Uma colega de curso, a Eva, vinha de uma aldeia perto de Miranda do #Douro, vivia num quarto minúsculo numa residência de estudantes, e tinha de se organizar para não deixar nunca exames para Setembro, porque nessa altura estava retida num século anterior: a sua aldeia ainda vivia em regime comunitário, e na época das colheitas iam todos juntos fazer a colheita de um vizinho, depois a de outro, e assim sucessivamente.
Quando as aulas da faculdade recomeçavam, ela despedia-se da sua terra nos confins do mais lá longe de tudo, despedia-se dos penhascos de um Douro tão diferente daquele que chegava ao Porto (ou talvez lhe dissesse "até já!"), e aparecia-nos com as mão calejadas, os olhos verdes muito brilhantes, as exclamações mais abertas, o sotaque ligeiramente carregado de música mirandesa.
A Eva cantava-nos o "por bailar o pingacho", contava histórias hilariantes do irmão a pôr o capacete da mota para aprender as danças no seu grupo pauliteiros, falava com imenso orgulho das tradições da sua terra.
A determinada altura, começou a citar com entusiasmo frases de um livro que andava a ler: os Meninos de Ouro, da Agustina. Eu ouvia-a, fascinada por aquela imensa ponte que ela era: entre um Portugal duplamente longínquo - no espaço e no tempo - e uma das mais desafiantes leituras da literatura portuguesa contemporânea.
Sem comentários:
Enviar um comentário