20 abril 2020
a zaragata
Olhando a toda esta distância para a zaragata da semana no espaço público português - as comemorações do 25 de Abril no Parlamento - dou comigo a entender as razões de todos:
- Os que afirmam que o Parlamento tem estado a trabalhar, e a celebração do 25 de Abril faz parte das suas honrosas competências; mais ainda: esta celebração é primordial do ponto de vista simbólico neste ano de 2020. Cito a Rita Dantas: "um ano absolutamente histórico para a democracia portuguesa porque, pela primeira vez, a sua casa maior acolhe no seu seio um representante da extrema-direita populista, a que até agora tinha resistido." O texto completo está aqui, e vale muito a pena ler.
Se forem mantidas todas as recomendações da DGS, se todos respeitarem os procedimentos e as distâncias de segurança, o que seria estranho era o Parlamento abrir todos os dias para legislar, mas fechar no dia 25 de Abril. Tal como mencionei no post anterior, retomando o argumento da Páscoa: se durante todo o mês de Março e no princípio de Abril tivesse havido missas nas igrejas, ninguém aceitaria que as fechassem justamente na Semana Santa.
Além disso, a transmissão televisiva destas comemorações pode ter efeitos pedagógicos, por mostrar como é que as pessoas devem agir quando estão reunidas com outras em espaços públicos fechados, nomeadamente a distância que mantêm entre si, e a desinfecção repetida dos objectos que tocam (por exemplo: a estante para os discursos). Digo-o por experiência própria: vi isto há dias no Parlamento alemão, e fiquei realmente marcada por todo aquele aparato de cuidados de higiene.
- Os que são de opinião que, nesta altura em que se exige de todos que evitem ao máximo os contactos sociais, chegando ao ponto de impedir que os idosos e os doentes recebam a companhia e o conforto daqueles que amam, as celebrações no Parlamento são um péssimo exemplo e um sinal contraproducente de que já podemos deixar cair as guardas.
Além disso, pela própria natureza do acto, alguns dos convidados pertencem ao grupo etário de maior risco e é irresponsável expô-los a um perigo maior.
Finalmente: este é um tempo de fazer sacrifícios, e o Parlamento estaria muito bem se desse o exemplo.
Entendo estas razões. Apesar de ter a minha própria opinião, é-me fácil acompanhar os pontos de vista diferentes.
Mas isso sou eu. Visto à distância, o espectáculo é o de um povo a transformar um momento simbólico importante numa ferrenha disputa clubística irracional, ainda mais acesa que uma questão de bola.
Pergunto: a zaragata que por esta semana nos tem mantido excitadinhos é o efeito de terem apanhado demasiado sol na moleirinha, é o efeito do isolamento prolongado que começa a afectar até os mais pacientes, ou será o fruto de uma sábia manipulação para nos virar a todos uns contra os outros? Lembram-se de "A Zaragata", de Astérix? Estão conscientes de que as Democracias europeias estão a ser atacadas por forças que usam o debate público para construir e aprofundar trincheiras entre nós? Será que teríamos chegado tão longe nesta disputa sem as insinuações sobre "certos partidos pensarem que são os proprietários da Democracia", sobre "os deputados de m...", sobre a arrogância deste ou daquele político, sobre o carácter fascista de quem prefere que as celebrações este ano não se realizem nos moldes habituais?
Nós aqui a discutir aguerridamente uns com os outros: somos mesmo nós, ou estamos a deixar que façam de nós fantoches num jogo que nos escapa?
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A Helena Ferro de Gouveia sugere que no dia 25 de Abril os portugueses se unam a cantar o Grândola. Óptima ideia.
Acrescento um detalhe: para garantir que cantam todos ao mesmo tempo e ao mesmo ritmo, o Grândola da nossa unidade devia emanar do Parlamento, e entrar pela televisão em directo na casa de cada um. Esse seria o momento para os portugueses irem para as janelas cantar em uníssono para celebrar a Liberdade e a Democracia.
ADENDA: Por lapso dei a entender que a ideia seria uma sugestão da Helena Ferro de Gouveia, quando de facto se trata de uma proposta feita já por várias pessoas e organizações, nomeadamente o Vasco Lourenço (aqui), o PCP Madeira (aqui), a Câmara de Lisboa (aqui) e a Associação 25 de Abril (aqui).
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