Em
480 AC, no decurso da 2ª Guerra Médica, a Ática fora invadida pelos
persas, e Atenas fora saqueada. Parecia estar pronta a vitória completa
de #Xerxes,
que vingaria a derrota de seu pai Dario I, 10 anos antes, na batalha de
Maratona. Foi porém, no mar, no estreito de Salamina, uma ilha junto à
península Ática, que, aproveitando a pouca largura do estreito,
Temístocles liderou a pequena frota de 200 triremes atenienses contra os
1207 da coligação aquemênida.
A frota invasora tinha, além dos persas, elementos aliados e de zonas dominadas pelos persas, como fenícios, egípcios e até gregos de outras cidades.
A vitória ateniense será completa e reequilibrou o resultado desta segunda invasão persa, enviando de volta para Susa um cabisbaixo Xerxes.
Nessa mesma batalha participou um tal de Ésquilo, que virá um dia a ser conhecido pelas suas tragédias. Entre elas, uma muito especial, chamada Os Persas, caso único de uma tragédia cujo tema era não lendário ou mitológico, mas de um acontecimento contemporâneo à época.
Em 472 AC, então, foi apresentada ao público a tragédia, que ganhará o 1º prémio da respetiva Dionisíaca. O Corego (uma espécie de mordomo, incumbido pelo pagamento de parte das despesas) responsável pela peça foi não outro que Péricles...
A peça conta a história vista pelo lado dos Persas. A Raínha, mãe de Xerxes, que presentira que tudo correria mal, aguardava no seu palácio por notícias, e as notícias virão pelo "Mensageiro", personagem da tragédia que vem contar o que se passou. Logo conta que tudo correu mal em Salamina. Que os persas foram levados a pensar que os atenienses iriam aproveitar a noite para fugirem, cada um para seu lado, perante a enorme força naval. Mas não foi o que aconteceu. Pela manhã os atenienses lançam o seu ataque. Assim conta o Mensageiro, num texto fabuloso de evocação:
«Mas quando o galope dos brancos cavalos do dia enche a terra da sua fulgurante claridade, logo se ouve estrondear do lado dos Gregos um clamor que se assemelha a um canto e que é repercutido pela ilha rochosa.
O medo apodera-se então de todos os bárbaros, cuja espera se frustrou, pois não era para fugir que os Gregos entoavam aquele solene cântico, mas para se lançarem ao ataque, cheios de coragem e de audácia, e o estrépito da trombeta inflamava o seu exército.
Imediatamente, abatendo em conjunto os remos ruidosos, os Gregos ferem em cadência a água profunda; vemo-los avançar a toda a velocidade, crescendo ante os nossos olhos. A ala direita adiantava-se em boa ordem e atrás vinha toda a frota; ao mesmo tempo podia-se ouvir um grande grito: «Vamos, filhos dos Gregos, libertai a vossa pátria, libertai os vossos filhos e as vossas mulheres, os santuários dos deuses de vossos pais e os túmulos dos vossos avós; lutais hoje por todos os vossos bens.»
Do nosso lado, respondem brados. em língua persa; não é momento para demoras; e logo os navios se entrechocam, as rodas de bronze dá proa embatem umas nas outras. O primeiro ataque parte de uma nave grega, que despedaça inteiramente a armadura da proa de uma embarcação fenícia; depois cada qual ruma ao adversário que escolhe.
De início a torrente do exército persa resistiu; mas como a multidão dos nossos barcos se aglomerava num espaço estreito e não podiam assim socorrer-se mutuamente, antes se rasgando uns aos outros com os esporões de bronze, não tardou que ficassem sem remos, quebrados estes nesses constantes choques.
Então os barcos gregos, insinuando-se habilmente em volta deles, atingem-nos; voltam-se os cascos dos navios, e o mar desaparece sob uma infinidade de destroços e cadáveres sangrentos; os rochedos da costa estão cheios de mortos, e toda a frota dos Bárbaros foge em desordem à força de remos, enquanto os Gregos os espancam como aos atuns ou aos outros peixes apanhados na rede e lhes partem os rins com pedaços de remos quebrados e restos de tábuas.
Os gemidos e os soluços mesclados ouvem-se longe no mar, até à hora em que a sombria face da noite os furta ao vencedor. Mas é tal a imensidade das nossas perdas que nem que eu levasse dez dias a enumerá-las conseguiria chegar ao fim. Jamais, bem posso dizer-to, tal quantidade de homens morreu num só dia.»
