1.
Se ainda ninguém falou da famosíssima ária "Ombra mai fù", da ópera Xerxes de Händel, aqui está ela, pela voz de Philippe Jaroussky.
A ópera começa com esta ária. No seu jardim, Xerxes contempla embevecido a sombra de um plátano. Deve ser um platano de mau olhado, porque dali para a frente só faz asneiras: decide casar com Romilda, que tem um caso de amor correspondido com o irmão de Xerxes; esta distracção sentimental provoca a tristeza e a fúria de Amastre, prometida do rei. Depois de muitas confusões, Romilda acaba a casar quase por engano com o homem que ama, e então a Xerxes dá-lhe um amok e vai conquistar a Grécia (mas esta parte já não vem no libretto da ópera).
Pensava eu que este "Ombra mai fù" tinha o início mais sublime de todas as árias, mas isso foi até ouvir o início de "Alto Giove" da ópera "Polifemo" de Nicola Porpora, cujo início dá 10 a 1 ao da ária de Händel.
Voltando à ópera: vi-a numa encenação da Komische Oper que recuperava o imaginário barroco com muita graça. O problema é que a Komische Oper volta e meia vende os fatos e adereços das óperas, de modo que passei o tempo todo dividida entre a música e a passerelle...
2.
Xerxes há muitos, para além do de Händel. Os arménios, por exemplo, tiveram um
rei Xerxes (228-212 a.C.) cuja vida daria bem uma ópera barroca.
Este Xerxes dos arménios seria provavelmente filho do rei Abdissar, da dinastia dos Orôntidas, que - espertinho! - se teria tentado esquivar ao poder dos Selêucidas e deixar de lhes pagar tributo. Ora, Antíoco III não gostou, e foi cercar a cidade de Arsamosata, onde estava Xerxes. Este, ao ver aqueles soldados todos a aproximar-se, pôs-se ao fresco. Mas depois caiu em si: "oh caraças! se deixo estes okupas entrar na minha casa fico sem ela!" - elementar, diria o Sherlock Holmes. De modo que mandou emissários a Antíoco III, oferecendo a possibilidade de estabelecerem conversações. Os conselheiros de Antíoco III sugeriram-lhe que afastasse Xerxes, e desse o lugar deste ao seu próprio sobrinho. Mas Antíoco preferiu um acordo com Xerxes: este manteria o trono se se subjugasse de novo ao selêucida, sublinhando essa intenção com a disponibilização de 1000 cavalos e 1000 mulas, enquanto Antíoco III, por sua vez, lhe perdoava a dívida do pai. Simultaneamente, Xerxes casava-se com Antióquide, a irmã do rei selêucida.
Esta Antióquide devia ter um feitio como o nome dela, porque arranjou de lhe matarem o marido antes de festejarem o primeiro aniversário do casamento, para entregar o seu trono ao irmão. Só que este andava muito ocupado em campanhas militares, e passou o trono a Abdissares, filho (ou talvez irmão) de Xerxes.
As minhas fontes são omissas no que diz respeito às relações entre madrasta (ou cunhada) e enteado (ou cunhado).
Agora, digam lá se Händel não tinha aqui matéria para uma bela ópera?
PS. Deste Abdissares pouco se sabe. Excepto que o seu perfil cunhado numa moeda é tal e qual o do nosso colega enciclopedista Joaquim C.
Agora, digam lá se o Woody Allen não podia fazer um belo filme com este rapaz que chega ao trono quase por acaso numa das regiões politicamente mais instáveis do mundo, e 2.200 anos depois leva uma pacata existência em Lisboa?
Este Xerxes dos arménios seria provavelmente filho do rei Abdissar, da dinastia dos Orôntidas, que - espertinho! - se teria tentado esquivar ao poder dos Selêucidas e deixar de lhes pagar tributo. Ora, Antíoco III não gostou, e foi cercar a cidade de Arsamosata, onde estava Xerxes. Este, ao ver aqueles soldados todos a aproximar-se, pôs-se ao fresco. Mas depois caiu em si: "oh caraças! se deixo estes okupas entrar na minha casa fico sem ela!" - elementar, diria o Sherlock Holmes. De modo que mandou emissários a Antíoco III, oferecendo a possibilidade de estabelecerem conversações. Os conselheiros de Antíoco III sugeriram-lhe que afastasse Xerxes, e desse o lugar deste ao seu próprio sobrinho. Mas Antíoco preferiu um acordo com Xerxes: este manteria o trono se se subjugasse de novo ao selêucida, sublinhando essa intenção com a disponibilização de 1000 cavalos e 1000 mulas, enquanto Antíoco III, por sua vez, lhe perdoava a dívida do pai. Simultaneamente, Xerxes casava-se com Antióquide, a irmã do rei selêucida.
Esta Antióquide devia ter um feitio como o nome dela, porque arranjou de lhe matarem o marido antes de festejarem o primeiro aniversário do casamento, para entregar o seu trono ao irmão. Só que este andava muito ocupado em campanhas militares, e passou o trono a Abdissares, filho (ou talvez irmão) de Xerxes.
As minhas fontes são omissas no que diz respeito às relações entre madrasta (ou cunhada) e enteado (ou cunhado).
Agora, digam lá se Händel não tinha aqui matéria para uma bela ópera?
PS. Deste Abdissares pouco se sabe. Excepto que o seu perfil cunhado numa moeda é tal e qual o do nosso colega enciclopedista Joaquim C.
Agora, digam lá se o Woody Allen não podia fazer um belo filme com este rapaz que chega ao trono quase por acaso numa das regiões politicamente mais instáveis do mundo, e 2.200 anos depois leva uma pacata existência em Lisboa?
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