que muitas dessas pessoas que afirmam que a Ucrânia se tem de render o fazem por verdadeira preocupação com o sofrimento das populações.
A seu tempo, Gandhi também sugeriu que ninguém oferecesse resistência ao Hitler. E não era por amor aos totalitarismos.
A questão existencial é sobre a melhor forma de chegar à paz. E o tipo de paz que ousamos querer para os outros...
Deveria ter ido até às cruzadas. Assim ficaria dispensado de comentar a operação militar especial em curso.
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