03 maio 2020

1 de Maio de 2020 - concerto europeu na Filarmonia de Berlim (2)


Tocante: a alegria destas pessoas por poderem voltar a fazer música em conjunto. Comovedor: a emoção dos músicos no Adagio for Strings de Barber. Surpreendente: uma 4ª de Mahler quase outra, com pouco mais do que uma dúzia de músicos em palco. Extraordinário: a ausência de tosses e catarros. Delicioso: o suave declinar da música no fim das peças, que nenhum aplauso quebrou. Insuportável: o frio das cadeiras vazias. Profundamente triste, profundamente digno: o maestro a saudar com um sorriso e uma vénia o público ausente.

Divertido: os cabelos mais compridos de todos.

No intervalo, Kirill Petrenko explicou a escolha das músicas para este concerto "inesquecível em cada um dos seus segundos": o Fratres/irmãos de Arvo Pärt porque esta crise apela à nossa solidariedade; as Ramifications de György Ligeti, com os seus contrapontos tão adequados à disposição dos músicos no palco; o Adagio for Strings, um "evergreen" que tem especial razão de ser nestes dias de angústia e perda. Sobre a quarta sinfonia de Mahler - que fazia parte do programa preparado para levar a Israel na 30ª edição do Concerto Europeu - adiantou que esta interpretação por um grupo reduzido de músicos poderá talvez permitir chegar mais perto do âmago da peça.

Não concordei com uma afirmação do maestro, sobre a crise da covid ter obrigado esta orquestra a deixar as pessoas sozinhas. Pelo contrário: ao abrirem o Digital Concert Hall a todos, conseguiram enriquecer os dias de inúmeras pessoas fechadas em casa. Que o diga, por exemplo, a minha sogra de 84 anos: desde que lhe falei dessa possibilidade, há cerca de um mês, os dias dela ganharam uma nova qualidade. Está viciada no Digital Concert Hall, e decidiu fazer a assinatura anual.

E fiquei a pensar nas voltas que a vida dá: numa altura em que outras orquestras se abriam aos cinemas, organizando transmissões em directo para algumas dessas salas, Simon Rattle conseguiu levar a cabo um projecto de presença online. A crise actual fechou as salas de cinema, e alargou ainda mais a importância da internet. Quando foi mais necessária, esta orquestra de Berlim chegou às casas de cada um e alargou por dentro seu mundo subitamente mais limitado. 


2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Nunca se agrada a todos, essa a verdade. Sem dúvida que é desolador ver meia dúzia de músicos numa orquestra de dezenas Mas por outro lado - pelo mais positivo - muita gente estando em casa, decerto, que adorou ouvir.
.
Um domingo feliz
Cuide-se

Maria disse...

O Adagio for Strings do Barber faz-me sempre vir as lágrimas aos olhos: inevitável, essa peça comove-me imenso desde que, há muitos anos, a ouvi num certo filme...
🌻