07 maio 2019
o humor no III Reich
Suspeito que já aqui falei neste livro, que enriquece o estudo do período nazi com a análise das anedotas produzidas na altura. No capítulo "Humor e Extermínio" fala do plano delineado na Conferência de Wannsee para levar a cabo o genocídio dos judeus:
"(...) a extinção dos judeus tinha prioridade absoluta para Himmler e os seus sequazes. Continuaram a aperfeiçoar a máquina da morte com uma enorme energia criminosa. A cada avanço do Exército na Frente Leste, seguia-se uma nova onda que, na retaguarda daquele, cometia pogroms e execuções em massa. Por muito estranho e inapropriado que possa soar aos nossos ouvidos hoje: também se fizeram anedotas sobre a máquina da morte. No entanto, os autores das anedotas não eram os alemães à margem deste processo, ou sequer os próprios assassinos. Eram os próprios judeus que se tentavam encorajar mutuamente com um galgenhumor [literalmente: humor de cadafalso] acutilante e impiedoso. Porque até a situação mais desesperada perde parte do seu horror se for possível rir-se dela."
Traduzo algumas anedotas:
Os judeus de uma Schtetl no Leste europeu estão a ser repetidamente alvo de brutais ataques, pogroms e execuções. Um dia, um dos seus habitantes vai visitar uma Schtetl vizinha e conta o que tem acontecido.
- E vocês, não fazem nada?, pergunta o outro.
- Da última vez rezámos 150 salmos em vez de 75, e jejuámos como no dia da Reconciliação.
- Muito bem!, comenta o outro. Não se pode aceitar tudo, há que resistir!
A Gestapo está a preparar uma execução em massa. O comandante, que naquele dia está bem disposto, vai ter com um dos judeus e diz-lhe:
- Você tem ar de ariano. Vou-lhe dar uma oportunidade. Um dos meus olhos é de vidro, mas é muito difícil distingui-lo do outro. Se você conseguir adivinhar qual é o olho de vidro, não será morto.
- É o esquerdo!, diz o judeu sem hesitação.
- Como é que adivinhou?
- Tem um ar tão bondoso...
- Quantos tipos de judeus há?
- Dois - os optimistas e os pessimistas.
- E como é que se distinguem?
- Os pessimistas estão no exílio, os optimistas estão no campo de concentração.
Nestes dias em que tanto se fala do humor, e da liberdade do humor, sublinho que, pelo que diz este livro, nem os nazis ousaram fazer humor sobre o Holocausto.
Em compensação, sei do julgamento de um berlinense que tinha sido responsável por alguns dos comboios de deportação, e que numa das vezes em que depois da partida do comboio foi beber uma cervejinha no bar da estação terá dito "estes, daqui a três dias já não se queixam dos dentes". Essa piada, quer dizer, o facto de se estar a rir das pessoas que acabara de meter em vagões de gado, agravou-lhe a pena. Não me consta que em sua defesa tenha alegado o seu inviolável direito à liberdade de expressão...
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