11 outubro 2019

o poder das palavras e a violência de extrema-direita (1)

Traduzo e partilho aqui algumas frases importantes do debate que neste momento decorre na Alemanha sobre o poder das palavras e a violência de extrema-direita, no contexto da tentativa de massacre numa sinagoga alemã a 9.10.2019.

Destaco uma delas, que é um elemento fundamental neste debate:

"Em Halle houve um atentado realizado por um homem só, mas que não estava sozinho. O simples facto de ter um capacete com uma câmara revela que estava a comunicar com um público real na internet."

Um atirador a filmar um massacre em directo para a internet mostra que esta é muito mais que apenas um espaço de opinião. O lugar de verbalização é simultaneamente o lugar de formação de comunidades de tal modo sólidas que há quem decida criar factos (massacres!) para servir o sangue de que essa comunidade se mostra sedenta.

Se isto não é um convite - melhor dizendo: um ultimato! - a repensarmos todas as nossas teorias sobre a liberdade de expressão, não sei que mais será necessário para finalmente abrirmos os olhos.

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Dirk Kurbjuweit: Há espaços do pensamento e da fala que estão ou abertos ou fechados. É melhor que alguns fiquem fechados, porque entrar neles é indecente ou, por vezes, perigoso. Nos últimos anos políticos da AfD têm feito muito para abrir dois destes espaços e atrair outros para entrarem neles.
Esses dois espaços de pensamento estão ligados a este atentado. O primeiro é o desprezo e a falta de consideração por quem é entendido como "outro". (...) O segundo é a banalização do nacional-socialismo. (...) Abriu-se de novo um espaço no qual já não é tabu dirigir um olhar suave ou aprovador ao período mais terrível da História alemã, um período de assassínios em massa.
O atacante de Halle movia-se nestes dois espaços, que estão ligados: há algumas coisas boas no nazismo, acredita que o Holocausto é um boato, os judeus são para ele "os outros", que ele odeia. E então, fez algumas armas e começou a disparar.
Estes espaços já existiam antes da AfD. Umas vezes as portas estavam mais bem fechadas, outras vezes pior. De momento estão escancaradas, e tem muito a ver com a AfD.
É esta a responsabilidade deste partido no atentado de Halle.

Marina Weisband: Nós começamos por falhar na tarefa de impedir a violência verbal. Na internet, no parlamento, em debates na televisão. (...) Há que lutar contra a teimosia de afirmar que o anti-semitismo é sobretudo muçulmano - não aceito que as minorias sejam jogadas umas contra as outras. (...) O nosso inimigo é o ódio. Não lhe podemos dar palco."

Max Czollek: A seguir ao ataque, Annegret Kramp-Karrebauer falou em "sinal de alarme". Mas isto não é um caso de alarme, isto é uma catástrofe. "Sinais de alarme" era quando deixavam metades de porco em frente a sinagogas, quando ofendiam pessoas nas ruas, e quando um político disse que o III Reich não passou de uma caganita de pássaro na História alemã. Aquilo a que agora assistimos é a tempestade sobre a qual temos andado a avisar. Nós, os que andámos há anos a chamar a atenção para o perigo do terrorismo de direita: os sinais que recebemos da célula neonazi NSU, do assassinato de Walter Lübcke, dos êxitos da AfD, da caça ao homem em Chemnitz e dos centros de refugiados em chamas. (...) Em Halle houve um atentado realizado por um homem só, mas que não estava sozinho. O simples facto de ter um capacete com uma câmara revela que estava a comunicar com um público real na internet.  O nazismo e o ódio, que passam facilmente da cruz eleitoral para a aniquilação do "outro" são parte deste país. (...) Os judeus também estão no radar destes novos-antigos racistas. Quem quer uma Alemanha sem muçulmanos também a quer sem judeus. (...) A nossa direita, da qual a AfD é um sintoma, representa uma ameaça para todas as pessoas que não forem entendidas como "alemãs". (...) A ideia de que o antifascismo e o antiracismo são elementos básicos do interesse nacional da Alemanha após 1945, ou seja, que a esquerda e a direita não estão à mesma distância do centro político pós-nacional-socialismo, não corresponde à atitude política actualmente dominante. Mas devia.
Porque se, em 2019, este país não se baseia num consenso antifascista - então, não sei em que se pode basear.



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