28 agosto 2019

clareiras de luz no meio do caminho

O meu coro está a preparar o Requiem de Mozart. Ontem estudámos o Offertorium até o termos na ponta da língua. Um dia destes vamos conseguir tê-lo na ponta do coração - nesse lugar onde a música começa a acontecer. Foram três horas e meia tu-cá-tu-lá com Mozart, a cruzar a perfeição dele com as nossas limitações, em caminho esforçado com passagens por algumas clareiras luminosas: a revelação ocasional da beleza em momentos mais bem conseguidos do coro.



No fim, perguntei ao maestro se tinha estado no concerto dos Filarmónicos para apresentar o Kirill Petrenko à cidade.
- Não. Não estava em Berlim.
- Estiveste, pois! Apareceste no filme que eles mostraram várias vezes antes do concerto!

Tratava-se de um filme para mostrar ao público que a Filarmonia de Berlim tem muito mais que "apenas" uma das melhores orquestras do mundo. Este meu maestro preparou muitos dos coros infantis e de amadores que subiram ao palco daquela casa sob a batuta de Simon Rattle - foi assim que o conheci, aliás - e o seu trabalho estava obviamente referido naquele filme.

Acrescentei:
- Foste visto por vinte mil pessoas! E eu, quando te vi no ecrã, avisei logo toda a gente à minha volta: aquele é o meu maestro! Avisei todas as vinte mil, podes crer!
Largou um par daquelas gargalhadas que gosto tanto de lhe ouvir.
- E que tal foi o concerto?
- Do outro mundo. Parece-me que vou ser muito feliz com o novo maestro dos Filarmónicos.
- Vais ser feliz com o Kirill?, riu ele.

- Sou feliz com tantos maestros... - pensei eu, mas calateboca.

Com a voz e a alegria no ponto certo, no regresso a casa larguei-me a cantar ao volante - gostoso demais, romaria, morena dos olhos d'água -, em descontraída cacofonia com a música que saía pelas janelas abertas dos outros carros, quando parávamos nos semáforos.
Gracias a la vida!

(Só é pena que toda esta cantoria me tenha feito esquecer a interpretação do Offertorium. A minha memória de curto prazo ultimamente anda como há-de ir.)


2 comentários:

Lucy disse...

e estás a dar-te bem como tenor?

Helena Araújo disse...

Estou a gostar muito, Lucy. É um registo muito confortável. Só tenho de ter cuidado nos mais agudos, para manter um tom escuro na voz.