(Duas semanas depois do primeiro massacre de Babi Yar, a barbárie repete-se em Lubny. Um fotógrafo nazi, Johannes Hähle, capta alguns dos momentos que precedem a matança.
Foto: Hamburger Institut für Sozialforschung)
Foto: Hamburger Institut für Sozialforschung)
(Fotos 2 e 3: 14.10.1942 - Massacre em Misosz - Pictures from History, Ullstein Bild)
Referindo-se ao massacre de Babi Yar, que começou faz hoje oitenta anos, na Enciclopédia Ilustrada usaram a imagem de uma “matança medieval” - e eu mais uma vez troquei tudo e pensei naquela cena horrorosa das guerras no tempo de Napoleão, com soldados a espetar as baionetas na barriga de outros homens jovens e saudáveis como eles.
A gente sabe e não sabe, e eu precisei de ver uma encenação da famosa batalha de Jena para me aperceber da dimensão da estupidez: que força levou aqueles homens a aceitarem caminhar em formação disciplinada em direcção ao exército inimigo para se matarem uns aos outros com baionetas?
Hoje foi o número 15 que me abriu um pouco mais os olhos: em #Babi_Yar mataram em média 15 pessoas por minuto. A tiro. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng. Peng.
Um dedo a carregar no gatilho: uma e outra vez, cinquenta vezes.
Que força levou aqueles homens a dispararem assim sobre bebés (peng!), sobre mulheres nuas (peng!), sobre velhos doentes (peng!)?
Um artigo de Katha Iken no Spiegel Online de 27.9.2021 (https://bit.ly/3zNJ5Ws) aborda esse tema, a propósito de um advogado de 73 anos, cuja identidade prefere não revelar, que quer levar a julgamento um desses assassinos, um homem que tem agora 99 anos.
Resumo o artigo assim:
“Quero levar esse homem a tribunal”, sublinha o advogado. Não lhe importa se ele vai parar à prisão, mas é importante haver expiação e justiça – ainda que tardia. “Porque é que não se pode pedir contas a um homem de 99 anos? Em Babi Yar também assassinaram pessoas de 99 anos.”
33.771 – a exactidão dos números! – mortos em 36 horas, mais de 15 por minuto. Nem em Auschwitz, Treblinka ou Belzec mataram pessoas a essa velocidade.
Os judeus avançaram para o desfiladeiro pensando que iam ser levados para viver noutra região. Chegados a Babi Yar, mandaram-nos dar os seus objectos de valor e os documentos de identificação, e despir-se. Muitas pessoas eram obrigadas a deitar-se de bruços sobre os corpos dos que tinham sido assassinados antes deles.
Os membros dos esquadrões da morte eram substituídos a intervalos regulares, e os organizadores do massacre cuidavam do seu bem-estar: comida quente e aguardente - e música de ópera a ecoar pelo desfiladeiro para abafar o som dos gritos.
No final, escreveram-se os relatórios que revelavam enorme satisfação pelo modo como a “operação” tinha decorrido.
Mesmo após a queda do regime nazi, os autores do massacre de Babi Yar não mostravam sentir alguma culpa. Antes parecia terem mais pena dos assassinos que dos assassinados.
Paul Blobel, um dos responsáveis directos, afirmou no tribunal de Nuremberga que „não conhecia o valor intrínseco das vítimas” e pensava mais nos seus homens que nas pessoas mortas. “Os nossos atiradores precisavam de apoio psicológico” e “Confesso que os homens que tomaram parte nisso sofreram mais dos nervos do que aqueles que tinham de ser ali mortos a tiro.”
Também Kurt Werner, membro de um desses esquadrões, mostrou sentir muita pena de si próprio: “Ainda me lembro hoje do choque dos judeus quando chegavam à orla do desfiladeiro e descobriam os cadáveres no fundo. Com o susto, muitos desatavam a gritar. Ninguém consegue imaginar como ficávamos com os nervos arrasados ao fazer o trabalho sujo lá em baixo.”
Os autores deste assassínio em massa como vítimas merecedoras da nossa compaixão: haverá maneira mais desprezível de zombar dos mortos?
O racismo dos autores destes crimes manteve-se depois de 1945. Deu-se início ao longo processo de encobrimento dos vestígios que poderiam ter ajudado a entender o que aconteceu em Babi Yar. Três dos nazis responsáveis pelo massacre foram condenados em Nuremberga, mas o tribunal não pediu contas a nenhum dos elementos do exército alemão que também tinham participado. Nenhum dos 700 homens dos comandos envolvidos no massacre foi levado a julgamento, excepto dez, já em 1967/68. Desses, três foram absolvidos, e os outros foram condenados a penas de prisão entre 4 e 15 anos por cumplicidade no homicídio - mas não por homicídio.
O advogado que insiste em levar o caso a tribunal acusa: “as falhas no trabalho jurídico relativo a Babi Yar não dignificam o Estado de Direito”. E continua: também é inaceitável que na Alemanha praticamente ninguém saiba nada sobre esse massacre.
Ninguém sabe. O antigo atirador de Babi Yar, viveu perfeitamente integrado na sociedade até aos 95 anos, altura em que a Justiça lhe foi bater à porta. Às acusações, respondeu que fazia apenas trabalho sanitário. „Que trabalho sanitário é necessário num massacre?“, ri amargamente o advogado.
Habitualmente opta-se por arquivar casos dirigidos contra pessoas de idade tão avançada. Mas o advogado não desiste: recentemente voou até Kiev para contactar familiares de vítimas de Babi Yar que possam impugnar essa decisão. E talvez a Justiça alemã tenha realmente de se ocupar uma última vez com aqueles crimes sobre os quais uma mulher de Kiev escreveu, a 2.10.1941:
“Alguma vez se viu algo assim na história da humanidade? Não dá para escrever, não dá para tentar compreender, porque se tomarmos consciência do que aconteceu ficamos loucos. ... Que século maldito, que tempo maldito e assustador"!
1 comentário:
Os meus amigos de esquerda perguntam sp indignados " porque gostas tanto dos judeos?" Pois é, acho que " a cristandade" carrega para com eles tanta tanta culpa, que nunca mais na história os deve abandonar.
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