03 julho 2020

"Douro" (1)



Por este rio acima....

1. Em finais dos anos oitenta do século passado


(nota mental: da próxima vez, hei-de fazer por nascer no princípio do século, que é para não contar estas histórias da juventude como se fossem de outro século e até de outro milénio, porque é assim que uma pessoa se põe velha)


fiz com a minha família uma viagem inesquecível no #Douro internacional. Só mais tarde me apercebi de que aquilo que, para mim, era "apenas" uma viagem formidável, para o meu pai era trabalho. Na altura ele estava a preparar o Programa para o Aproveitamento Turístico do Vale do Douro, e aproveitou as férias para experimentar o potencial da região. Deve ter sido por isso que em cada município se arranjava o milagre de haver sempre um barquinho que nos levava a conhecer a natureza pouco explorada, rio abaixo e rio acima. A águias e os penhascos impressionantes em Miranda do Douro. Os abutres e os grifos. As cegonhas pretas do Mogadouro - especialmente duas, muito curiosas, que nos acompanharam durante toda a viagem, voando sobre as nossas cabeças para avaliar bem estes bichos estranhos que invadiam o território delas.


2. Também no âmbito desse programa, os técnicos da CCDRN, onde eu trabalhava, tiveram a oportunidade de fazer uma excursão de quase uma semana para conhecer melhor a região sobre a qual iriam tomar decisões. Em cada concelho éramos recebidos pelo presidente da Câmara, que nos apresentava a região e nos servia um almoço ou um jantar, conforme a hora. Como cada concelho nos queria servir o melhor que tinha, andámos aqueles dias todos a almoçar e a jantar cabrito assado no forno com batatas. Um melhor que o outro, ça va sans dire, mas o que é demais é exagero.


(Também inesquecível: o presidente da Câmara que, dentro do autocarro, nos ia apontando as aldeias das freguesias e dizia "esta tem 230 eleitores, esta tem 120 eleitores...")


3. Numa das viagens de trabalho que fiz num barco do rio Douro (sim, há vidas muito duras), deparei com um animador turístico da velha guarda, muito consciente da importância da sua missão. Em determinado momento mandou parar todas as conversas, insistiu quase ao ponto da má-criação com duas senhoras que continuavam animadamente a sua conversa ("Silêncio! Minhas senhoras! Estou farto de dizer que têm de fazer silêncio!"), e quando finalmente até essas se calaram, ele pôs a voz em tremolo e anunciou: "admirem, senhores e senhoras, o espectáculo da criação divina. Olhem para a beleza destas margens!"

E depois deixou-nos continuar as conversetas.

Aaaah, já não se fazem animadores como antigamente!


4. Se alguém passou em Julho de 2017 pela Ribeira do Porto e viu uma grande animação minhota num dos barcos que lá faz o circuito das seis pontes, era - desculpem! - eu e o Joachim a festejar com família e amigos as nossas bodas de prata. Tínhamos previsto um jantar e umas voltinhas no barco, mas os amigos da nossa aldeia trouxeram os bombos e a concertina, e já entraram no barco a fazer música de romaria minhota. De modo que esta foi a segunda festa da minha vida na qual já estávamos a dançar mesmo antes da primeira bebida...

(A primeira festa onde isso nos aconteceu foi o casamento: organizei o catering tudo fantástico, mas fiz mal as contas do horário. Ou então fomos nós que nos despachamos muito a casar e a dar os beijinhos ao pessoal. Chegámos com uma hora de adianto à casa onde íamos fazer a festa, e o pessoal recusou-se a servir as bebidas, porque só tinha ordens para começar uma hora mais tarde. Um tio do Joachim escapuliu-se para a taberna mais próxima para comprar cervejas (o que se tornou um running gag da família nos anos seguintes). Os outros foram para o belo terraço da casa da Cruz Vermelha, ali em Massarelos, por cima do Douro, e puseram-se a dançar a seco. Ou isso, ou conversar.)


5. Ao amigo enciclopedista que hoje, a propósito do Douro, disse que "ai não sei quê mas o Tejo é que", eu queria perguntar se alguma vez viu passar no Tejo um barco cheio de foliões a dançar ao som de bombos minhotos. Não viu? Então pronto, ficamos conversados. E mainada. 



2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Tanto o Douro como o Tejo têm a sua beleza. Tão iguais, tão diferentes. O Douro é lindo. O Tejo é bonito.
.
Tenha um dia de Paz e Amor

Maria disse...

Não há bela sem senão...
Ainda assim, atrevo-me a dizer:
What a lucky lady you are!
E quanto aos rios, o da nossa aldeia é sempre o mais belo...

Fico à espera do Douro (2).
🌻