O que levou a tal desastre, naturalmente, como em todas as tragédias, foi a Húbris... Dario aparece na peça como fantasma, a "Sombra de Dario" afirmando:
«Montes de cadáveres, até à terceira geração, falarão na sua linguagem muda aos olhos dos homens e dir-lhes-ão que um mortal não deve alimentar pensamentos acima da sua condição: porque a violência, desenvolvendo-se, produz uma espiga de desgraça que só fornece uma colheita de lágrimas».
As imagens são um esquema da batalha e uma estátua de Ésquilo, o tragiógrafo que combateu Xerxes...
A frota invasora tinha, além dos persas, elementos aliados e de zonas dominadas pelos persas, como fenícios, egípcios e até gregos de outras cidades.
A vitória ateniense será completa e reequilibrou o resultado desta segunda invasão persa, enviando de volta para Susa um cabisbaixo Xerxes.
Nessa mesma batalha participou um tal de Ésquilo, que virá um dia a ser conhecido pelas suas tragédias. Entre elas, uma muito especial, chamada Os Persas, caso único de uma tragédia cujo tema era não lendário ou mitológico, mas de um acontecimento contemporâneo à época.
Em 472 AC, então, foi apresentada ao público a tragédia, que ganhará o 1º prémio da respetiva Dionisíaca. O Corego (uma espécie de mordomo, incumbido pelo pagamento de parte das despesas) responsável pela peça foi não outro que Péricles...
A peça conta a história vista pelo lado dos Persas. A Raínha, mãe de Xerxes, que presentira que tudo correria mal, aguardava no seu palácio por notícias, e as notícias virão pelo "Mensageiro", personagem da tragédia que vem contar o que se passou. Logo conta que tudo correu mal em Salamina. Que os persas foram levados a pensar que os atenienses iriam aproveitar a noite para fugirem, cada um para seu lado, perante a enorme força naval. Mas não foi o que aconteceu. Pela manhã os atenienses lançam o seu ataque. Assim conta o Mensageiro, num texto fabuloso de evocação:
«Mas quando o galope dos brancos cavalos do dia enche a terra da sua fulgurante claridade, logo se ouve estrondear do lado dos Gregos um clamor que se assemelha a um canto e que é repercutido pela ilha rochosa.
O medo apodera-se então de todos os bárbaros, cuja espera se frustrou, pois não era para fugir que os Gregos entoavam aquele solene cântico, mas para se lançarem ao ataque, cheios de coragem e de audácia, e o estrépito da trombeta inflamava o seu exército.
Imediatamente, abatendo em conjunto os remos ruidosos, os Gregos ferem em cadência a água profunda; vemo-los avançar a toda a velocidade, crescendo ante os nossos olhos. A ala direita adiantava-se em boa ordem e atrás vinha toda a frota; ao mesmo tempo podia-se ouvir um grande grito: «Vamos, filhos dos Gregos, libertai a vossa pátria, libertai os vossos filhos e as vossas mulheres, os santuários dos deuses de vossos pais e os túmulos dos vossos avós; lutais hoje por todos os vossos bens.»
Do nosso lado, respondem brados. em língua persa; não é momento para demoras; e logo os navios se entrechocam, as rodas de bronze dá proa embatem umas nas outras. O primeiro ataque parte de uma nave grega, que despedaça inteiramente a armadura da proa de uma embarcação fenícia; depois cada qual ruma ao adversário que escolhe.
De início a torrente do exército persa resistiu; mas como a multidão dos nossos barcos se aglomerava num espaço estreito e não podiam assim socorrer-se mutuamente, antes se rasgando uns aos outros com os esporões de bronze, não tardou que ficassem sem remos, quebrados estes nesses constantes choques.
Então os barcos gregos, insinuando-se habilmente em volta deles, atingem-nos; voltam-se os cascos dos navios, e o mar desaparece sob uma infinidade de destroços e cadáveres sangrentos; os rochedos da costa estão cheios de mortos, e toda a frota dos Bárbaros foge em desordem à força de remos, enquanto os Gregos os espancam como aos atuns ou aos outros peixes apanhados na rede e lhes partem os rins com pedaços de remos quebrados e restos de tábuas.
Os gemidos e os soluços mesclados ouvem-se longe no mar, até à hora em que a sombria face da noite os furta ao vencedor. Mas é tal a imensidade das nossas perdas que nem que eu levasse dez dias a enumerá-las conseguiria chegar ao fim. Jamais, bem posso dizer-to, tal quantidade de homens morreu num só dia.»
