No dia 24 de Fevereiro de 2022, Gregor Gysi, porta-voz dos Linke alemães para política externa, declarou: "Tudo o que sempre disse morreu no dia em que começa uma guerra que viola o direito internacional".
Neste vídeo ele é entrevistado na manhã do dia seguinte ao início da invasão, e começa por afirmar que é preciso condenar veementemente, sem "se" nem "mas", esta invasão criminosa.
[ Registo que a guerra ainda nem tem 30 horas no momento em que esta entrevista é feita, Putin ainda não começara a bombardear prédios de habitação, e Gysi já condena sem deixar margem para dúvidas. Não é "o conflito". Não é "ai e tal, mas a NATO também..." ]
Quando o jornalista o confronta com o histórico do seu partido, que tem repetidamente mostrado compreensão por certas atitudes do Putin, e lhe pergunta o que os leva agora a reconhecer que esse homem é um criminoso de guerra, ele responde que tinham a esperança de que Putin não avançasse para este passo, e acrescenta: "Todas as críticas que fiz ao Ocidente e à NATO podem estar certas, mas perderam todo o seu valor porque Putin iniciou uma invasão criminosa e avessa ao direito internacional. Já há mortos, os civis estão a sofrer, e um partido pacifista - como os Linke foram, são e serão - só pode condenar veementemente esta guerra."
Sobre os motivos de Putin para esta guerra: "A primeira vítima de uma guerra é a verdade. Os motivos que Putin alega são obviamente um disparate - e lembro que a guerra do Iraque de George W. Bush também começou com a mentira de que eles tinham armas de destruição maciça. É sempre assim nas guerras: arranjam-se e inventam-se desculpas para a invasão. Não podemos embarcar nisso."
[ Registo a diferença em relação ao whataboutismo que vou lendo por aí: não é "e as mentiras do Bush, disso ninguém fala?", é "Putin mente, como o Bush mentiu, e em ambos os casos é absolutamente condenável." ]
Sobre as sanções, diz que é a favor delas mas devem dirigir-se contra a classe dirigente e não contra o povo. Critica os EUA, que exigem à Alemanha que deixe de comprar gás à Rússia mas não tenciona reduzir as suas próprias importações de petróleo desse país. E sobre a exclusão da Rússia do sistema SWIFT diz que o problema reside no risco de - "como um político da CDU alemã já lembrou" - a China e a Rússia se unirem para criar uma estrutura monetária alternativa, contra o dólar e o euro. Acrescenta que não é especialista do assunto, mas que convém considerar também essa questão.
[ registo, com muito agrado, esta honestidade ]
Menciona também uma preocupação sua, que não vê muitas pessoas a partilhar: teme que as sanções impostas à Rússia e à China conduzam a uma união desses dois países. Um com enorme poderio económico, outro com enorme poderio militar. Se se unirem, criam um factor de poder que fugirá inteiramente ao controlo do Ocidente, das Democracias. É necessário ter tudo isso em conta. "É sempre difícil falar de dinheiro quando está a acontecer uma guerra, há pessoas a morrer, há sofrimento. Mas temos de pensar nas consequências das nossas escolhas. Não apenas amanhã, mas também depois de amanhã."
Finalmente [ e lembro de novo que a guerra ainda nem 30 horas tinha ] :
"Penso que Putin está arrumado, está arrumado! Tem tido sempre o apoio da maioria da população russa, e penso que o perdeu agora. E a população ucraniana vai oferecer uma resistência como ele nunca viu."
Uns dias mais tarde, Gregor Gysi criticou publicamente alguns membros do seu partido por fazerem o discurso tipo "a guerra é um horror, mas ai e a NATO...". Torna-se claro que a invasão da Ucrânia será um ponto de viragem também nos Die Linke. Gysi está claramente a fazer a sua parte para trazer o seu partido, que é herdeiro dos partidos comunistas, para um lugar sólido no espaço democrático desta terceira década do século XXI.
De momento, volta-se a falar muito dele, porque publicou no twitter um vídeo onde faz um apelo em russo. O seguinte:
"Caros cidadãos da Rússia, caros cidadãos das comunidades russas na Alemanha!
Dirijo-me hoje a si com um apelo urgente, pedindo que faça tudo o que estiver ao seu alcance para pôr fim à guerra que a Rússia está a travar na Ucrânia em seu nome.
Mostre ao seu governo que esta guerra não está a ser travada em nome do povo da Rússia e deve, portanto, terminar imediatamente!
Sei que é muito mais difícil ir manifestar-se e protestar contra a guerra nas ruas na Rússia do que em Berlim. É por isso que o meu respeito por todos aqueles que o fazem é ainda maior. Não é possível prender milhões de pessoas. Peço-vos que proíbam esta guerra.
(O russo que aprendi na escola está um pouco enferrujado, como é natural. Por isto peço a vossa indulgência.)"
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