11 outubro 2019

dar a palavra aos cientistas

Há muitos, muitos anos, levei os miúdos à sala nobre da Universidade para assistirem à dissertação do pai no final das suas provas de doutoramento. Ia a dissertação nos primeiros minutos quando o Matthias, de seis anos, encostou a boca ao meu ouvido e sussurrou: "mãe, há algumas coisas que não entendo. Por exemplo: o que é pH?"

Penso nessa cena quando vejo pessoas a fazer afirmações peremptórias sobre o aquecimento climático, baseando-se em frases de algum famoso ou em filmes que encontraram no youtube para provar por a+b que isto não é bem como "os do lobby do aquecimento climático" dizem. Parecem miúdos de seis anos que ainda não se deram conta de que há assuntos de tal forma complexos que ficam fora do alcance da sua compreensão. É que nem sequer põem a hipótese de haver algumas coisas que não entendem: um filme de 15 minutos no youtube, combinado com uma boa demão de teorias da conspiração, e eis o pessoal a acreditar que sabe mais do que praticamente todos os investigadores científicos juntos.

Em que momento perdemos a noção do "só sei que nada sei"? Em que momento perdemos o sentido do ridículo que nos deveria impedir de tentar rebater o discurso científico com argumentos encontrados numa página qualquer da internet?

Não tenho a menor vergonha de afirmar que não percebo nada de aquecimento climático. Se quisesse entender o suficiente para poder rebater de forma séria o discurso científico produzido sobre estes fenómenos, tinha de largar tudo o que faço e entregar-me inteiramente ao seu estudo.

E penso também muito naquele letreiro à porta de um consultório médico: "Se veio aqui em busca de uma confirmação das informações do Dr. Google, sugerimos que se dirija antes ao Dr. Yahoo". Que é como quem diz: há níveis diferentes, e cada macaco no seu galho. Não há debate possível entre um cientista e alguém que, por causa de umas coisas que encontrou na internet, pensa que já compreendeu tudo até ao fim.


2 comentários:

Catarina disse...

:)) esse letreiro é o máximo.
Agora, já imaginou Trump a citar esse paradoxo socrático? ! :))

Helena Araújo disse...

acho que implodia... ;)