O que levou a tal desastre, naturalmente, como em todas as tragédias, foi a Húbris... Dario aparece na peça como fantasma, a "Sombra de Dario" afirmando:
«Montes de cadáveres, até à terceira geração, falarão na sua linguagem muda aos olhos dos homens e dir-lhes-ão que um mortal não deve alimentar pensamentos acima da sua condição: porque a violência, desenvolvendo-se, produz uma espiga de desgraça que só fornece uma colheita de lágrimas».
As imagens são um esquema da batalha e uma estátua de Ésquilo, o tragiógrafo que combateu Xerxes...
4. Post de Joaquim Carreira:
Numa tradução de Urbano Tavares Rodrigues, eis como se apresenta Xerxes, no final da tragédia Os Persas de Ésquilo, numa patética lamentação fúnebre:
Xerxes
"Ah, que desgraçado sou por ter caído sob um fado tão terrível e imprevisível! Com que crueldade o destino se abateu sobre a raça dos persas! Miserável, que vou eu ser? Sinto a força dos meus membros enfraquecer à vista dos velhos da minha cidade. Ah, por que razão, oh Zeus, o destino não me mergulhou também na morte, com os guerreiros que já não são deste mundo?"
O Coro acusa o jovem rei persa do seu hediondo e caprichoso crime e do seu despotismo como causa da catástrofe em Salamina:
O Coro
"Esta terra geme pela juventude nascida no seu solo e morta por Xerxes, abastecedor de Hades, que ele encheu de persas. Descendo à mansão de Hades, morreram em massa compacta miríades de homens, flor deste país, archeiros triunfantes. Choremos, choremos, os nossos valorosos defensores."
In Clássicos Inquérito, Editorial Inquérito, Lisboa
O Coro
"Esta terra geme pela juventude nascida no seu solo e morta por Xerxes, abastecedor de Hades, que ele encheu de persas. Descendo à mansão de Hades, morreram em massa compacta miríades de homens, flor deste país, archeiros triunfantes. Choremos, choremos, os nossos valorosos defensores."
In Clássicos Inquérito, Editorial Inquérito, Lisboa
5. Post de Elisa Costa Pinto:
‘LÁGRIMAS DE XERXES’, conto de MACHADO DE ASSIS, 1899
"Cousas duras. Heródoto conta que Xerxes um dia chorou; mas não conta mais nada. Os ventos é que me disseram o resto...", diz Frei Lourenço a Romeu, num conto de Machado de Assis.
Pois é, todos os homens choram, mesmo os mais poderosos ou temíveis. Neste conto, construído integralmente em diálogo, o mestre do Realismo brasileiro coloca em cena as personagens da mais chorona das tragédias de Shakespeare para criticar não Shakespeare, mas o Romantismo. Um dos pontos altos da conversa entre Romeu e Frei Lourenço tem como assunto, imagine-se, as lágrimas de Xerxes que, segundo Heródoto, um dia caíram no rosto do terrível persa. Preciosas lágrimas que, de raras, mereceriam ser guardadas para sempre. Como? Para quê? O diálogo é bem interessante.
6. Post de José Praça:
Xerxes, com todo o seu poder, precisou da ajuda de um traidor grego, Efialte de seu nome, para contornar a resistência de um punhado de espartanos na Batalha das Termópilas. A resistência dos gregos foi tão denodada, que Xerxes violou a ética do combate e ordenou que fosse degolado o corpo do rei espartano Leónidas, morto na batalha, e a sua cabeça empalada num poste.
Quanto a Efialtes, o seu nome é ainda hoje associado na Grécia a traidor, ao mesmo nível de Judas. Sendo recorrente na História o triunfo da traição, não espanta que Konstantinos Kaváfis tenha escrito estes versos, agradecidos mas desesperançados.
Termópilas (1903)
Honra a todos aqueles que na vida
Termópilas fixaram para guardar,
que do seu dever nunca se desviam
e justos são na acção e sempre rectos,
mas nunca perdem pena e compaixão;
se ricos, generosos, e se pobres
ainda generosos com seu pouco.
Que acodem sempre a todos quantos podem;
e, que à verdade sempre são fiéis,
mas não guardam rancor aos que são falsos.
E honra ainda maior lhes é devida,
se já prevêem (são tantos os que o fazem),
que no fim há-de vir um Efialte,
e os Persas no final irão passar.
Konstantinos Kaváfis - 145 Poemas
(traduzido do grego por Manuel Resende)
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