04 maio 2019

O Ricardo Araújo Pereira e a Liberdade de Expressão (2)

Trago de novo do facebook um comentário do Lutz Brückelmann sobre o texto partilhado no post anterior:

Uma reflexão muito oportuna e boa mas que, talvez mesmo por ser rica em argumentos e referências, me soube a pouco. Ou melhor, me lembrou que eu próprio ainda não clarifiquei as minhas ideias sobre isso o suficiente. Concordo a cem por cento com a crítica ao RAP, e é uma lástima, quase tragédia, que o seu merecidíssimo prestígio como humorista sirva para validar as suas posições proferidas como "public intellectual" preguiçosas e inteletualmente indigentes. Ainda mais por serem proferidas como são, não distinguidas dos produtos do seu génio humorístico. Mas o exemplo do RAP é apenas um sintoma - muito influente em Portugal - dum consenso alargado entre pessoas da sua geração e mais novos que receio não estar bem classificado como "antiquado". Embora compreenda o que o Miguel Monteiro quer dizer. Sim, a última década, com o sucesso dos propagandistas do ressentimento e dos mentirosos sem escrúpulos, tem demonstrado que a ideia de que tudo pode ser dito, porque o diálogo aberto e sem freios sempre conduz ao entendimento e à verdade, é infelizmente falsa. O diálogo conduziria, se entendemos que nele esteja inerente um consenso mínimo sobre valores, boa fé e compromisso com a verdade. Mas no debate que temos no lugar do diálogo, nas redes sociais e na comunicação social, estas bases estão ausentes.
Mas "antiquado" só seria a palavra certa se posteriormente ao consenso da geração do RAP, que identifico como sendo parte do pensamento liberal e neoliberal que dominava a blogosfera que encontrei quando nela entrei em 2003, se tivesse encontrado e estabelecido, pelo menos em hipótese, uma nova forma de diálogo ou debate público.
Não vejo isso. Só vejo que, quando alguém, indivíduo ou grupo profere uma barbaridade, nós gritamos "escândalo" e eles conseguem vitimizar-se, dizendo-se agredidos na sua liberdade de expressão. Infelizmente funciona muito bem. E funciona tanto melhor quanto tentamos punir, na prática, tais manifestações. O sucesso da extrema direita nos EUA, de personagens como Milo Yiannopulos, Ben Shapiro e Jordan Peterson deve-se em grande parte a isso.
Agora, o que é nossa resposta não "antiquada"? Continuar a gritar "escândalo", como fazemos, não é nada de novo. Proibir mesmo? Obrigar - mais realista seria dizer pedir - ao Facebook e ao Twitter para banir figuras destas? Acho bem que a Facebook tenha banido finalmente o Milo e o Alex Jones, mas não acredito que isso seja a solução do problema. Estes são apenas os casos extremos que, no fim, foram suficientemente inábeis para terem dado matéria de sobra para o justificar. Casos como o Peterson, Shapiro, e muitos políticos europeus, de Farage e Salvini a Orbán e Gauland não são assim apanháveis.
Vou continuar a esforçar-me, mas ainda não encontrei a forma "moderna", em contraste com a "antiquada" do RAP, para lidar com manifestações de desumanidade no espaço público. Entretanto posso e devo continuar a chamar o RAP idiota, quando, num caso como o "Pedras para os Zucas" entende que o foco deve ser dado à "ameaça" à liberdade de expressão em vez da violência racista inerente.

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