23 novembro 2018

Jordan Peterson e a "build in political agenda" do Google

Para que não me venham acusar de distorcer o que Jordan Peterson diz, passo parte de uma entrevista de JT ao London Evening Standard:

“Look up ‘white couple’ on Google Images,” he says suddenly. “Then look up ‘black couple’, then ‘Asian couple’.” Peterson and I look together. If you Google ‘white couple’, the first four images on the top row show a white woman with a black man. “This is way more terrifying than you think, because it means that Google is messing about with algorithms that present information to the public according to a built-in political agenda.”

Sou bem mandada, fui ver o que aparecia no Google Images quando se escreve "white couple". Aconteceu-me tal e qual como Jordan Peterson menciona na entrevista: o google ofereceu-me inúmeras imagens de casais com diferentes cor de pele.

Terrifying, diz ele, e logo ali expõe a sua espantosa teoria sobre o Google manipular o seu próprio algoritmo de modo a alterar a representação da realidade para servir determinadas opções políticas.

Já eu, em vez de ir pelas teorias da conspiração, pensei meio segundo e entrei nos sites de cada imagem para procurar a frase completa. Em todos os casos era assim: "xxxx black and white couple xxxx"

Elementar! Uma busca no Google por "white couple" vai obviamente mostrar também todas as imagens sobre "black and white couple", "asian and white couple", e todas as outras variações de casal em que um deles é "white". Aliás, se fizerem nova busca retirando a possibilidade de "black" e de "asian" [faz-se assim:  "white couple" -black -asian ], o Google oferece imediatamente dezenas de imagens de casais - surpresa! - brancos.

Pensando um pouco mais, pergunto-me por que motivo alguém escreveria "casal branco" num texto. Se o universo da pesquisa do Google é uma sociedade de maioria branca (melhor: uma sociedade onde os brancos têm mais visibilidade), "casal branco" é a definição por defeito. Só se menciona a cor dos brancos se houver um desvio em relação ao habitual. A primeira pesquisa no Google ["white couple] mostra isso mesmo: os casais brancos não são simplesmente casais brancos, mas casais brancos aos quais aconteceu algo fora do normal, como por exemplo ter-lhes nascido um filho de pele escura.

Esta omissão do óbvio é algo normal no nosso quotidiano: nenhum jornal português se refere a um casal em Portugal dizendo "o casal português", mas provavelmente já mencionará a nacionalidade se se for um casal estrangeiro ou de várias nacionalidades. Do mesmo modo, nenhum catálogo de produtos escolares escreve "tesoura para destros", mas já escreverá "tesoura para canhotos" ou "tesoura para destros e canhotos". Se eu procurasse no Google Imagens por "para destros", não receberia muitas imagens de objectos apenas para estes, e receberia uma enorme quantidade de imagens de utensílios "para destros e canhotos" - e imagens de pessoas sorridentes, lado a lado, empunhando objectos iguais uma com a mão esquerda e outra com a mão direita. Devo concluir que o Google também tem uma agenda política para impor a supremacia dos canhotos sobre os destros?
(Malditos marxistas do Google, isto é só mensagens subliminares!...)

Mas então, perguntarão, se "white couple" não é uma categoria que se justifique mencionar nos textos, porque é que quando se procura "white couple", excluindo todos os textos onde aparece a palavra "black" ou "asian", aparecem tantas fotografias de casais brancos? Fui espreitar, e a explicação é muito simples: são catálogos de imagens. "Casal branco de idade", "casal branco jovem sorridente", "casal branco a discutir", etc.

Fica assim explicado porque é que o Google mostra casais de cores de pele diferentes quando a busca é por "white couple". O que suscita uma terrifying questão: o que levou Jordan Peterson a pegar nesta história, que tem uma explicação tão simples, usando-a para insinuar que o Google anda a manipular o seu algoritmo por motivos políticos? Terrifying, também, é a sua incapacidade de reparar realmente no mundo em que vive. Qualquer pessoa mais ou menos atenta repara que num mundo de brancos essa é a cor "por defeito" (em que cor pensamos quando dizemos lápis ou lingerie "cor de pele"?), pelo que não é explicitamente mencionada e por isso não faz sentido usá-la para fazer buscas no Google, e muito menos tirar conclusões fantasiosas a partir dos resultados desta pesquisa condicionada para falhar. 

Complicando um pouco mais a análise: para testar a minha teoria da cor "por defeito" ser a cor da maioria da população, fui espreitar a internet angolana. Pensava que não encontraria nenhum casal negro com a legenda "casal negro", mas encontraria alguns casais brancos com a legenda "casal branco" e outros com "casal branco e negro". Procurei assim:
- "casal branco" site:ao
- "casal de brancos" site:ao
- "casal negro" site:ao
- "casal de negros" site:ao

Sabem o que encontrei? Nada. Praticamente nada.
Excepto no "casal branco": o meu écran encheu-se de imagens de móveis de quarto e de lençóis de casal brancos.

Ia tirar umas conclusões sobre Angola ser um país muito à frente, onde a cor da pele não tem importância nenhuma, mas de facto não sei e não quero incorrer numa Petersonada humilhante. Agradecia às pessoas especialistas nesses "cursos que não servem para nada excepto para passar a agenda marxista" (espero ter citado bem Jordan Peterson) que me expliquem porque é que, ao contrário dos sites dos EUA, nos sites angolanos ninguém menciona a cor da pele dos casais, sejam eles brancos, ou negros, ou misturados.

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Sabem o que é mais triste de tudo isto? Jordan Peterson diz aquele disparate, e vários milhões de pessoas abrem muito os olhos e dizem "oh pá, é isso mesmo! estamos tramados!"
Eu dou-me ao trabalho de explicar que não é nada disso, mas só meia dúzia de pessoas prestam atenção. E esses poucos nem precisavam de ler este texto: já sabem bem do que é que a marca Jordan Peterson gasta.

(Estamos tramados!)

11 comentários:

Lucy disse...

eu ligo sempre ao que tu dizes, bem sabes, Helena. És a minha guru. Não quero saber de Petersons...

Helena Araújo disse...

hahahaha

És tu, e mais cinco, Lucy. Meia dúzia. :)

Lucy disse...

já dá para fazer um partido? (um partidinho...)

Gi disse...

Um partido da vanette, Lucy, porque já não cabemos num táxi... ;-)

Lucy disse...

Gosto dessa, partido da vanette...

Célia disse...

Li tudinho e, estando tão bem explicado e esmiuçado, fiquei a perceber melhor.
Obrigada, Helena.
Feliz domingo.

Alter Ego disse...

Talvez seja melhor um comboio, dá para adicionar carrugagens! ;)

jj.amarante disse...

Bem analisado, felizmente ainda não gastei tempo com esse Jordan Peterson, nunca ouvira falar dele.

Helena Araújo disse...

Olá, amigos do partido da vanette: boa ideia! Enquanto coubermos todos numa vanette não há gente suficiente para partir. O problema é quando passarmos para um comboio. :)

Helena Araújo disse...

jj. amarante,
também eu preferia não ter perdido tempo com ele. Mas é um fenómeno do nosso tempo, e temos de nos confrontar com isso. Uma triste vida.
O que mais odeio nele é o seu estilo enguia:
- Ai, eu não disse isso!
- Então o que é que disse?
- Há um vídeo meu, de duas horas, onde analiso o caso com todo o detalhe.
(Grrrrr!)

jj.amarante disse...

O seu aviso sobre o Jordan Peterson já me foi útil, vi hoje um livro dele no El Corte Inglés em Lisboa, entre os 10 mais vendisos (acho que era o 9º) e já não gastei tempo com ele.