02 maio 2019
quando uma pessoa pensava que os estudantes de História da Academia de Coimbra não conseguiam descer mais baixo...
Li no Diário As Beiras que a insensibilidade histórica dos estudantes de História de Coimbra não é de agora. Além de quererem levar na Queima das Fitas um carro com o nome Alcoholocausto e a imagem de um comboio, na Latada sugeriram aos caloiros que fossem vestidos de judeus e nazis.
Já contei esta história, que ouvi a uma das últimas sobreviventes do Holocausto: a mãe dela entregou-a à guarda de uma "ariana", em Berlim. Ela teria uns cinco anos, e vivia fechada na casa da sua protectora. Um dia conseguiu escapar, e foi tocar à campainha da família que se tinha mudado recentemente para aquele prédio, uma família judia com vários filhos. Nesse momento o pátio encheu-se de barulho - um camião vinha buscar os judeus do prédio. Logo a seguir, a mulher que tomava conta da miúda arrancou-a ao grupo dizendo "esta é minha!", e fechou-a de novo em casa.
Os outros foram metidos à força no camião. A mãe, com o bebé ao colo, recusava-se a subir para o camião. O bebé berrava desesperadamente. E então um dos SS agarrou no bebé pelos pés e matou-o batendo-lhe a cabeça com toda a força contra o camião.
A miúda estava à janela, e viu tudo. Olhou em torno: em todas as janelas havia alguém a ver. E ninguém fez nada.
Olho agora para o que se passa em Coimbra, e vejo os estudantes do curso de História. Também eles estão à janela a ver os horrores cometidos pelos nazis.
Estão à janela, vêem tudo, e riem-se.
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3 comentários:
Aqueles que estavam à janela nesse fatídico dia tinham pelo menos a desculpa de que teriam que resistir a um grupo de fanáticos cruéis, armados até aos dentes.
A única resistência eficaz aos nazis seria (pelo menos nesta fase) sempre a resistência armada, mesmo que com poucas ou nenhumas probabilidades de sucesso (Henning von Tresckow, um dos co-conspiradores do 20 de Julho, dizia que um golpe contra Hitler deveria sempre ser tentado, quanto mais não fosse para que no futuro a História não condenasse completamente o povo alemão).
Para civis indefesos, a melhor resistência seria a passiva, não colaborar e esconder e proteger os judeus, como no caso da senhora que salvou a miúda.
Já os nossos queridos estudantes não correm qualquer risco. Quero acreditar que se tratam simplesmente de adolescentes imaturos sem o mínimo de conhecimento da verdade histórica. Pode-se desesperar dos adultos, mas ainda não dos jovens...
Também tenho pensado muito nisso. Na época do regime nazi, resistir e protestar podia resultar não apenas em pena de morte, mas em castigo para os familiares. Os filhos dos resistentes, por exemplo, eram entregues a famílias nazis para serem reeducados.
Mas estes estudantes não estão condicionados por nenhum totalitarismo. Pelo contrário: invocam com todo o desplante a liberdade ilimitada de fazer o que muito bem lhes apetece. E por isso mesmo não comungo dessa esperança nos jovens. Estes auguram um péssimo futuro para a nossa sociedade.
Não se trata tanto de uma esperança particular nos jovens, se quiser, sem dúvida que tais ações não auguram nada de bom para o seu futuro enquanto cidadãos, e mais a questão de eu ter sérias dúvidas relativamente à sua consciência daquilo que foi a Verdade Histórica.
Se olharmos para o crescimento da Extrema-Direita na Europa e nos EUA, o apoio a tais movimentos parece ser transversal às gerações e essa constatação é particularmente penosa para as gerações mais velhas, como a nossa, já que deveríamos saber e parece que não sabemos ou que nos esquecemos. E tanto mais grave porque as últimas testemunhas desses tempos negros nos estão a deixar.
Mas não me parece que faça sentido atribuir a estes jovens uma qualquer maldade banal. Eles não são o Eichmann, são apenas uns tolos que nasceram num País que foi preservado de tal barbárie e que sempre foi notavelmente insular relativamente à memória histórica dos outros povos, até pela sua condição periférica em termos de geografia. Os nazis ainda são provavelmente vistos entre nós como uns vilões de cartoon, saídos dos filmes do Indiana Jones...
Fui educado por uma Professora de História que me ensinou tudo o que havia a ensinar a um miúdo sobre o Holocausto e só depois de ter vivido na Alemanha, conhecido pessoas que ainda viveram a II Guerra, visitado os campos de concentração ou museus como a casa da conferência de Wannsee e sobretudo ter aprendido minimamente a língua, é que julgo que comecei a perceber o que realmente se passou...
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