20 abril 2020

ai, e tal, os cristãos não puderam celebrar a Páscoa mas o Parlamento pode celebrar o 25 de Abril...

Um dos argumentos mais usados por quem critica as celebrações do 25 de Abril é o da Páscoa: então os cristãos não puderam celebrar a festa maior do Cristianismo, e o Parlamento pode celebrar o 25 de Abril? Então as regras não são iguais para todos?

Facto é: o Parlamento não deixou de trabalhar. O que seria estranho era o Parlamento abrir todos os dias para legislar, mas fechar no dia 25 de Abril.

Imaginem que a Igreja Católica tinha continuado a ter missas diárias, cumprindo determinadas regras de segurança, durante todo o mês de Março e no princípio de Abril, mas na Semana Santa suspendiam tudo por causa da covid-19. Qual era a lógica disto? Nenhuma. Ninguém aceitaria fechar as igrejas justamente na Páscoa, caso tivesse havido missas nas semanas anteriores.

A mesma lógica se aplica ao Parlamento: porque é que devia fechar no dia maior da Democracia portuguesa, se tem estado a trabalhar todos os outros dias?

--

Podíamos discutir os critérios para fecharem as igrejas e manterem o Parlamento aberto.
Boa questão - houve até uma paróquia berlinense que levou o caso a tribunal, alegando que o fecho das igrejas era um atentado à liberdade religiosa. O tribunal não lhe deu razão, e as igrejas permanecem fechadas.

No que diz respeito ao Parlamento, parece-me que ninguém põe em causa a sua importância: é essencial à sociedade e deve ser equiparado aos serviços fundamentais que não podem ser suspensos.

No que diz respeito à religião: por um lado, não é possível garantir que todas as pessoas das assembleias comunitárias tenham um comportamento rigoroso de prevenção de contágio (se nos supermercados já é o que se vê, quanto mais em lugares que são, por excelência, espaços de proximidade); por outro lado, pergunto se a celebração em comunidade é essencial para os cristãos sentirem a presença do Espírito Santo.

Desenvolvo um pouco mais: um padre meu amigo comentou recentemente que ouviu muitos católicos afirmarem que nunca viveram a Páscoa de modo tão profundo como em 2020. Aqueles para quem a Páscoa é realmente a festa maior do Cristianismo foram capazes de a recriar no confinamento do seu lar. A Igreja saiu dos templos, e entrou na casa das pessoas; em vez de decorrer como tradicionalmente na comunidade, este ano a celebração da Páscoa nasceu do coração e dos gestos de cada crente que a quis celebrar com verdade. Essas pessoas sentiram a presença do Espírito Santo nelas, e por isso disseram que nunca tinham vivido uma Páscoa de forma tão intensa.
 
Esta enorme crise, que tanto sofrimento tem causado, pode oferecer às Igrejas algo muito positivo: a oportunidade para os crentes se reinventarem como sujeitos da sua própria Fé e para, quando melhores tempos vierem, regressarem ao seio da comunidade revestidos de uma nova consciência de si próprios e da sua responsabilidade na casa comum.

3 comentários:

ematejoca disse...

Concordo absolutamente com os argumentos do texto.
Houve uma paróquia portuguesa, que festejou a Páscoa e os crentes tiveram mesmo a liberdade de beijar a cruz, coisa pouco higiénica, mas no tempo da COVID-19 é quase um crime, na minha opinião. Que a religião ajude nestes dias de tanta incerteza, tudo bem, contudo nada de fanatismos‼

jj.amarante disse...

Bom argumento, estou consigo.

Albertina Costa disse...

Um argumento muito interessante! Gostei muito de todo o texto.