04 maio 2019

human requiem



A minha sorte (vocês sabem: aquela minha famosa e inexplicável sorte) atacou de novo: ontem fui pô-la mais uma vez à prova no Radialsystem, tentando arranjar um bilhete para o cronicamente esgotadíssimo Human Requiem, e quando cheguei à bilheteira disseram-me que não tinha sobrado bilhete nenhum.
- Não tenho qualquer hipótese?, perguntei eu - e com isso, queria pedir conselhos, tipo "ponha-se aí, pode ser que alguém venha devolver" ou "vá para a porta, às vezes aparecem pessoas a tentar vender algum bilhete que tenham a mais".
A senhora da caixa hesitou algum tempo, e depois disse:
- Por acaso, um senhor acabou de entregar um bilhete, dizendo para oferecer a alguém que precisasse dele. Se quiser, pode ser para si.  
Não percebi a hesitação dela. Perguntei-lhe se não o queria ela própria.
- Não, não, tome, leve-o.

Portanto: um desconhecido ofereceu-me um bilhete de 48 euros para um concerto que está sempre esgotado. E com esta é que me tramei: nunca mais vou ter o mesmo à-vontade para tentar vender os meus bilhetes de sobra à porta da Filarmonia.

Como ontem a minha famosa sorte estava em grande forma, entre o público estava um conhecido meu, antigo chefe da Filarmonia, e conquistámos juntos um dos poucos bancos da sala. De modo que acabei a participar nas conversas dele com vários dos cantores que paravam por ali. Um deles disse que a sala estava demasiado cheia, o que tornava a execução muito mais difícil e reduzia o efeito da encenação. Isto explicaria provavelmente, pensei eu, a hesitação da senhora da bilheteira em dar-me o bilhete.

O Human Requiem é um projecto do Rundfunkchor Berlin em colaboração com a Sasha Waltz e o Jochen Sandig: um enriquecimento sensorial do Deutsches Requiem de Brahms, que tira partido da excelente maturidade musical do coro, e lhe junta uma encenação entre o teatro e a dança. Os músicos movem-se, distribuem-se e actuam pela sala, e o público move-se com eles em suaves movimentos de onda.


Em vez da orquestra têm um piano e quatro mãos - o que foi, para mim, a parte mais decepcionante. Em compensação, a peça é ouvida de forma completamente diferente, consoante o naipe do músico que em cada momento passa por nós, e enche-nos os ouvidos, os olhos, a consciência e os sonhos. Encantamento puro.

Este Human Requiem já existe desde 2012, e já foi levado a vários países. Em breve irá a Barcelona, São Paulo e a Buenos Aires, entre outras cidades. Perguntei a um dos músicos se Lisboa estava também na rota. Disse que não. Caso alguém com poder para tanto me esteja a ler: levem-nos a Portugal. Arranjem-lhes uma sala com excelente acústica, e espaço para umas quinhentas pessoas. Mas vendam apenas 400 bilhetes para cada concerto, para eles se poderem mover à vontade e a encenação poder brilhar em todos os seus detalhes.








3 comentários:

Paulo Topa disse...

Que fixe. Há uma boa hipótese de ultrapassar o pequeno problema: na próxima ocasião que quiser vender um bilhete, ofereça um... ou dois. Assim, o favor multiplica-se. É só uma sugestão, como é óbvio.

Abraham Chevrolet disse...

Que bom a sorte continuar a seu lado!
Não teve tanta sorte aquela mãe palestiniana grávida e a filha bebé que a acompanhava, mortas pela aviação israelita,esta sexta-feira,3 de Maio de 2019. Falo neste iinfelicissimo assunto por encontrar aqui no seu blog,com frequência,cenas lancinantes ,com vítimas judaicas.
A reflexão e a compostura sempre outorgam uma imagem de seriedade.
Os melhores cumprimentos.

Helena Araújo disse...

Tem tudo a ver com o tema do post, não é, Abraham Chevrolet? Mas não me surpreende: já mostrou anteriormente que qualquer assunto lhe serve para mudar de tema e atacar os judeus.

Caso não tenha reparado, ultimamente falo muito de cenas lancinantes com vítimas judaicas porque os alunos de História da Universidade de Coimbra tiveram a triste ideia de banalizar o Holocausto. Se tivessem a triste ideia de se rir do sofrimento do povo palestiniano, contaria cenas lancinantes com vítimas palestinianas, que também as conheço. Se tivessem a triste ideia de se rir do sofrimento dos negros durante o apartheid, contaria cenas lancinantes de vítimas negras durante o apartheid. Mas como tiveram a triste ideia de fazer humor à custa da memória de seis milhões de vítimas mortais do Holocausto, foi disso que falei. E nem sequer foi para defender as vítimas do Holocausto - foi mesmo só para expor a estupidez de quem se lembra de chamar "alcoholocausto" a um carro cheio de estudantes a beber cerveja.