21 abril 2020

inveja e ressentimento

Muitas das reacções às comemorações do 25 de Abril no Parlamento que tenho encontrado por aí levam-me a concluir que a estratégia dos insidiosos - os que decidiram aproveitar o caso para criar uma profunda divisão entre os portugueses - consistiu em alimentar os sentimentos de inveja e ressentimento.

Inveja: "nós aqui fechados em casa, e eles no Parlamento em festanças e banquetes de um milhão de euros."
(Sim: alguém pôs a correr que o catering ia custar um milhão de euros - mais de 7.000 euros por bico. E houve quem tenha acreditado: hahahaha! que triste figura fazem!)

Ressentimento: "nós não podemos nada, mas eles ("aqueles deputados de m...") podem tudo. Roubam-nos a liberdade, mas eles próprios fazem o que querem. Nós nem podemos ir ao funeral dos nossos entes mais queridos, mas eles podem andar em festanças. Nós nem à Páscoa, nós nem ao aniversário da avó, mas eles..."
Sejamos sérios: o argumento "então eu não posso, mas ele pode? isto é lá exemplo que se dê?!" só pode ser invocado no dia em que virmos os nossos deputados a frequentar restaurantes que deviam estar fechados, a ir à missa a que mais ninguém pode ir, a ir a funerais para os quais não têm autorização, a ir festejar o aniversário da avó.
As comemorações do 25 de Abril são uma sessão de trabalho do Parlamento. Se queremos discutir a sua necessidade, vamos ter de discutir também a necessidade de outros trabalhos que continuam a ser realizados e não são absolutamente vitais. Querem mesmo ir por aí?

Uma pessoa lê os comentários nas redes sociais e até se sente tentada a acreditar que as comemorações do 25 de Abril este ano vão ser a melhor festa do século, uma autêntica orgia de luxo, prazer e gozo. Quem diria que os nossos deputados, que andam o ano todo com aquele ar tão sério, em chegando ao 25 de Abril revelam os maganões que na verdade são: levados da breca, doidos prá brincadeira...

Lembremos o essencial: este é um momento único na História da Humanidade, quando tantos aceitaram pacifica e solidariamente fazer grandes sacrifícios para evitar que os mais frágeis da sociedade morram vitimados pela covid-19. Pela minha parte, sinto-me profundamente grata aos governantes que estão a tentar gerir esta situação perigosíssima e inédita, a todos os que têm de ir trabalhar e o fazem cumprindo escrupulosamente as regras para evitar contágios, e a todos os que estão em casa como eu. Sinto-me pessoalmente grata, porque se a covid-19 vier parar à minha família tenho fortes motivos para acreditar que tanto eu como os meus filhos precisaremos de ajuda hospitalar. E temo que não haja capacidade para acudir a todos os que precisarem de ajuda nesse momento.

Perante este movimento de solidariedade único na História, e que nos devia encher de orgulho, pergunto: como é possível que de repente tantos de nós tenham desatado a debitar argumentos que vão beber à inveja e ao ressentimento?

Arrisco uma explicação: no ano passado o Steve Bannon anunciou que se ia dedicar mais à Europa. Nem sequer podemos dizer que não fomos avisados. Parece a anedota da loira que ao ver a casca de banana no passeio se lamenta "ai que chatice, lá vou eu escorregar outra vez":

Somos tão facilmente manipuláveis que chegaria a ser ridículo - se não fosse tão triste, se não fosse tão perigoso.


2 comentários:

Lucy disse...

triste, mesmo

soudocontra disse...

E isso mesmo, os seres humanos, são assim, com algumas excepções, claro. Muito bom, esse post, Helena Araújo.
ManuelCTorres